Veículo: Valor Econômico
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Data: 20/05/2025

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Geração ‘prateada’ deve responder por 35% do consumo em 2044

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O retrato de um envelhecimento da população mais rápido que o estimado anteriormente – visível graças ao Censo Demográfico 2022 – renovou as atenções para a economia prateada e seu potencial. Esse é um conceito que faz alusão aos cabelos grisalhos, característica ligada à população mais velha. Existem diferentes critérios para se chegar a esse perfil: há quem considere a população de 50 anos ou mais, enquanto outros colocam o piso como 60 ou 65 anos. Agora, um estudo detalhado da empresa de pesquisa, tendência e inovação Data8, especializada no mercado de longevidade, coloca em números a dimensão que esse segmento pode alcançar.

Os brasileiros acima de 50 anos devem ampliar sua participação no consumo das famílias de 24% em 2024 para 35% em 2044. Em valores absolutos, esse número passará de R$ 1,8 trilhão para R$ 3,8 trilhões em igual período de comparação, em preços de 2024, mostra o trabalho “Mercado prateado: consumo dos brasileiros 50+ & projeções”, antecipado com exclusividade ao Valor.

“Muito se fala sobre o potencial do mercado prateado no Brasil, mas até agora não tínhamos o número mágico. Os dados permitem entender o tamanho desse mercado e uma visão do impacto na economia”, diz Lívia Hollerbach, consultora do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) para o tema na América Latina e uma das coordenadoras da pesquisa.

Estudiosos destacam a importância de se medir a dimensão da economia prateada. A questão, dizem, foi incluída nos debates político, econômico e empresarial nos últimos anos, mas segue com visões distorcidas e sem a proporção devida. A população de 50 anos ou mais ganha espaço no consumo e nas despesas, mas é também é provedora das famílias.

Essa característica se reforça em contexto de mercado de trabalho marcado por precarização, a despeito do avanço do setor formal. Outro aspecto ainda pouco discutido, dizem especialistas, é a diversidade dos 50+. As diferentes faixas etárias desse público têm características e perfis diversos, que devem ser levados em conta por políticas públicas e estratégias de negócios do setor privado.

“Crianças consomem menos que adultos e idosos. A renda das pessoas cresce com educação, que tende a avançar com a idade. E o retorno dessa formação vai avançando com o tempo, tende a vir depois dos 50 anos. A mudança demográfica muda também o consumo”, afirma o demógrafo e professor aposentado da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence), José Eustáquio Diniz Alves.

Pelos dados da Organização das Nações Unidas (ONU), a população brasileira acima dos 50 anos saltou de 9,1% em 1950 para 15,1% em 2000 e já era de 27,9% em 2024. As projeções são de que o grupo represente 43,2% da população em 2050 e ultrapasse os 50% em 2078.

“Temos cada vez mais idosos na população, mas eles continuam sendo vistos principalmente pelo lado das despesas. Só que temos mais e mais famílias que dependem da renda dos idosos para compor o orçamento familiar”, diz a professora da ESPM Gisela Castro, ao citar o conceito de idoso provedor, difundido pela pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Ana Amélia Camarano. “Os idosos consomem não só para eles próprios, mas contribuem muito para o orçamento, uma coisa que o mercado vê pouco”, completa Castro.

Neste novo contexto demográfico, Hollerbach, uma das coordenadoras da pesquisa, defende a visão da população de 50+ e 60+ como “sujeitos ativos da economia” e “pilares financeiros das famílias”. O estudo da Data8 traz estimativas do tamanho do mercado prateado e também detalha a parcela de produtos e serviços de diferentes grupos de despesas no orçamento doméstico, de acordo as diversas faixas etárias do grupo de 50+, além de recortes por grandes regiões e por classes de renda.

Se entre prateados mais jovens (50 a 54 anos) a assistência à saúde representa 11% dos gastos mensais, a parcela avança para 21% entre os 80+. A habitação também é despesa que aumenta com a evolução das faixas: 26% no primeiro grupo (50-54) e 30% (75-79) e 29% (80+).

O transporte responde, por sua vez, por 18% do orçamento no primeiro grupo, fatia que cai para 10% no segundo grupo. A parcela gasta em vestuário também recua – de 6% no grupo de 50 a 54 anos para 4% naquele de 80 anos ou mais. A participação de recreação e cultura no orçamento cai de 2% para 1%, na comparação entre as duas faixas etárias. “Existe potencial produtivo do idoso, que deve ser aproveitado. Mas, a partir dos 80 anos, pesa a questão da saúde. É uma fase com maior incidência de doenças, que exige mais cuidados e modifica a estrutura de consumo dos idosos”, nota Alves.

Mesmo entre quem não tem doenças, os gastos com saúde aumentam a partir dos 50 anos, mas isso se acentua na chamada quarta idade ou velhice profunda, diz Castro, da ESPM, ao se referir aos idosos com mais de 85 anos.

A saúde é o setor com maior potencial de mudanças, avalia o professor de Marketing da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV Eaesp) Benjamin Rosenthal. Na saúde, a chance de expansão de negócios vai além de tratamentos médicos e passa por transformações no estilo de vida: “O impacto passa por diferentes indústrias, desde academias, inclui alimentação, redução de consumo de processados e bebidas alcóolicas, com menos quantidade e mais qualidade”, diz Rosenthal.

No caso de vestuário e recreação e cultura, a parcela maior no orçamento entre os mais jovens dos 50+ está ligada a uma vida mais ativa e ao maior envolvimento no mercado de trabalho. “Esse perfil puxa esse tipo de gasto”, diz Castro.

O trabalho também projeta a demanda para setores da economia brasileira em dez anos para a população como um todo, sob influência de maior presença de pessoas mais velhas: saúde ganha espaço no orçamento, enquanto educação e recreação e cultura perdem. A estimativa é que a assistência à saúde amplie a fatia no orçamento de 9,55% em 2024 para 10,01% em 2034. A educação recua de 1,51% para 1,45%, respectivamente.

Apesar das variações aparentemente pequenas, explica o economista Pedro Hércules, responsável técnico pelo trabalho, os números apontam as tendências para os próximos anos e permitem avaliar o impacto do envelhecimento da população na economia.

Neste estudo, a Data8 usou a mesma metodologia aplicada em trabalho feito em parceria com o BID para Argentina, Uruguai, Paraguai e Chile. No Brasil, a base para a estrutura dos gastos é a Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Os dados da pesquisa, diz José Eustáquio Diniz Alves, permitem dimensionar a necessidade e a importância de cada setor para políticas públicas e para iniciativas e negócios do setor privado.

“O governo sozinho não consegue lidar com o desafio da longevidade. A ideia é que a pesquisa ajude a gerar mobilização entre diversos atores, como governos, empresas e empreendedores. É preciso enfrentar os desafios, mas também aproveitar as oportunidades. A ideia é que se possa alavancar esse ecossistema prateado”, defende Lívia Hollerbach.