Veículo: Valor Econômico
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Data: 18/07/2025

Editoria: Shopping Pátio Higienópolis
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Tarifaço terá impacto reduzido sobre PIB, aponta diretor do FMI

O crescimento econômico do Brasil deve ser pouco impactado pela tarifa de 50% imposta pelos Estados Unidos sobre produtos brasileiros. Essa é a avaliação preliminar do Fundo Monetário Internacional (FMI), que ainda está fazendo cálculos para dimensionar o impacto da decisão de Donald Trump.

“É um efeito que está na casa dos decimais, não é um efeito que vai bater 1%, 2% do PIB, é um efeito bem menor do que isso”, afirmou o diretor-executivo do Brasil no FMI, André Roncaglia, em entrevista exclusiva ao Valor. Ele acrescentou que a guerra tarifária abre uma oportunidade para o país acomodar esses choques com novos acordos comerciais e com a conclusão do acordo Mercosul-União Europeia.

O FMI divulgou na quinta-feira (17) que manteve em 2,3% a estimativa de crescimento do PIB do Brasil em 2025. Para 2026, a previsão é de uma alta de 2,1%. Os números constam no relatório anual sobre a economia do país, feito após visitas regulares às autoridades brasileiras. Os dados representam moderação em relação ao crescimento observado em 2023 e 2024 e consideram apenas as tarifas de Trump anunciadas em abril.

O Fundo também projeta que a inflação deve chegar a 5,2% no fim de 2025 e convergir gradativamente para a meta de 3% ao fim de 2027. Roncaglia diz que o balanço de riscos é positivo para essa queda da inflação, mas pondera que, se não houver um equacionamento da agenda fiscal, a queda da Selic fica adiada.

O diretor afirmou, ainda, que a projeção do Fundo é da necessidade de um esforço fiscal da ordem de quase 2% do PIB para estabilizar a relação dívida/PIB, que, pelas projeções do FMI, atingirá um pico de 99% em 2029. Essa tarefa, ressaltou, precisará do apoio de todos os Poderes. “Não é um esforço apenas do Executivo Federal, mas das autoridades como um todo”, disse.

Confira, a seguir, os principais pontos da entrevista:

Tarifa de 50%

O relatório incorporou apenas o cenário de 2 de abril. É evidente que a equipe do Fundo já está trabalhando para tentar dimensionar o impacto desse anúncio da semana passada [o tarifaço de 50% dos Estados Unidos sobre produtos brasileiros]. A estimativa da área de pesquisa do Fundo é que para esse ano, se tiver um efeito, é muito pequeno, até marginal no crescimento econômico do Brasil. No ano que vem, o efeito é um pouco maior, mas nada que seja preocupante. A economia brasileira tem pequena dependência em relação aos Estados Unidos, não é uma parcela grande do nosso PIB. Nesse sentido, o impacto que uma eventual tarifa de 50% pode ter sobre a economia é pequeno, na casa dos decimais, não é um efeito que vai bater 1%, 2% do PIB, é um efeito bem menor do que isso.

Oportunidades

O Brasil tem possibilidade de acomodar esses choques por meio da abertura de novos comércios, aceleração do processo de conclusão do acordo com a União Europeia e tentativa de ampliar a atuação no mercado regional da América Latina, que é onde existe um potencial imenso de ganhos de produtividade e de melhorias de comércio. Mas, evidentemente, o tarifaço causa preocupação pela incerteza que está envolvida nesses anúncios. Não sabemos se eles vão ser efetivados ou não. Agora, a incerteza tende a paralisar projetos de investimento, por isso é importante que o governo brasileiro dê sinalizações claras no sentido de proteger a nossa economia, a indústria e os setores quesão mais afetados por essas medidas.

Impacto global

Não é trivial a gente estimar qual é o efeito sobre a economia global sem saber exatamente a reação dos países. Por ora, com apenas os anúncios de Trump, o resultado previsto é que vai ter uma redução do crescimento econômico global com uma elevação da inflação. A questão reside em saber a distribuição desse efeito. Quais países vão ter mais inflação, quais países vão ter menos crescimento, mas eu acho que, inevitavelmente, a incerteza não é benéfica para os países em desenvolvimento, que sofrem mais com volatilidade cambial. Mas aqui vem a boa notícia: o Brasil não apenas está mais blindado desses movimentos, como tem um crescimentoforte, com mercado de trabalho aquecido, com uma agenda de transição ecológica muito forte.

A atuação firme do BC sobre manter a inflação na meta tem enviado um sinal muito positivo”

Impacto na inflação

Para o Brasil, é evidente que deve ter algum efeito, mas ele deve passar por meio da taxa de câmbio. E esse efeito tem sido, na verdade, o oposto, porque a gente esperaria que a incerteza produzisse uma desconfiança com relação ao real e levasse a uma fuga de dinheiro do país. Mas, eu acho que a atuação firme do Banco Central sobre manter a inflação na meta tem enviado um sinal muito positivo de que o BC não vai deixar a inflação fugir do controle. Mas, ao mesmo tempo, tampouco vai atuar de uma maneira excessivamente dura a ponto de sacrificar os principais fatores dinâmicos do crescimento econômico brasileiro. Note que com 15% de taxa de juros, a economia brasileira continua crescendo de maneira robusta. Evidente, existe uma desaceleração em 2025, mas na medida em que essa redução da taxa de câmbio e a queda da inflação de alimentos começa a fazer efeito sobre a inflação total, o BC vai ganhando espaço para poder reduzir a taxa de juros.

