Mensurar a pobreza com base no tamanho do PIB ou no PIB per capita é insuficiente e não leva em conta se habitantes de um determinado país conseguem ter uma vida decente. Com o objetivo de preencher essa lacuna, o McKinsey Global Institute propõe uma nova régua para medir o que chamam de inclusão econômica: a linha de empoderamento, que leva em conta o custo real de um patamar digno de comida, moradia, transporte, saúde e educação. Mais que medir se uma pessoa é pobre ou não, a ideia é apontar quem, de fato, consegue viver com autonomia.
A “linha de empoderamento” é calculada pela consultoria como medida de um mundo onde as necessidades essenciais são atendidas. Ele mostra que cerca de 40% da população global vivem acima da linha de empoderamento, ou seja, podem pagar por uma cesta básica de bens e serviços essenciais e ainda conseguir poupar um pouco. Os 60% restantes vivem abaixo dessa linha, principalmente em economias de média e baixa renda.
Essa fatia corresponde a 4,7 bilhões dos 8 bilhões que compõem a população mundial. Desse total, 4,3 bilhões estão em economias de média e baixa renda e representam 95% da população abaixo da linha de empoderamento.
“Criamos essa linha para ter um número de referência, que em diversos países é o gasto diário das necessidades de uma pessoa, sobrando ainda uma provisãozinha para emergências”, afirma Heloísa Callegaro, sócia sênior de Latam da McKinsey no Brasil. “Mas a maior parte desse valor é gasta em coisas básicas, como transporte, educação, saúde, alimentação e moradia.
As companhias podem alinhar seus modelos de negócio ao impacto social”
— Michael França
Ela explica que o indicador foi criado para dar uma ideia mais acurada do que métricas mais utilizadas, como a linha da pobreza, que fala em US$ 2,15 diários para uma pessoa sobreviver.
“Mas isso é para sobreviver, e não ter uma vida na qual se consiga pagar transporte, moradia, educação, comida”, acrescenta.
Os valores estabelecidos pela linha de empoderamento variam de país para país. Em termos nominais, o empoderamento econômico no Egito, Índia ou Indonésia é de US$ 4 a US$ 5 por pessoa por dia, por exemplo. No Brasil, China, México ou África do Sul, os valores vão de US$ 8 a US$ 13 por dia. Na Austrália, Itália ou Japão, de US$ 20 a US$ 40 por dia. E nos EUA e na Suíça, o empoderamento exige US$ 55 a US$ 70 diários por pessoa.
No Brasil cerca de 120 milhões de pessoas, perto de 57% da população, estão abaixo da linha de empoderamento. Nos EUA esse número é de 70 milhões. Na Índia, 1 bilhão está nessa condição, enquanto na China são 640 milhões. Na Europa, países de alta renda como França, Alemanha, Itália e Reino Unido têm entre 9 e 15 milhões de pessoas vivendo abaixo da linha de empoderamento.
Além de calcular o valor diário necessário para o empoderamento econômico, o estudo alerta que cada país apresenta entraves significativos para se alcançar o nível de empoderamento mínimo.
Enquanto na maioria das economias de renda média os custos com alimentação representam a maior parcela da cesta de empoderamento – 46% das despesas totais no caso da China e uma média de 31% dentre as economias de renda média -, no caso do Brasil, o maior obstáculo é o transporte público, que consome 24% da cesta de consumo essencial, ante 12% na China e 13% na América do Sul.
Em países de renda alta como a Alemanha, por sua vez, os custos com moradia são o maior obstáculo e representam 48% da cesta de empoderamento, acima de pares como EUA (24%) e Japão (20%).
“A linha de empoderamento proposta pelo McKinsey Global Institute representa uma forma interessante de procurar mensurar inclusão econômica, pois procura ampliar o foco da simples sobrevivência para a capacidade de viver com dignidade e autonomia. Ao considerar o custo efetivo de acesso a bens e serviços essenciais, o indicador procura oferecer uma régua mais realista para avaliar o bem-estar”, afirma Michael França, coordenador do Núcleo de Estudos Raciais do Insper.
“Isso é particularmente relevante em países como o Brasil, onde milhões já superaram a pobreza extrema, mas continuam presos a condições de vida precárias. A proposta da métrica é identificar com mais precisão quem de fato está incluído na economia e quem apenas sobrevive à margem dela, o que pode fornecer subsídios para políticas públicas mais ambiciosas”.
Caminhos
No estudo, a McKinsey aponta dois caminhos para se chegar ao empoderamento: rendas e custos. O primeiro seria aumentar a renda disponível para que as pessoas possam gastar mais em bens e serviços essenciais. O segundo, reduzir o custo dos bens essenciais para aumentar o poder de compra das famílias.
Mas pontua, contudo, que há diversas iniciativas do setor público e do setor privado que podem influenciar o empoderamento econômico.
“O setor privado é fundamental para alcançar o empoderamento e oferece uma ampla gama de opções. Como empregadoras da maior parte da força de trabalho global, as empresas têm um papel natural no empoderamento de funcionários, clientes, fornecedores e comunidades”, diz o texto, ao pontuar assistência médica subsidiada para funcionários e doações para bancos de alimentos, que tornem itens essenciais mais acessíveis, além de programas de treinamento para aumentar o potencial de geração de renda.
A McKinsey examinou iniciativas de cem empresas globais de grande porte. “Estimamos que o setor privado dos EUA contribui com aproximadamente US$ 4 trilhões anualmente para empoderar funcionários, fornecedores e comunidades. Esse valor inclui US$ 3,9 trilhões alocados à renda de todos os 137 milhões de funcionários do setor privado”, afirma.
“Cada empresa vai ter de avaliar as condições particulares de onde opera, as particularidades do país onde está, do contexto dos stakeholders com que se relaciona e das capacidades que tem”, diz Callegaro, ao pontuar que uma diretriz que sai da matriz poderá sofrer adaptações nos países onde estão as subsidiárias.
França afirma que o setor privado tem um papel relevante ao adotar práticas que ampliem a inclusão econômica, como pagar salários justos, qualificar trabalhadores, desenvolver cadeias produtivas mais inclusivas e investir em regiões negligenciadas.
“As companhias podem alinhar seus modelos de negócio ao impacto social, entendendo que lucratividade e equidade não são objetivos antagônicos”, argumenta.
“O setor público, por outro lado, precisa ir além das políticas de alívio imediato da pobreza e investir em infraestrutura social de longo prazo. É importante ter um foco em educação básica de qualidade, transporte acessível, moradia digna e saúde preventiva.”
Callegaro afirma que aumentar o PIB per capita é um passo necessário para emancipar pessoas acima da linha de empoderamento, mas insuficiente.
“O crescimento do PIB é um indicador útil, mas notoriamente míope quando se trata de capturar o grau de inclusão econômica de uma sociedade”, afirma França, na mesma linha.