Diretora da Divisão de Doenças de Transmissão Vetorial e Zoonoses do Centro de Vigilância Epidemiológica (CVE), Gisele Dias de Freitas afirma que a crença de que os escorpiões oferecem mais perigo em área rural é errada.
— Eles sobem até andares altos, em geral pela rede elétrica, pelos conduítes, que têm aqueles gominhos, e um ambiente quente e protegido. Mas eles podem chegar nos apartamentos também dentro de caixas ou malas que são transportadas — conta a especialista.
Como O GLOBO mostrou, as picadas de escorpião aumentaram 150% no Brasil em menos de uma década, revelando uma epidemia silenciosa que já afeta milhões. Em artigo publicado na semana passada na respeitada revista Frontiers in Public Health cientistas apontaram para uma possível crise nacional, com um alerta para a rápida proliferação desses aracnídeos nas cidades, impulsionada pela urbanização desordenada, o saneamento precário e as mudanças climáticas.
Autoridades de saúde ouvidas pelo GLOBO contaram que estão investigando os casos na Zona Oeste de São Paulo, mas afirmam que “provavelmente não existe uma infestação particularmente grave na capital neste ano”.
— Nós estamos vendo um número normal, dentro do esperado, de acidentes com escorpiões. De novembro a abril (por conta do aumento de calor e umidade) é um período em que o número de incidentes aumenta mesmo, e a partir de maio começa a diminuir — diz Gisele Freitas.
Segundo a veterinária, o encontro desses aracnídeos na Zona Oeste de São Paulo provavelmente ganhou mais espaço na mídia “porque é comum um relato de uma picada estimular outras pessoas a compartilharem seus avistamentos”. O fato é que estes relatos têm se multiplicado e é importante saber o que fazer no caso de uma picada de escorpião.
Mas mesmo que São Paulo não esteja sofrendo um aumento súbito da população de escorpiões neste outono e o estado de São Paulo tenha tido pequena redução de casos de 2023 para 2024, no longo prazo, como mostrou o estudo publicado na Frontiers in Public Health, a situação tem piorado.
Manuela Pucca, cientista da Universidade Estadual Paulista (Unesp) especialista no tema, crava que a culpa é da urbanização descontrolada (que gera lixo, esgoto aberto e entulho) e da mudança climática.
— Os escorpiões são animais de climas tropicais, então conforme o aquecimento global avançar, eles irão se espalhar mais — afirma.
Prevenção
Um tipo de incidente que já foi notificado algumas vezes é o de pessoas picadas na cama durante a noite. O escorpião tem hábitos noturnos. Em alguns desses casos, eles caíram do teto, pelo conduíte da ligação elétrica das lâmpadas. Outro tipo de incidente comum é no banho, com o escorpião entrando pelo ralo.
Como esses aracnídeos indesejados costumam aproveitar qualquer tipo de brechas para buscar abrigo, entre as recomendações mais importantes está justamente a de deixar as redes elétricas e hidráulicas das casas o mais bem vedadas possíveis.
Ralos devem permanecer sempre tampados, saídas de esgoto vedadas e interruptores de luz sempre bem tampados. Nas frestas de portas externas, se recomenda uso de bainhas de borracha. Dedetizações não são garantia de prevenção, porque inseticidas são projetados para matar insetos, e o escorpião é um aracnídeo, para o qual não existe veneno comercial.
Uma medida de prevenção essencial é cuidar muito bem da gestão de lixo na casa ou no prédio, para que não atraia baratas. É que elas são um dos alimentos preferidos do escorpião.
Segundo a diretora da Divisão de Doenças de Transmissão Vetorial e Zoonoses do CVE, é importante que a população também não negligencie o potencial tóxico que o veneno do escorpião tem e procure atendimento logo.
O chef Paulo Afonso, por exemplo, conta que teria buscado ajuda mais rapidamente se soubesse das possíveis consequências. Duas semanas depois da picada, ele segue em acompanhamento médico, sob uso de antibióticos, com voltas periódicas ao posto de saúde para que a ferida seja devidamente higienizada.
Quando se deparar com uma picada, o ideal é que se procure atendimento o mais rápido possível nos hospitais e postos de saúde definidos como pontos estratégicos de atendimento, onde o soro antiveneno está disponível.
Todos atendem apenas pelo SUS e estão listados em um mapa online: cievs.saude.sp.gov.br/soro. No estado de São Paulo, todos os pontos estão localizados a no máximo uma hora e meia de distância de carro.
Cuidado extra com crianças e caixas de brinquedos
Uma recomendação comum é que se fotografe o animal antes de buscar ajuda, porque a aplicação do soro é feita conforme a espécie do escorpião. A mais comum no Sudeste hoje é o escorpião-amarelo (Tityus serrulatus). Não é recomendável, no entanto, tentar capturar o animal vivo.
O maior cuidado a ser tomado, segundo todos os especialistas, é nos incidentes com crianças. Com peso menor e batimento cardíaco mais rápido, o veneno de uma picada é muito mais rápido entre pessoas menores de 10 anos.
— A maior parte dos acidentes em adultos, 96%, são leves, e nem é necessário receber o soro — diz Freitas. — Mas crianças que tenham sido picadas, ou que possam ter sido picadas, mesmo sem nenhum sintoma, devem ser levadas até um ponto estratégico para atendimento.
Os tipos de incidente mais comuns nessa faixa de idade são pelo contato de animais que se instalaram dentro de caixas de brinquedos, outro ambiente onde os escorpiões gostam de se entocar. Sapatos e roupas dobradas também são alguns dos locais comuns, e é bom inspecioná-los e sacudi-los com cuidado antes do uso.