Veículo: Valor Econômico
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Data: 26/06/2025

Editoria: Shopping Pátio Higienópolis
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Entenda por que economistas não descartam grave crise fiscal no país a partir de 2027

Cortar gastos e fazer mudanças estruturais é o caminho necessário para o maior equilíbrio fiscal. O ajuste pelo lado das receitas esbarra na rejeição ao aumento de carga tributária, como mostra o debate em torno do IOF. Para alguns, há uma janela de oportunidade para mudanças no início do próximo mandato presidencial que, se for desperdiçada, irá levar o país a “grave crise fiscal”. Entre as preocupações estão a mudança na relação entre Executivo e Congresso e a polarização partidária.

As questões foram discutidas em debate promovido nesta quarta-feira, 25, pela Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima).

Para o economista e filósofo Eduardo Giannetti da Fonseca, o Brasil “não está hoje à beira de um precipício fiscal”. Haverá, diz, uma janela de oportunidade para mudar o quadro atual no início do próximo mandato presidencial, quando o capital político do governo estará alto e a relação de forças entre Executivo e Legislativo deve favorecer o Executivo.  Caso a oportunidade seja desperdiçada, diz, o país deve caminhar para “uma grave crise fiscal” no meio do próximo mandato.

Para Giannetti, a questão fiscal brasileira é um problema de Estado que atravessou governos de diferentes orientações ideológicas e partidárias. “É um problema que nos acompanha cronicamente.”

O déficit primário estrutural do governo central mostra que não estamos conseguindo financiar todas as despesas, diz Ana Paula Vescovi, economista-chefe do Santander. Para ela, não é possível manter despesas que crescem entre 3,5% a 4% ao ano se a economia não cresce de forma sustentada nesse ritmo. O caminho, diz, é reduzir a taxa de crescimento da despesa para abaixo de 2% ao ano. É preciso também, diz, buscar um nível mais baixo de dívida pública para construir uma sociedade que possa ter custo de capital mais baixo. “É preciso virar o jogo e esse jogo só tem o lado do controle de despesas.”

Carlos Kawall, sócio da Oriz Partners, compara a trajetória fiscal do país nos últimos 30 anos com um carro no qual a opção é pisar até o fundo no acelerador dos gastos. Quando a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) surgiu, diz, o ajuste das contas públicas se fez pelo lado da receita, com aumento da carga tributária. “A receita e os gastos subiam e a conta fechava.” Quando a receita parou de crescer, lembra, veio a necessidade de ajuste pelo lado da despesa. Houve a regra fiscal do teto de gastos que conflitou com regras para ajustes de benefícios que datam de um período de inflação elevada.

Hoje o governo, avalia, optou por um arcabouço que nem é uma coisa nem outra. A velocidade de crescimento dos gastos públicos pós-2023, diz Kawall, está maior que a anterior ao teto de gastos. “Não adianta mais criar regra fiscal se não formos na origem do problema.” E já se atingiu o limite da sociedade para aumentar a carga tributária, como mostra a discussão recente em torno do IOF.

A carga tributária atual brasileira, ressalta Giannetti, equivale a 33% a 34% do PIB. Isso significa, diz, que um terço do trabalho da sociedade é arrecadado em impostos.

“É uma carga elevada para um país de renda média, como o Brasil. Poderia ser justificada se o Estado entregasse os bens públicos”, diz..

Não adianta mais criar regra fiscal se não formos na origem do problema”
— Carlos Kawall

Há duas contas de gastos, aponta Giannetti, que juntas representam 20% dos gastos: Previdência e pagamento de juros. É preciso, diz, alterar o rumo desses gastos “extravagantemente altos”.

“Não existe bala de prata nem saída fácil”. diz Vescovi. No âmbito das políticas públicas, para melhora na aplicação de recursos, ela destaca que há municípios que conseguiram fazer política educacional efetiva, com custo baixo. Há exemplos nesse sentido, diz, também em saúde e outros setores de políticas públicas. “O Brasil precisa aprender com ele próprio.”

Para Vescovi, não falta pauta clara do que se precisa fazer. “Falta mobilizar a sociedade para entender o tema e conseguir aprovar mudanças estruturais.”

Giannetti diz que hoje o dinheiro público “está gasto antes de ser arrecadado”, porque 93% da despesa pública não é discricionária. Houve mudança na relação entre Executivo e Legislativo, aponta. O Congresso, diz, em boa parte graças às emendas parlamentares, tem poder de definir gastos.

“Temos que repensar isso e tornar ao Executivo a prerrogativa de estabelecer prioridades para gastos discricionários.” Além disso, diz, integram a “agenda fundamental” do início do próximo mandato alterações em regras de indexação de benefícios sociais ao salário mínimo, dos mínimos constitucionais à saúde e educação e dos gastos tributários, que representam de 6% a 7% do PIB e custam uma “exorbitância”. Entre os gastos, ele cita a Zona Franca de Manaus.

Kawall cita a polarização política e seus efeitos fiscais. Hoje, diz, não há mais a correlação clássica entre desaprovação do governo e taxa de desemprego “A lógica não vale mais. Estamos nas menores taxas de desemprego da série histórica e a aprovação do governo está em queda. A postura do governo é tentar criar piso para a taxa de desaprovação por meio de estímulos fiscais. É um grande problema.”

Desde 2021, quando o país saiu do período mais agudo da pandemia, os governos não pararam de aprovar emendas e mudanças de regras para o expansionismo fiscal. A janela de oportunidade para mudanças estruturais, avalia, só acontecerá depois da eleição presidencial em 2026. Há, diz, polarização e ainda há dúvidas se haverá condições políticas para se fazer as mudanças estruturais, mesmo que haja cada vez maior conscientização sobre o aumento de despesas.