Veículo: UOL
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Data: 04/08/2025

Editoria: Shopping Pátio Higienópolis
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Raros CEOs descobrem que Centro pode ser bem melhor que Faria Lima

Quando o brechó virtual Enjoei levou seus 300 funcionários para o mezanino do Copan, no ano passado, muita gente estranhou. 56% da equipe são mulheres e supostamente o centro de São Paulo seria muito mais inseguro pra elas do que o endereço anterior, na avenida Juscelino Kubitschek, no Itaim.

A desconfiança virou paixão rápida: em vez de comida de shopping caríssima e precisar de carro pra tudo, e com ruas ermas já a partir das 18h, o time da Enjoei agora tem uma dezena de PFs e quilos em conta na galeria Metrópole a metros dali. Como o chinês Koufu, com pratos abaixo de R$ 30. A uma quadra, tem o Merenda da Cidade, dos estrelados Janaína e Jefferson Rueda, onde PF, suco, salada e sobremesa saem por R$ 49. Também na avenida São Luís, o Mundo Pão de Olivier Anquier e o Brim abriram há pouco, e vivem lotados, com lanches no primeiro e cardápio executivo no segundo.

Mais importante: a estação de metrô República, com as linhas amarela e vermelha, e a duas paradas da azul e da verde, fica a ligeiros 4 minutos de caminhada, ou dois quarteirões. Quem vai de bicicleta, pode usar as duas duchas instaladas no espaçoso escritório.

A metros dali, há mais de uma década fica a sede da BDO, a quinta maior empresa de auditoria do Brasil (e a única nacional entre as multinacionais do setor, como Deloitte e KPMG). Era pequena em Santo Amaro, mas virou grande na rua Martins Fontes. Durante a pandemia, a BDO foi assediada pelos faria limers corporativos com ofertas sem o menor charme no eixo Berrini-Chucri Zaidan. Decidiu continuar, em um prédio colado ao antigo Hotel Jaraguá.

Quando o jornal DCI e a rádio Nova Brasil desocuparam os únicos andares do prédio que a BDO ainda não ocupava, a auditoria brasileira foi rápida e pegou ambos. Os 1.300 funcionários da matriz paulistana ainda vão ganhar em breve um grande auditório para chamar de seu.

A partir deste 6 de agosto, com inauguração com show exclusivo de Ney Matogrosso, o Teatro Jaraguá, no hotel vizinho, passará a ser chamado de Teatro BDO Jaraguá, e receberá atividades da empresa em horários alternativos às peças e apresentações. Depois de muitos anos fechado, o teatro foi reinaugurado em janeiro deste ano, e encosta — parede com parede — no prédio da BDO.

A entrada da empresa vai se mudar pra lateral do hotel, mas ainda será necessário um esforço visual e arquitetônico para se diferenciar de um mero embarque e desembarque de veículos. A BDO também prepara uma minigaleria no térreo, que pode se aproveitar do movimento do hotel, recém-restaurado e com nova bandeira, o Nacional Inn.

Raul Corrêa, fundador da BDO, brinca que atuará como olheiro nos shows e peças mais disputadas no teatro. “Muitos empresários têm medo do centro porque nunca estiveram aqui. Se eu encontrar algum na plateia, vou convidar a visitar a empresa e almoçar”, me disse em sua sala. A BDO tem contas grandes em seu portóflio. Audita balanços de Cosan, Itausa, Kalunga e Sabesp, por exemplo. Sugiro ao meu xará que leve os forasteiros ao Matiz, na cobertura de um prédio vizinho dos anos 1950, que também ferve com o público que continua a descobrir a região.

Não faltam opções gastronômicas mais caras e cheias de personalidade nas redondezas, para impressionar o mais reticente faria limer: da Casa do Porco aos Abaru e Notiê, no terraço do Shopping Light, do Dona Onça ao Esther Rooftop. Se o CEO forasteiro for no happy hour, tem o Bar dos Arcos, o Bar do Cofre, o Fel e o Formosa Hi-Fi, todos em prédios históricos que sapateiam na cara de qualquer espelhado genérico da Vila Olímpia.

Esse trabalho de bastidores é fundamental para dobrar a resistência a um centro que é vítima de uma propaganda negativa muito superior à insegurança real.

Diz a lenda que Ana Luiza McLaren, cofundadora da Enjoei, já estava pensando em deixar a sede apertada na JK quando almoçou no Dona Onça. A arquiteta mineira Nara Grossi falou do mezanino do Copan e dos 2100 m² de laje que estavam disponíveis. Ana se encantou e Nara adaptou o enorme espaço com calor e cores _ ocupantes anteriores desperdiçavam tudo ali, usando divisórias mequetrefes dando as costas para o terraço do Copan.

Os jovens funcionários — idade média: 30 anos — já têm happy hours com cantoria nos karaokês da balada Tokyo, logo em frente, ou drinks no Parador do edifício Renata. Todos a menos de 3 minutos de caminhada. No mesmo horário que os faria limers mofam no trânsito da Roberto Marinho ou da Marginal, com aquelas vistas apocalípticas.

Existem seis livrarias em um raio de 300 metros de ambas as empresas — imagina algo assim na Berrini ou na Chucri Zaidan? Além da Biblioteca Mario de Andrade, do Theatro Municipal e da Cultura Artística, na Roosevelt.

Há cinco meses, sugeri nesta coluna que o Nubank decidisse mostrar que é realmente inovador e disruptivo e instalasse a sua sede no centro. Nos últimos vinte anos, o poder público e pequenos empresários e comerciantes ja fizeram a sua parte. Governo do Estado, prefeitura, secretarias diversas, restaurantes, bares, baladas voltaram ao centro. Mas o grande PIB continua careta, convencional e demonstrando pouquíssimo amor pela história de São Paulo.

O grande PIB ainda sonha com sedes corporativas vizinhas aos condomínios fechados onde moram, da Boa Vista à Baroneza, sem se preocupar como centenas de seus “colaboradores” irão se virar no deslocamento casa-trabalho. A senhora do café ou da limpeza, o segurança, a secretária, o estagiário e o recém-formado com certeza não moram nesses condomínios longe da cidade real.

Bom frisar: nem Raul da BDO, nem Ana Luiza do Enjoei, moram no centro. A localização da sede não é por conforto individual, mas faz bem às finanças das empresas e dos próprios funcionários. O centro, quem diria, dá qualidade de vida.

Às vezes, basta a visão de um diretor, um CEO, um dono para se investir em arquitetura, urbanismo, cidades, qualidade de vida para milhares de pessoas. Pena que o novo normal tenha sido gente desprovida de qualquer sensibilidade (ou sofisticação) em cargos-chave.

As centenas de lojas térreas vazias, mezaninos e prédios históricos de caríssimos restauro e manutenção precisam de protagonistas com muito capital, e que não desistam (ou descontinuem políticas municipais) de quatro em quatro anos, como fazem muitos governos.

Muitos urbanistas-ativistas-partidários, que só jogaram contra o centro nos últimos anos, tentam provocar mais medo com fins eleitoreiros. Muita gente não admite que, sim, várias partes do centro melhoraram muito nos últimos três anos (mesmo que outras continuem uma tristeza só).

Felizmente, pelo que se viu nas últimas semanas de relação Brasil-EUA, jogar contra interesses coletivos pode ser um boomerang na testa. Com mais massa crítica e pessoas poderosas defendendo o centro, a divulgação de fatos positivos da área pode se encorpar.