Queda da Selic

O que o Fundo coloca é uma condicionalidade para que a taxa de juros comece a cair e, no entendimento do Fundo, isso vem tanto de uma melhoria na incerteza global quanto da agenda fiscal. Então, o entendimento do Fundo é que, se não houver um equacionamento da agenda fiscal, essa queda da taxa de juros fica adiada.

Dívida pública

A recomendação do Fundo é que o Brasil faça um ajuste fiscal mais forte do que aquele que está sendo apresentado pelo governo. O Fundo prevê que o superávit primário necessário para estabilizar a dívida é de 1,7% do PIB. Então, exigiria um esforço fiscal de aproximadamente 2% do PIB por parte do Poder Executivo para que você consiga estabilizar a dívida. Como a gente vem assistindo, tem sido muito difícil equacionar a questão fiscal no Brasil, a intensidade do conflito distributivo é muito forte, isso se expressa na discussão orçamentária. Então, o Fundo faz esse pleito para as autoridades tentarem chegar em um acordo, de maneira a garantir a sustentabilidade do marco fiscal.

Reformas micro

Além disso, tem uma agenda muito importante, que é uma agenda mais silenciosa, que tem a ver com o crescimento econômico. O governo tem uma agenda forte de reformas microeconômicas que vão ter o seu efeito no longo prazo. Existe uma agenda muito importante de fazer o financiamento da transição ecológica, cujos efeitos, quando vierem, vão ser muito positivos para nossa balança comercial e para a produtividade.

Despesa

O Fundo tem um entendimento, que é o que a literatura econômica reconhece, que o ajuste fiscal que é feito pelos dois lados das receitas e das despesas tem maior chance de ter aceitação social e maior capacidade de aprovação política. Então, a questão é saber o sequenciamento em que isso deve ocorrer, na medida em que a economia política permita fazer os avanços nas reformas.

Ajuste fiscal

O Fundo não está falando apenas do Poder Executivo Federal. Ele está falando das autoridades como um todo, o Congresso envolvido, o Judiciário envolvido, porque se o Executivo faz tudo sozinho e não há cooperação por parte dos outros Poderes, o que a gente vê é um agravamento desse conflito que tende a produzir incerteza. A mensagem do Fundo é muito importante, que as autoridades brasileiras como um todo atuem de maneira responsável, de maneira vigilante, para que todos sejam responsáveis pela estabilidade fiscal do Brasil. Agora, as autoridades brasileiras são absolutamente soberanas na maneira, no ritmo e na forma de como vão fazer esse ajuste fiscal.

Reforma do IR

O Fundo entende que o pacote é positivo, mas se considerar apenas a isenção de IR até R$ 5 mil, o entendimento do Fundo é que essa é uma medida regressiva, porque ela acaba beneficiando pessoas que ganham um patamar elevado com relação à média. Por isso, as medidas da tributação no topo da renda são importantes para garantir não apenas a neutralidade em termos de receita, mas redistribuir o peso da tributação. Por isso, é importante a compensação no pacote como um todo.

IOF no câmbio

Desde 2019, vem havendo uma queda gradual. Em 2022, era 6,38% e o governo brasileiro vem reduzindo, com vistas a uma eliminação do IOF sobre o câmbio. Então, no ano de 2024, teve uma redução de 4,38% para 3,38%, então manteve-se esse calendário e o governo agora fez um pequeno ajuste nesses 3,38% para 3,5%. O que me parece que ainda é incerto é em que momento as condições fiscais e as condições regulatórias da economia brasileira vão permitir ao governo avançar na redução desse imposto, mas por hora a trajetória de redução está estabelecida, precisa ver mais para frente se o governo tem a intenção de continuar reduzindo esse imposto até a sua eliminação.

Rigidez orçamentária

Tanto a indexação da Previdência ao salário mínimo quanto a vinculação dos gastos em saúde e educação à receita do governo são vistas pelo Fundo como pontos que podem pressionar demasiadamente a trajetória do gasto. A ideia é que haja algum avanço nesse sentido, mas o Fundo reconhece que há muita dificuldade política.

Arcabouço fiscal

O que a diretoria executiva do Fundo entende é que o arcabouço fiscal precisa ser reforçado. O propósito é justamente avançar nas reformas necessárias, contanto que essas reformas sejam bem distribuídas, para canalizar recursos para onde é mais necessário: saúde, educação e infraestrutura social e física. (Colaborou Marcelo Osakabe, de São Paulo)