Veículo: Valor Econômico
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Data: 19/05/2025

Editoria: Shopping Pátio Higienópolis
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Só 3% dos brasileiros têm relação forte com alguma marca

O que aconteceu com a força das marcas no Brasil nos últimos 25 anos? Essa é a pergunta que orientou um estudo realizado pela Troiano Branding. A consultoria comparou duas pontas de um intervalo de um quarto de século para entender como evoluiu – ou regrediu – o envolvimento dos brasileiros com marcas de consumo e serviços. A resposta indicou um cenário mais instável e desafiador: queda na lealdade, aumento no desconhecimento, um mercado com muito mais opções e um consumidor disperso, com dificuldade de prestar atenção no que lhe é mostrado.

Segundo o levantamento, o índice de idealização, que representa o nível máximo de lealdade – ou seja, quando uma mesma marca é quase sempre escolhida dentro de sua categoria – caiu de 8% para 3% no período. Já o nível de desconhecimento, que indica a proporção de consumidores que não conhecem determinada marca, subiu de 24% para 36%. A pesquisa foi realizada a pedido do Valor, em celebração aos 25 anos do jornal.

“Hoje, em média, só 3% das pessoas têm uma relação muito forte com alguma marca”, afirma o executivo-chefe (CEO) da consultoria responsável pela pesquisa, Jaime Troiano. “A dificuldade das empresas em manter consumidores fiéis cresceu muito. Há mais opções, mais estímulos e uma menor disposição das pessoas a criar vínculos duradouros.”

A pesquisa analisou o desempenho médio de envolvimento com marcas em oito categorias, e todas apresentaram retração no período de 2000 a 2025. O maior recuo foi registrado no setor de ensino superior, com queda de 10 pontos no, de 49,4 para 39,4 (ver infográfico).

“A área educacional passou por uma pulverização, especialmente com o crescimento do ensino a distância e a proliferação de instituições que oferecem cursos de baixo custo, com qualidade muitas vezes questionável”, diz Troiano. “O resultado é uma relação mais frágil e desconfiada do consumidor com essas marcas.”

Também apresentaram perdas relevantes os setores de eletrodomésticos (-9,6 pontos), cervejas (-8,9) e seguros (-7,7). Para o executivo, a queda é reflexo de um ambiente em que há muitas marcas disputando espaço em uma audiência saturada. “A maioria perdeu vitalidade e importância na percepção do consumidor.” Hoje, um apagão de WhatsApp gera pânico. Isso mostra como esses serviços se tornaram estruturais.”

O estudo também expõe um paradoxo: apesar de as ferramentas digitais darem às empresas mais meios de falar com seu público, são justamente esses meios que tornam a tarefa mais difícil. Em vez de uma conversa linear, as marcas navegam por um labirinto de canais, formatos e métricas, cada qual exigindo linguagem e frequência próprias. “O número de contatos cresceu, mas cresce também o ruído”, diz o especialista. “O desafio é organizar a sinfonia.”

Por isso, as estratégias de marketing baseadas apenas em exposição do produto deixaram de funcionar. “Hoje, visibilidade não basta. É preciso ter relevância concreta, manter coerência ao longo do tempo e entender de verdade o que o público espera”, afirma Troiano. “A vida das marcas está mais difícil. E isso não é apenas uma questão de marketing. Éreflexo direto da maneira como a sociedade consome, se relaciona e faz escolhas hoje.”

Ainda assim, o pesquisador, que se debruça sobre o mercado brasileiro há mais de 40 anos, evita conclusões definitivas. O retrato de 2025, diz, é menos um diagnóstico final e mais um aviso. “A complexidade do capitalismo atual diluiu a relevância individual das marcas. Ainda há espaço para engajamento, mas ele exige escuta, consistência e foco. O consumidor não é indiferente – ele só tem mais portas por onde entrar e sair.” E conclui: “A porta da preferência continua aberta, só está mais difícil de alcançar.”

Como o estudo foi feito

O estudo da Troiano Branding comparou dados coletados pela consultoria nos anos 2000 com uma nova rodada de entrevistas on-line realizadas neste ano.

No total, foram mais de 20 mil respondentes de diferentes regiões do país. A pesquisa usou a metodologia quantitativa da Troiano chamada ‘Auditoria de Marca’, que mediu o grau de envolvimento dos consumidores com marcas ao longo do tempo.

Cada participante avaliou cinco categorias de produtos ou serviços, selecionadas de forma rotativa. Para cada uma delas, respondeu a um conjunto de dez questões relacionadas à lembrança espontânea, frequência de uso, rejeição e percepção de atributos específicos, como suavidade, durabilidade ou confiança, dependendo do tipo de produto.

As respostas foram processadas por um software que calculou o nível de envolvimento e posicionou o consumidor em uma pirâmide com cinco estágios: desconhecimento, quando a marca não é reconhecida; rejeição, quando é conhecida, mas evitada; familiaridade, quando há conhecimento e aceitação, mas sem preferência clara; preferência, quando a marca figura entre duas ou três opções mais consideradas; e idealização, no topo, quando há lealdade recorrente e escolha consistente ao longo do tempo.

De acordo com Troiano, a maioria dos consumidores permanece no nível intermediário, da familiaridade, em que a marca é reconhecida, mas raramente escolhida. “Poucos consumidores chegam à preferência, e menos ainda à idealização”, afirma.