A maior taxa de juros em mais de 20 anos, dólar volátil e imprevisível e, para completar a lista de obstáculos, dúvidas sobre as idas e vindas nas alíquotas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF). Não está fácil a vida do pequeno e médio empresário brasileiro que depende do crédito para tocar o negócio.
O acesso às linhas de crédito, do capital de giro ao financiamento para aquisição de bens, está mais restrito e caro. Nesse ambiente adverso, a saída buscada por empreendedores tem sido focar nos produtos e serviços de maior giro, reduzir estoques e renegociar dívidas que ameaçam sufocar a operação.
“O momento exige que a gente esteja o tempo todo de prontidão, controlando bem os níveis de estoque, com atenção especial ao que está saindo e girando mais. E ser cauteloso com novas dívidas porque já temos um cenário de redução do consumo”, afirma o empresário Eduardo Ansarah, diretor do Depósito de Meias Ansarah, loja tradicional na região mais movimentada de comércio popular da capital paulista, e também diretor do Sindicato do Comercio Atacadista de Tecidos e Vestuário do Estado de SP (Sinditecidos).
A economia brasileira até cresce, puxada por um consumo aquecido. O Produto Interno Bruto (PIB) avançou 1,4% no primeiro trimestre, passando a acumular agora expansão de 3,5% em 12 meses. Nesse período de comparação, o consumo das famílias foi até mais forte, com aumento de 4,2%.
Mas esse crescimento da economia tem alimentado inflação. O Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), inflação oficial do país, está acima do teto da meta perseguida pelo Banco Central já há oito meses consecutivos.
Para esfriar o consumo das famílias e conter reajustes de preços, o Banco Central passou a elevar a taxa básica de juros da economia, a chamada Selic, que saltou de 10,5% ao ano para 15% nos últimos 12 meses.
Como a Selic é a principal referência das operações de crédito na economia brasileira, todas as linhas de empréstimos subiram. Um exemplo: a taxa média anual do crédito pessoal pulou de 95,8% para 106% desde junho do ano passado. “Se o crédito fica mais salgado para o cliente, o empresário começa perder vendas”, diz Ansarah.

Moeda americana
O comerciante ou industrial que trabalha com produtos ou matérias primas importadas tem ainda outra fonte de preocupação que atrapalha a decisão de tomar crédito: o dólar instável.
“Além de afetar o apetite a risco das instituições financeiras, a instabilidade encarece o custo de captação dos bancos e, consequentemente, as condições de oferta do crédito”, afirma o diretor de economia, regulação e produtos da Associação Brasileira de Bancos (ABBC), Everton Gonçalves, entidade que representa bancos médios e financeiras.
A situação piorou ainda mais no fim de maio, quando o aumento dos juros foi acelerado após o governo anunciar mudanças no IOF, imposto cobrado em várias operações de crédito.
O governo recuou, uma semana depois, revertendo, por exemplo, o aumento de IOF para empresas do Simples Nacional, de 0,88% para 1,95% em operações superiores a R$ 30 mil, mas a alíquota seguiu mais pesada para outras linhas voltadas para empresas.
“Da noite para o dia foi como se a Selic tivesse aumentado mais de dois pontos porcentuais”, conta o presidente da fintech Nexxos, Daniel Gomes, também presidente da Associação Brasileira do Crédito Digital (ABCD).
Números do Banco Central mostram como esses fatores já reduziram e encareceram o crédito para as empresas no país. Na média, a taxa anual de juros nas operações de crédito livre às empresas subiu de 21,3% para 26% desde abril do ano passado. No capital de giro, o custo passou de 20,2% para 23,7% ao ano. Em algumas linhas, o aumento foi mais forte, como na conta garantida, cuja taxa anual saltou de 55,9% para 78,9%.
A desaceleração do crédito para as empresas também é monitorada entre os grandes bancos. Segundo o diretor de economia, regulação prudencial e riscos da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Rubens Sardenberg, esse movimento é mais percebido no crédito livre, como capital de giro e antecipação de recebíveis. Sardenberg destaca que grandes companhias conseguem buscar recursos no mercado de capitais, emitindo debêntures ou notas, por exemplo, mas que essa alternativa ainda é menos acessível para as pequenas empresas.
Necessidade
Crédito mais caro e escasso ameaça muitos pequenos e médios negócios porque é essencial para o funcionamento da operação, destaca o presidente do Sindicato da Micro e Pequena Indústria do Estado de São Paulo (Simpi), Joseph Couri. “Apenas 8% das micro e pequenas indústrias conseguem funcionar sem recorrer ao sistema financeiro. Ou seja, 92% dependem de capital de giro ou da antecipação de recursos para funcionar.”
A escassez de crédito já é percebida também no comércio, afirma Jorge Dib, diretor da União dos Lojistas da 25 de Março e Adjacências (Univinco), centro comercial popular em São Paulo com quase 4 mil estabelecimentos comerciais em região de 17 ruas que recebem cerca de 200 mil pessoas diariamente.
Segundo o empresário, também diretor e sócio da São Jorge Depósito de Meias, o crédito mais caro representa um aumento de custo que tenderia a ser repassado ao cliente. O problema, diz Dib, é que os juros altos também diminuem o poder de compra do consumidor, impedindo assim que o comerciante consiga recompor sua margem de lucro. “Quem tem negócio voltado para o consumidor de maior poder aquisitivo até consegue repassar custos, mas quem atende a classe média ou o público mais popular não têm espaço para reajustar preços”, afirma Dib.