O ano de 2025 tem sido turbulento para a Gucci, uma das marcas mais conhecidas da indústria global de luxo. No segundo trimestre, a empresa viu suas vendas caírem 25%, o que equivale a uma perda de bilhões de reais em receita. Para agravar, a grife enfrenta uma disputa trabalhista na Itália: cerca de mil funcionários do varejo e da logística entraram em “estado de agitação” — um mecanismo legal que pode evoluir para greve.
O motivo é o não pagamento de um bônus de bem-estar de cerca de R$ 3.600 por trabalhador, previsto em acordo coletivo válido até dezembro de 2024. As entidades sindicais Filcams Cgil, Fisascat Cisl e Uiltucs afirmam que a marca se recusa a pagar o benefício que, segundo elas, deveria continuar em 2025.
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A Gucci, controlada pelo grupo Kering, por sua vez, condicionou o pagamento a uma revisão mais ampla do esquema de incentivos do período 2022–2024 — proposta considerada inaceitável pelos sindicatos.
Os sindicatos classificaram a postura da empresa como “instrumental” e desrespeitosa, acusando-a de fazer os funcionários aguardarem em vão. Eles mantêm a ameaça de ações sindicais adicionais, incluindo assembleias locais previstas para setembro.
Esse conflito mostra que a crise da Gucci não é apenas de vendas, mas também de confiança com seus próprios trabalhadores.
O peso da indústria do luxo
A Gucci não está sozinha. O setor global de bens de luxo pessoais — que inclui roupas, acessórios e joias — movimenta hoje cerca de R$ 2 trilhões por ano. Mas o mercado vem encolhendo: estima-se que 50 milhões de consumidores tenham deixado de comprar artigos de luxo nos últimos cinco anos.
Um dos motivos foi a disparada dos preços após a pandemia. Em alguns casos, o valor de bolsas e acessórios praticamente dobrou. Esse aumento afastou clientes e expôs o setor a críticas de exploração e especulação.
A China, que por duas décadas foi o motor do crescimento da indústria, hoje apresenta baixo desempenho nesse segmento, enquanto Europa e Estados Unidos lidam com incertezas ligadas a tarifas de importação e denúncias sobre condições de trabalho em algumas fábricas.
Como as marcas estão reagindo
Algumas empresas perceberam que a escalada de preços chegou ao limite. A Burberry, por exemplo, reduziu o valor de suas bolsas (ainda caras, mas menos inacessíveis) e lançou linhas inspiradas em eventos culturais, o que ajudou a recuperar parte do mercado. Suas ações subiram cerca de 60% em um ano. Outras, como a grife de Victoria Beckham, só entraram no caminho do lucro após baixar preços.
Já gigantes como a LVMH, dona de Dior e Louis Vuitton, resistem a cortar valores, mas têm se desfeito de marcas menos rentáveis. Ao mesmo tempo, setores como o de joias seguem em crescimento: a Richemont, dona da Cartier, registrou aumento de vendas de 11% em joias no último semestre, já que muitos consumidores passaram a ver ouro e diamantes como um “investimento” mais sólido do que bolsas ou roupas.
Demna Gvasalia: a aposta arriscada da Gucci

Em meio à crise de vendas e à ameaça de greve na Itália, a Gucci aposta em Demna Gvasalia como novo diretor criativo desde março deste ano. Nascido na Geórgia e formado na Royal Academy of Fine Arts, em Antuérpia (Bélgica), Demna ganhou projeção ao cofundar a marca Vetements e assumir a Balenciaga em 2015, onde construiu a fama de estilista provocador e inovador.
Seu estilo mistura moda e performance, explorando objetos banais, referências culturais polêmicas e releituras radicais de ícones do setor — características que o tornaram influente, mas também alvo constante de críticas.
Ao longo da carreira, Demna colecionou acusações de ultrapassar os limites entre inspiração e plágio. Em 2020, a Balenciaga foi processada pela marca City Merchandise por transformar uma bolsa de lembrancinha típica de Nova York, vendida por R$ 120, em um item de luxo de quase R$ 11 mil; o caso terminou em acordo sigiloso.
Naquele mesmo ano, a artista vietnamita Tra My Nguyen acusou a grife de copiar quase literalmente sua instalação — uma motocicleta coberta por roupas para homenagear mulheres motociclistas — depois que seu portfólio havia sido solicitado pela equipe da marca.
Antes disso, em 2018, o perfil Diet Prada já havia acusado a Vetements de reproduzir as icônicas botas Tabi da Maison Margiela sem inovação relevante. Houve ainda críticas ligadas a peças associadas à cultura negra e hip-hop, acusadas de apropriação cultural, além de disputas envolvendo trabalhos de colaboradores não creditados.
O episódio mais polêmico, no entanto, ocorreu em 2022, quando a Balenciaga lançou uma campanha publicitária que gerou forte reação. Nas imagens, crianças apareciam segurando ursos de pelúcia adornados com acessórios inspirados no BDSM – sigla que representa práticas como bondage (restrição), disciplina, dominação, submissão, sadismo e masoquismo. Os cenários incluíam objetos considerados inadequados, o que provocou acusações de sexualização infantil e gerou um grande protesto público.

A repercussão foi imediata: consumidores queimaram produtos, a marca foi acusada de sexualizar crianças e até enfrentou uma investigação judicial. A Balenciaga e Demna pediram desculpas públicas e prometeram rever processos internos, mas o episódio deixou marcas profundas na reputação do estilista.
Agora, à frente da Gucci, Demna atua cercado de expectativas e riscos. Para alguns, é um gênio capaz de redefinir os rumos da marca; para outros, um criador polêmico que pode agravar ainda mais a crise da grife. Sua jornada será um teste decisivo para saber se a ousadia que o consagrou pode também salvar uma das maiores casas de moda do mundo em meio à turbulência do mercado de luxo.
Reinvenção do mercado de luxo
O mercado de luxo vive um momento de reinvenção: a ostentação pura e os preços fora da realidade já não sustentam sozinhos esse setor bilionário. Para marcas como a Gucci, o desafio é duplo: repensar sua identidade criativa e resolver conflitos trabalhistas que expõem o outro lado dessa engrenagem.
Porque, quando uma grife entra em crise, não são apenas acionistas ou clientes milionários que sentem o impacto. São os trabalhadores comuns — de vendedores a funcionários da logística — que enfrentam cortes, incertezas e precisam lutar para manter direitos básicos. No fim, a “reinvenção do luxo” revela que o brilho das vitrines depende, sobretudo, do esforço de quem não consome aquilo que ajuda a vender.