O varejo do futuro já chegou e acontece agora, tendo conexão, experiência e valor humano como pilares básicos. Tudo permeado pela digitalização, avanço do uso de inteligência artificial e análise de dados. A nova realidade leva o setor de shoppings a redesenhar suas operações e se preparar para ser o paraíso do consumo movido por desejos. “O aumento significativo no mix de marcas de segmentos como entretenimento, gastronomia e serviços relacionados a cuidados pessoais e bem-estar comprova que esse movimento já começou”, afirma Luiz Alberto Marinho, sócio-diretor da Gouvêa Malls. “A fim de entender melhor o consumidor e antecipar suas necessidades e desejos de maneira personalizada, as operadoras ampliam, com a ajuda da tecnologia, a base de dados sobre hábitos de consumo dos frequentadores”.
Pesquisa da Associação Brasileira de Shopping Centers (Abrasce) revela que o segmento de alimentação representava 19,1% do número de lojas no ano passado. Em 2023, não passava de 17,5%. Conveniência e serviços avançaram de 9,8% para 10,4%, enquanto lazer e entretenimento variaram de 2,2% para 2,4%. Ainda segundo a Abrasce, 31% dos shoppings investem em boulevards gastronômicos, oferecendo restaurantes com serviços e experiências diferenciados, e 26% criaram programas de relacionamento, a fim otimizar as ações de marketing e impulsionar a venda dos lojistas.
Com 3 milhões de usuários únicos ativos nos últimos 12 meses, o app Multi é o principal canal de comunicação da Mutiplan com os cerca de 16,7 milhões de visitantes que passam mensalmente pelos 20 shoppings da companhia. “O programa de fidelidade gera uma série de dados que nos ajuda a manter interações personalizadas com nossos consumidores, o que nos orienta na composição do mix e na criação de ativações”, afirma Armando d’Almeida Neto, vice-presidente financeiro e de relações com investidores. No primeiro semestre de 2025, as vendas impulsionadas pelo app atingiram R$ 1,7 bilhão, alta de 50% sobre o mesmo período de 2024.
“Nosso trabalho é olhar para frente e refletir na oferta de hoje”, diz Neto. “Mais de 61% do mix está concentrado em experiência e conveniência, com foco em serviços, alimentação e lazer”. Os resultados da Multiplan são positivos. As vendas cresceram 12,8% no segundo trimestre de 2025 em relação a 2024, o melhor desempenho para o período em dez anos A boa performance foi impulsionada pelas expansões em cinco malls e 19 projetos de revitalização do portfólio, alguns concluídos e outros em andamento. Serão acrescidos 67.288 m² de área bruta locável (ABL) e mais 200 novas operações até o fim de 2026.
Com 27 novas lojas em operação, entre elas, Zara, Farm e Sephora, o Shopping Center Norte inicia uma segunda rodada de investimentos. Na primeira, ampliou em 10% a ABL e diversificou o mix, com aumento de participação de gastronomia, que passou a responder por 20% das operações. “Investiremos R$ 60 milhões na transformação da área antes ocupada por um hipermercado. Ali funcionará um parque infantil, com inauguração prevista para o segundo semestre de 2026. O futuro da indústria de shopping é entretenimento e lazer”, diz o diretor executivo do empreendimento, Guilherme Marini.
A fim de transformar seus shoppings em hubs de conveniência, convivência e soluções urbanas, a Allos investe em expansão e estruturas multiuso. Entre os projetos mais avançados está o do Shopping Campo Grande, que contempla mais 24 mil m² de ABL e 150 novas operações. “Nossos malls registram performances acima da média”, diz o CEO Rafael Sales. “No acumulado dos últimos quatro anos, as vendas por metro quadrado subiram 45%.” Com participação em 45 shoppings, 15 mil lojas e uma média de 50 milhões de visitantes mensais, as vendas da Allos no primeiro trimestre de 2025 alcançaram R$ 9,1 bilhões, 5% a mais que no mesmo período de 2024.
O futuro pede diversificação. O principal ativo passa a ser a base de clientes”
— M. Carvalho
Para Glauco Humai, presidente da Abrasce, a tendência de crescimento tende a se manter em 2025. “O primeiro trimestre foi positivo, com alta nas vendas e taxa média de ocupação de 95,3%. A expectativa é somar R$ 202 bilhões em vendas contra os R$ 198,4 bilhões de 2024”, diz. Além do grande número de expansões, o calendário deste ano prevê 17 novos shoppings.
Porta de entrada de marcas de luxo no país, os 15 shoppings com participação da Iguatemi S.A., que movimentaram R$ 21,2 bilhões em vendas em 2024, usam os novos varejistas para completar o mix. “Nosso desafio é traduzir as exigências e expectativas do público A/B na formação de um mix cada vez mais completo e, ao mesmo tempo, continuar na vanguarda das marcas de luxo”, diz André Moreno, vice-presidente comercial. “Sabemos o que queremos ter no portfólio. É o trabalho de curadoria que nos diferencia do mercado”. A abertura em maio da primeira loja física no Brasil da americana Alo Yoga, no JK Iguatemi, é o exemplo mais recente desse trabalho.
Paralelamente, a Iguatemi redesenha com as expansões a arquitetura de seus equipamentos. Em março, o Praia de Belas Shopping, em Porto Alegre, inaugurou o Orla do Praia, um espaço externo dedicado ao lazer e à prática esportiva, às margens do rio Guaíba. Apenas no Iguatemi Brasília foram investidos R$ 236 milhões em expansão. O projeto irá adicionar 15,5 mil m² à ABL atual, 90 novas lojas, com open mall e espaço exclusivo para eventos e marcas de luxo.
Marcos Carvalho, copresidente da Ancar Ivanhoe, observa que há um mundo de oportunidades desde que se mude o olhar. “É preciso entender que o shopping passou de um negócio imobiliário para um ecossistema centrado em pessoas”, diz. “Precisamos usar a tecnologia e os programas de relacionamento para construir um banco de dados eficiente”. As expansões nos 22 shoppings da Ancar estão centradas nos espaços de experiência, áreas que remetem ao conceito de praça ao ar livre, com foco em gastronomia, eventos e lazer. “Já são 14 projetos proprietários com quintais, terraços e alpendres, somando 40 mil m² de ABL”, diz Carvalho. Com ocupação na casa de 96%, a companhia movimentou R$ 20 bilhões em vendas em 2024.
Marinho assinala que, para se transformar em um lugar de experiência, o modelo de negócio também precisa mudar. Em 2024, 74% da receita das operações de shopping derivavam de aluguel de lojas e cessão de direitos. “O futuro pede diversificação. É preciso entender que o principal ativo dos shoppings está deixando de ser o imobiliário e passa a ser a base de clientes que possuem”, afirma.