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Duzentos gramas de carne moída dry aged, maturada por 45 dias, montada com cheddar e melaço de bacon dentro do pão de brioche: esta é a composição do Pony Line, uma das estrelas do cardápio da Holy Burger, considerado o terceiro melhor hambúrguer do mundo pela plataforma sueca Burgerdudes. Preço: R$ 85.
Nascida como uma barraca de quermesse, cujo objetivo era angariar fundos para obras sociais de uma igreja, a casa chefiada por Fih Fernandes é a mais perfeita tradução do movimento que tirou o hambúrguer da categoria dos lanches para matar a fome e elevou o status das hamburguerias. Hoje, elas concorrem com os restaurantes.
Na nova alta hamburgueria, não basta modelar um disco de carne moída e tostá-lo na chapa. Cada chef tem um blend para chamar de seu, criado a partir de cortes escolhidos a dedo. O peito bovino, que entrega 20% de gordura, é um dos favoritos da vez e quase sempre aparece nos menus com seu nome em inglês: brisket.
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Há espaço para extravagâncias. É o caso dos hambúrgueres de wagyu, gado japonês que dá origem aos cortes mais caros do mundo. Mas a gourmetização extrapola a escolha da carne. É imperativo incluir ingredientes nobres produzidos artesanalmente, como queijos autorais, molhos e picles caseiros e iguarias raras, como trufas. Na luta por curtidas em post nas redes sociais, vale apelar para folhas de ouro.
A alta hamburgueria exige ambiente de acordo. No salão de arquitetura industrial do Holy Burger, inspirado em endereços descolados de Nova York, já teve até pedido de casamento, com aliança escondida na sobremesa. “O diferencial está na experiência. Nossa clientela quer uma playlist pensada, curte a camiseta do garçom e pergunta qual é o nosso blend. Quem enfrenta três horas de fila não vem só pelo hambúrguer”, diz Fih Fernandes.
A paixão do brasileiro pelo hambúrguer, comprovada pelos números do iFood, que entrega 475 unidades por minuto em todo o país, fez muito chef de cozinha correr para não ficar de fora. O premiado açougueiro peruano Renzo Garibaldi, que assina os cardápios dos restaurantes Cór, Osso e Incêndio, em São Paulo, todos especializados em carnes, tem um hambúrguer de dry aged em cada menu.
Thomas Troisgros, filho do francês Claude Troisgros, criou uma rede de lanchonetes dedicada ao segmento, T.T. Burger, atualmente com 14 unidades em oito cidades. Érick Jacquin, celebridade entre os jurados do “MasterChef”, também pôs um cheeseburger no menu do restaurante Steak Bife.
Julio Raw, chef da Z Deli, casa paulistana especializada em cozinha judaica, acompanhou o movimento desde o início. Em 2011, quando a casa-mãe já tinha 30 anos, ele decidiu abrir um negócio dedicado a sanduíches de pastrami e rosbife. Os hambúrgueres só vieram seis meses depois, mas acabaram tomando conta. Hoje, com preços entre R$ 48 e R$ 59, são o principal chamariz e razão dos prêmios acumulados pela Z Deli Sandwiches.
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“De cara, entendi que é um produtaço. Tinha gente que parava o carro e comia na rua porque não encontrava lugar. A galera vicia pelo sabor e pela praticidade. Você come algo de qualidade, em um lugar legal, que tem bar, sem gastar tanto”, diz Raw.
À medida que as hamburguerias subiram a régua, formou-se um novo e rentável segmento nos bastidores: frigoríficos especializados em fornecer hambúrgueres de alto padrão, elaborados sob medida. Fundada pelo empresário Marcelo Shimbo, criador da marca 481 Carnes, a Prime Cater mantém uma fábrica em Louveira (SP) 100% dedicada aos hambúrgueres.
A produção, que começou de forma manual, em 2014, hoje passa por equipamentos que custaram R$ 8 milhões. Eles são capazes de remover totalmente os nervos e partículas mais firmes, medir o teor de gordura de forma precisa, para depois moer e modelar a carne sem alterar o sentido das fibras, o que garante que o hambúrguer não encolha ao ser frito.
Entre seus clientes estão as redes Bullguer, Patties, Lanchonete da Cidade e T.T. Burger. No e-commerce da marca, a dupla de hambúrgueres de brisket congelados, com 180 gramas cada um, custa R$ 29,60. Os de picanha chegam a R$ 35,90.
Foram também os hambúrgueres que mudaram o rumo da Beef Boutique, empório de carnes especiais fundado em 2012, na zona oeste paulistana. Em 2017, o empresário Felipe Bueno modelou os primeiros discos de carne moída, a pedido de uma lanchonete vizinha, meio a contragosto.
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“Não queria investir no segmento, porque era uma produção trabalhosa para um tíquete médio baixo. Na época, a clientela não enxergava como um produto nobre”, lembra.
