Três anos após a união de Aliansce Sonae e brMalls, a Allos segue o maior grupo de shoppings do país e crescendo, apesar de “menos do que poderia”, pontua Rafael Sales, CEO da companhia. “Se a gente tivesse um cenário menos volátil de juros e expectativas, certamente poderia lançar mais expansões”, diz o executivo, em entrevista ao GLOBO.
No primeiro trimestre deste ano, o lucro da Allos foi de R$ 242,1 milhões, quatro vezes o do mesmo período de 2024. Mas 2025, para ele, será um ano de resiliência.
Dona de 55 shoppings, como Leblon (RJ) e Villa-Lobos (SP), a companhia ajustou a carteira e fez R$ 2,5 bilhões em desinvestimentos em dois anos. Desde a fusão com a brMalls, ampliou de dez para 16 a parcela de centros comerciais com vendas superiores a R$ 1 bilhão por ano.
A operação cresce com diversificação de negócios, como a Karg, de recarga de veículos elétricos em empreendimentos do grupo, e a Helloo, braço de mídia digital em shoppings e elevadores residenciais que já responde por 6% da receita da Allos e acaba de levar a conta de espaços de mídia publicitária nos 17 aeroportos da Aena no país, ao lado da Neooh, com proposta de R$ 15,8 milhões.
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Mesmo diante de tantos números superlativos, Sales fala com entusiasmo de um projeto sem tantos zeros: criar um protocolo próprio de acessibilidade para a Allos. Em 2018, um acidente num treinamento de jiu-jítsu o deixou tetraplégico. A cadeira de rodas não desviou sua trajetória profissional, mas alterou sua perspectiva sobre inclusão.
Como os juros afetam o varejo?
O marcador de risco e preço num país é a taxa e juros. E não é a que o Banco Central que decide. É a que o mercado está negociando para daqui a dez anos. E é essa a tomada de decisão das pessoas, de um empresário pequeno, porque ele tem que ir no banco pedir o crédito. A gente tem hoje um cenário de contração de crédito para o empresário, principalmente para o pequeno e o médio que mexem o Brasil. Essa incerteza atrapalha um pouco os negócios.
E a Allos?
Neste ano, expansões e vendas continuam indo muito bem, crescendo. Só estamos mais cautelosos com o crescimento, de fazer novas expansões. A ocupação dos shoppings continua muito positiva, e a inadimplência está mais baixa. Mas temos um receio sobre o crescimento, sobre botar mais capital neste momento. Então a gente tem feito expansões menores do que poderia.
Lançamos três (Campo Grande e Tijuca, no Rio, e Maceió), que estão super bem. Mas, se a gente tivesse um cenário menos volátil de juros e expectativas, certamente poderia lançar mais expansões. Seriam mais obras, mais empregos, mais oportunidades de negócios para lojistas e de tornar a jornada do consumidor mais interessante.
A expansão do Shopping Leblon foi um sucesso, a revitalização do Villa Lobos também. Nessa linha de alto padrão, estão respondendo muito rapidamente. E os shoppings de classe média, dependendo do mercado, também, porque há mercados que têm um vento nas costas, como o Centro-Oeste, que continua crescendo.
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Temos exposição grande ao agronegócio. Nossos lojistas estão com boas vendas em geral, suportados por um nível de desemprego baixo. Esse é o cenário positivo geral. Ele não é de muito crescimento. O nome do jogo este ano é resiliência e ganho de eficiência.
Há mudanças na operação?
O shopping do futuro é a continuação do que a gente viu após a pandemia. Não é nem físico nem digital. É “fígital” (junção das palavras físico e digital). Tem que estar disponível nas plataformas e para os clientes entenderem a jornada de uma forma eficiente, sem exagerar no custo dessas operações. E temos a missão de ajudar os lojistas a participar desse mundo “fígital”.
Antes, um shopping fazia eventos. Hoje, todo mundo faz. Mas quando a gente, por exemplo, em Salvador, colocou o primeiro centro médico em um shopping nosso, imaginava que ia ser legal, mas não que ia criar um fluxo recorrente e um aumento de frequência tão relevante.
Hoje a gente replica essa ideia em diversos lugares. Tem coisas que são físicas. Há a jornada de ajudar o lojista a entender que, quando a pessoa vai ao shopping, ela pode receber informações, estímulos, além da passagem na vitrine, por meio de promoções nos aplicativos, comunicações nas telas que estão nos shoppings, nas redes sociais do shopping, que estão conectados com os clientes.
