A Edelman lançou uma pesquisa importante em Cannes: “Confiança na marca: do nós ao eu”. Não é mais mudar o mundo, mas mudar o meu mundo. O consumidor quer que o produto melhore a vida dele. Entregue valor, resolva alguma dor e depois, e só depois, apoie causas e empunhe bandeiras. Escrevi uma coluna aqui nessa linha em fevereiro: “Farinha pouca, meu pirão primeiro”. Ou seja: eu. Vendeu, cresceu, aconteceu. Engraçado que tudo tem eu no final.
A N.ideias, minha empresa de estratégia, é pautada por um princípio fundamental: eu não acho nada. Eu pesquiso. De sete clientes, quatro são pesquisados por Felipe Nunes, da Quaest. Que é bom de pesquisa e bom de interpretação de pesquisa. E sensacional em minerar dados da internet.
Por outro lado, eu oriento a minha vida para não ficar preso na minha bolha e poder encontrar os outros eus, principalmente o eu do consumidor, que quer que o produto resolva uma dor ou um prazer dele.
É engraçado que as perspectivas de uma mesma coisa mudam a partir do que o eu do consumidor quer. Por exemplo, tem gente que compra roupa ou calçado da influencer ou da moça da novela para ser igual. Adora chegar numa festa e ver que está usando a roupa ou o batom que as outras estão usando. Já outras pessoas usam a moda para ser diferentes.
O grande professor de Harvard Clayton Christensen dizia que todo produto tem um “job” (um papel) a cumprir. Ele dava consultoria a uma grande rede de fast food americana e citava um exemplo brilhante: o milkshake que precisava fazer o percurso de 30 minutos dos subúrbios de Nova York até Manhattan pela manhã tinha que ser mais grosso e espesso para durar mais ao longo do percurso desse consumidor. Já o mesmo milkshake, da mesma rede de fast food, tinha que ser mais ralo quando vendido à noite na loja para que as crianças o consumissem mais rapidamente e assim seus pais pudessem ir logo para casa.
Entender a diferença entre o que o consumidor quer e o que ele realmente valoriza no produto ou serviço é o X da questão. Não adianta dar ao cliente um monte de coisa boa que ele não valoriza. Nos últimos dez anos, tivemos um festival de propósitos e causas apresentado pelas marcas aos consumidores como se fossem sua essência, mais até do que os produtos.
O propósito da Harvard Business School é maravilhoso: a “decent profit”. Um lucro decente. Por isso é tão importante ter gente com cabeça de negócios nos clientes e nas agências. Um carro pode ser bom porque é barato. Outro, porque dura e não dá manutenção. Outro, porque é seguro. Outro, por ser discreto; e um outro ainda, por ser exibido.
Outro dia tive o privilégio de escutar o antropólogo Michel Alcoforado: uma aula. Ter ciência à volta do estrategista é fundamental. Quem vive encastelado e dentro de sua bolha só conversa com iguais e lê pesquisa sem entender o que ela não diz. Ou, sem saber interpretar a pesquisa, busca ser bom em tudo – e tudo é nada.
Certa vez, um consultor genial da McKinsey me disse algo que nunca vou esquecer: o desafiante tem que encontrar sua Normandia para desafiar o líder. David tirou a armadura e jogou uma pedra na cabeça do gigante Golias. A Skol se tornou líder de mercado porque, sendo mais leve que outras cervejas, descia redondo. Ela não era para o consumidor de mesa de bar, que bebe sentado. A Skol era para a balada, para dançar, para o show, para o carnaval. Mas aí, de repente, virou uma cerveja de causa. E deixou de ser a cerveja número 1 do Brasil. A Brahma, com sua “brahmosidade”, voltou a ser a número 1. E outro dia vi a Skol voltar ao genial “desce redondo”.
Eu acho que as empresas precisam ter causas, sempre defendi isso. Mas o produto tem que ter um propósito: atender ao desejo de compra do eu do consumidor. Então, a palavra-chave do marketing é o “porquê”. Não existe o melhor produto. O que existe é o melhor produto para aquele consumidor. O melhor para o eu.