Estudo divulgado nesta terça-feira, 20, apresenta as diferenças de tratamento que pessoas negras, pardas e brancas sofrem no dia a dia — além de como, e com qual frequência, notam a discriminação.
O levantamento aponta, por exemplo, que 84% dos participantes negros afirmam sofrer algum tipo de rejeição – como ser tratado com menos respeito ou menos gentileza que outros – por conta da cor da pele.
Na população branca, foi mais frequente a experiência de discriminação por idade, gênero, altura e peso (tanto relacionados ao sobrepeso quanto à magreza).

A pesquisa foi desenvolvida pela Vital Strategies, organização global voltada para a saúde pública, e pela Umane, entidade independente que apoia projetos voltados para o Sistema Único de Saúde (SUS).
A iniciativa faz parte do programa Mais Dados Mais Saúde, que busca levantar dados para melhorar a tomada de decisão sobre saúde na gestão pública.
Para isso, as organizações têm ainda o apoio técnico da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) e cdo Instituto Devive. Neste inquérito, os pesquisadores também tiveram ajuda institucional do Ministério da Igualdade Racial.
Resultados da pesquisa
Para apuração, os autores aplicaram um questionário online, feito com base na Escala de Discriminação Cotidiana, e respondido por 2.458 pessoas de agosto a setembro de 2024.
Os responsáveis pelo estudo esclarecem que, como a investigação é baseada em uma amostra da população, pesos foram criados a partir dos dados coletados pelo Censo 2022, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), e da Pesquisa Nacional de Saúde 2019.
Foram 10 situações apresentadas aos participantes, como: “recebo atendimento pior que outras pessoas em restaurantes e lojas”, “agem como se tivessem medo de mim”, “agem como se fossem melhores”, entre outras.
Para cada uma das experiências de discriminação listadas, o entrevistado deveria marcar a frequência com que vive cada situação: nunca, raramente, frequentemente e sempre.
As pessoas que se autodeclaram pretas foram as que mais sentiram a discriminação no cotidiano. Mais da metade desta população (51,2%) afirmaram que se sentem tratadas “sempre” ou “frequentemente” com menos gentileza em relação a outras pessoas, enquanto 57% dizem serem atendida de forma pior em lojas e restaurantes quando comparada com outros clientes.
Os responsáveis pelo estudo destacam as diferenças apresentadas nas respostas de acordo com o grupo racial. Para as mesmas situações citadas, por exemplo, 13,9% da população branca respondeu que, sempre ou frequentemente, sente-se tratada com menos gentileza, e 7,7% diz que percebe ser atendida de forma pior que os demais.
Para 28,3% dos negros e para 29,1% dos pardos, as pessoas tendem a agir como se eles não fossem inteligentes, conforme as respostas dadas. Enquanto que, para os brancos, esse tipo de situação acontece para 14,4% dos participantes, também segundo os relatos.
Pretos e pardos também costumam sentir como se as pessoas “agissem com medo” deles. Para os pretos, a experiência apareceu em 16,8% das respostas; para os pardos, 20,2% e, para os brancos, 5,1%.
Sobre o fato de outras pessoas os acharem desonestos, 16,6% dos pretos responderam de forma positiva que sempre ou frequentemente passam por essa situação, assim como 20,2% dos pardos. Essa experiência foi presente em 5,9% das respostas dos participantes brancos.
Os pesquisadores também destacaram outro dado que evidencia a discrepância de tratamento conforme a raça e a cor da pele do entrevistado.


Dos participantes da população preta, 21,3% responderam que, “sempre” ou “frequentemente”, já foram seguidos dentro de lojas. Entre os brancos, casos do tipo acontecem para 8,3% desse público, diz o estudo.
Janaína Calu, consultora em equidade racial e saúde da Vital Strategies, explica que a aplicação da escala, a primeira em esfera nacional, tem por objetivo não apenas gerar evidências da discriminação sofrida diariamente, como também “informar ações de combate à sua ocorrência e de mitigação dos efeitos negativos na vida das pessoas negras, grupo mais afetado”.
De acordo com ela, situações em que as pessoas se sentem discriminadas leva a estresse psicossocial que afeta de forma negativa a saúde de diferentes grupos raciais e étnicos, tanto mental como fisicamente.
Ela entende que a alta percepção de discriminação da pessoa preta não é um problema de “solução simples”, mas que é possível pensar em medidas para combater essas formas desiguais de tratamento.
“Levar para o espaço público o debate sobre o racismo e seus caminhos na produção das desigualdades observadas é o primeiro passo”, afirma a consultora da Vital Strategies.
Janaína cita também que as cotas raciais no ensino superior e no mercado de trabalho são ações afirmativas que, na sua avaliação, também têm poder de reduzir a discriminação.
“São exemplos concretos de medidas que buscam corrigir desigualdades históricas e ampliar o acesso a oportunidades para esses grupos que são – também historicamente – marginalizados”, diz.
Motivos para serem discriminados
Os motivos pelos quais as vítimas acreditam que são alvos de discriminação também foram abordadas no estudo. Para 84% da população preta, as rejeições e tratamentos diferentes sofridos acontecem por conta da raça – essa resposta apareceu para 10,8% no caso de pardos e para 8,3% dos brancos.
Conforme a pesquisa, as mulheres pretas formam o grupo que mais reportou duas ou mais razões (72%) para suas experiências de discriminação, seguidas pelos homens pretos (62,1%) e pardos (56%).
“É fundamental que também seja considerado o fato de que os indivíduos frequentemente ocupam mais de uma posição socialmente desfavorecida e que essas podem interagir para moldar suas experiências”, diz Janaína Calu.
Outras razões para a experiência de discriminação foram apresentadas no estudo, como idade, religião, peso e orientação sexual – eram 11, ao todo. Os participantes poderiam escolher mais de uma alternativa para responder.
Para os pardos, os principais motivos de terem sofrido discriminação foram a “aparência” (45,8% das respostas) e a “educação ou renda” (41,8%).
Para os brancos, as respostas foram mais difusas. Nos resultados do levantamento, educação ou renda foi a mais recorrente das respostas (54% dos participantes), mas a idade (29,2%), gênero (25,7%) e o peso (16,7%) também foram mencionados como razões para sofrerem discriminação.