Os adolescentes só buscam informações em redes sociais.
A gente tem que estar lá. E tem que estar no app, mas aí tenho que ter um interesse. Então, tenho um programa de relacionamento com premiações, oportunidades de desconto, orientação sobre as coisas que o cliente quer, precisa. Quem se engaja no programa de fidelidade vai 20% mais vezes ao shopping que antes. São 630 marcas dando prêmio ou fazendo anúncios ou promoções.
E por isso temos informações sobre os clientes, porque temos que saber como trabalhar. Isso nos ajuda a decidir se vou levar mais restaurantes para o Shopping Tijuca ou se já está bom e agora vou com uma academia nova. Estamos construindo uma área de gastronomia que chama Taste Lab lá, um mercado gastronômico.
E os novos negócios, como recarga de carros elétricos?
A gente compra energia no atacado e vende com um preço descontado do que você gastaria na sua casa para carregar seu carro. É bom para o consumidor e para a gente. Estamos testando em shoppings de perfis diferentes. Já são 200 vagas em 13 shoppings. Em seis meses, vamos avaliar melhor. E aí gente vai botar isso dentro dos nossos aplicativos, ano que vem.
Temos ainda a Helloo, de media out of home e de mídia de varejo, tanto com anúncio de grandes anunciantes nacionais ou regionais quanto ajudando o lojista a anunciar nas telas dentro do shopping ou nas dos prédios clientes. São 6 mil prédios residenciais e 113 shoppings.
Há planos de novos shoppings?
A gente é muito focado em estar nos shoppings que são os principais destinos dos nossos consumidores nos mercados em que nós estamos. Já fez os desinvestimentos que gostaria, e avalia tanto desinvestimentos quanto investimentos. No caso dos investimentos, hoje o cenário de valuation é difícil.
O preço dos ativos no mercado privado está mais alto do que no mercado público. Significa que as ações estão mais baratas do que os ativos de shoppings. Fica difícil justificar fazer aquisições pagando um prêmio.
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Seu acidente mudou a sua perspectiva sobre acessibilidade?
Mudou a minha perspectiva e avaliação do que é acessível. Eu achava que cumprir a regra, muitas vezes, era o suficiente para ser acessível, como ter uma rampa. Mas a angulação dessa rampa pode ser perigosíssima ou até intransponível. Aprendi que só a regra não é o suficiente. Nosso time de operações está desenvolvendo o protocolo Allos de acessibilidade geral. É um desafio muito grande.
A gente quer até 2030 atingir um índice que a gente está se propondo a criar com uma entidade renomada, que não posso divulgar ainda porque não assinamos a parceria. Só que é uma evolução. A ideia é que não só os shoppings mas as lojas também sejam acessíveis. Eu, como usuário dessa demanda, tenho consciência de que a gente não vai conseguir, por uma canetada, transformar os ambientes, seja por causa do custo, seja por causa do do hábito. É um processo longo de conscientização, de fazer as pessoas entenderem que tem um valor para companhia.
O Brasil está envelhecendo, os idosos também têm que ter um ambiente seguro, acessível, amigável. Diversidade não é só importante porque é o justo. Diversidade e inclusão são importantes também para os negócios, porque faz com que a gente compreenda melhor o grupo de pessoas que frequentam os nossos shoppings, que trabalha nas nossas empresas.
É respeitar mais as mulheres, negros, as pessoas mais vulneráveis, que muitas vezes são maioria, mas podem ter dificuldade de se sentirem parte daquele ambiente. No shopping, principalmente, os negros. Na Allos, temos um programa de desenvolvimento de talentos de pessoas negras, pardas, para cargos de liderança. Hoje, 46% da liderança são mulheres. Entre gerentes, mais de 48% são mulheres.
Esse protocolo envolverá os lojistas?
A ideia é que não só o shopping seja acessível, mas as lojas também. Só que é uma evolução. Eu, como usuário dessa demanda, tenho consciência de que a gente não vai conseguir, por uma canetada, transformar os ambientes, seja por causa do custo, seja por causa do costume.
É um processo longo de conscientização, de desenvolvimento, de fazer as pessoas entenderem que tem um valor para a companhia, que vai criar um ambiente muito mais frutífero para que as pessoas circulem ainda mais pelos nossos shoppings.