Hoje, a Beef Boutique vende 200 toneladas de hambúrgueres por mês – Holy Burger, Buzina, Pão Com Carne e John’s Burguer são alguns de seus clientes. “Até o fim do ano, devemos chegar a 220 toneladas mensais. A velocidade de crescimento é absurda. Já investi uns R$ 10 milhões em equipamentos e infraestrutura”, contabiliza Bueno.
Para o açougueiro Rogério Betti, proprietário da butique de carnes DeBetti e do restaurante Quintal DeBetti, o custo-benefício dos hambúrgueres gourmet explica sua crescente popularidade. “Por mais caro que seja, ainda é um produto barato e fácil de fazer. Passei a vender kits para o pessoal que faz hamburgadas para os amigos nos fins de semana”, diz.
Em seu e-commerce, o kit com 24 hambúrgueres de 120 gramas mais queijo fatiado e pães custa R$ 364. Por mês, afirma Betti, são vendidos cerca de 20 mil discos de carne moída prontos para fritar.
Um bom hambúrguer é capaz de mudar a história de um empreendimento. Inaugurada em 2019, em São Paulo, a Chimichurri Parrilla nasceu como uma pequena casa de carnes à moda portenha. Nascido no Brasil e criado na Argentina, o proprietário Tom Peñafiel não queria lidar com os discos de carne moída. Cedeu por pressão dos sócios. “Tinha medo de virar uma hamburgueria, justamente o que está acontecendo agora”, diz ele, rindo da situação.
O destino da casa foi redesenhado quando o único hambúrguer do menu, vendido a R$ 45, foi eleito o melhor da cidade pelo perfil @critico.antigourmet. Na opinião do crítico Ian Oliver, famoso e temido por suas opiniões ácidas, o lanche de Peñafiel superou os de 99 concorrentes.
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As redes sociais são um bom termômetro do poder de alcance dos hambúrgueres, mais do que conquistar milhares de seguidores, os influenciadores que se dedicam ao assunto estão virando empreendedores do ramo.
Isso aconteceu com o publicitário Fabrício Schibuola, que criou o perfil @hamburguerperfeito em 2009. No começo, ele afirma, a meta era testar hamburguerias e ganhar alguma relevância para, quem sabe, receber convites para lanchar de graça. Foi bem mais longe. Com 559 mil seguidores no Instagram e 314 mil no YouTube, o perfil virou uma plataforma de cursos presenciais e online para empreendedores, que pagam de R$ 200 a R$ 500 pelo aprendizado.
“Não falo sobre gastronomia. São aulas sobre conceito, mercado, identidade. Toda cidadezinha brasileira tem alguém que faz ou quer fazer hambúrguer, mas essa alta hamburgueria se concentra em algumas capitais. Ainda há muito espaço para melhorias quando a gente sai dos grandes centros”, afirma.
O projeto Burger Tour, criado por cinco nomes importantes da cena da hamburgueira paulistana, também viaja pelo Brasil ensinando os segredos do ofício – Uruguai e República Dominicana já sediaram edições. Fazem parte do time Holy Burger, Pão com Carne, John’s Burguer, Estella Burger e Smart Burger.
Patrocinados por grandes marcas de insumos, como Seara e McCain, os cursos acontecem em arenas especialmente montadas para o evento. Mais de 4 mil alunos já desembolsaram ingressos que custam até R$ 1.300.
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“Por edição, reunimos umas 100 pessoas, mas os cursos de São Paulo duram dois dias e recebem até 800 alunos. Já teve até CEO de McDonald’s na plateia”, diz Fih Fernandes, um dos professores que dividem o palco.
Proprietária da JKPG Eventos, Patricia Galasini também fez um tímido encontro para alunos do Senac, criado em 2018 como comemoração do Dia do Hambúrguer, virar a feira de negócios Burger Expo. A oitava edição acontece no Anhembi, em São Paulo, de 14 a 15 de julho.
A palestra de abertura será dada pelo influenciador Tadeu de Marco, do perfil @canalrango, que vai falar sobre a força das hamburguerias independentes no Brasil. “No ano passado, mil donos de estabelecimentos com CNPJ nos visitaram, fora o público em geral. Neste ano espero chegar a uns 1500 empreendedores”, afirma Galasini. Até o dia 11 de julho, quem tem CNPJ garante entrada franca. Depois disso, a entrada vai custar R$ 350.
O setor não cresce apenas no sentido da alta hamburgueria. Fruto de parceria entre a Z Deli e a rede de restaurantes Ráscal, a Jota Hamburgers abriu sua segunda unidade no começo de junho, em plena avenida Paulista, em São Paulo.
A especialidade é o smash burger, disco fininho de 85 gramas. O cheeseburger simples custa R$ 21,90. Segundo Julio Raw, a meta é chegar a 20 lojas próprias. “Queremos ser o melhor hambúrguer do mercado, custando menos do que o mercado”, afirma.
Algumas febres gastronômicas brasileiras deixaram gosto amargo entre os empreendedores. Aconteceu com quem investiu nas paletas mexicanas e nos frozen yogurts, só para citar algumas mais recentes. Mas Rogério Betti aposta que a história, agora, será outra. “Parece que vivemos uma certa overdose de hamburguerias, mas não será uma moda passageira.”