A conclusão da fase de balanços do primeiro trimestre nesta quinta-feira (15) acontece ao mesmo tempo que são publicados os dados de vendas de março do varejo brasileiro, e a percepção no setor é que existem dois discursos paralelos — que, inicialmente, parecem pouco conversar entre si — relativo aos dados das empresas de capital aberto e da pesquisa mensal do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Os números do comércio publicados nesta quinta mostram alta de 0,8% em volume de vendas no varejo restrito em março, ante fevereiro, e os gerentes do instituto reforçaram se tratar do maior patamar do mês para a série histórica, iniciada em 2000.
“Março foi o terceiro resultado positivo. Só temos resultados no campo positivo em 2025”, disse o gerente da pesquisa, Cristiano dos Santos.
Nas últimas duas semanas, o comando das maiores empresas do setor no país voltaram a falar em cenário bem “desafiador” no consumo após janeiro, palavra já surrada pelas crises da pandemia e da escalada dos juros após 2021. E não só pelo efeito da alta dos juros sobre as despesas financeiras.
A presidência do Assaí, segunda maior varejista/atacadista alimentar, com R$ 80 bilhões faturados ao ano, entende que a inflação de bebidas e alimentos constantemente alta (entre 0,8% e 1,1% de inflação na categoria nos últimos quatro meses) e o efeito do endividamento, após o avanço das apostas esportivas, está retirando dinheiro do consumo de alimentos, e fala em problema estrutural no setor.
A linha de frente do GPA, dono da rede Pão de Açúcar, comentou em entrevista que segue resiliente porque atende ao público mais voltado a camadas de alta renda, que sente menos impacto da inflação.
No negócio de drogarias, um dos mercados mais resilientes às crises no país, a diretoria da Raia Drogasil disse, dias atrás, que percebeu desaceleração na venda.
O executivo Renato Raduan, CEO do grupo, o maior varejista de farmácias do Brasil, com R$ 40 bilhões faturados ao ano, afirmou que o consumo está crescendo menos em praças “onde costumava crescer mais”.
O comando da Casas Bahia, a maior empresa de varejo de eletroeletrônicos, com mil pontos de venda, disse ao Valor que, após fevereiro, a demanda perdeu fôlego e sobrou estoque.
“Há um macro bastante desafiador e um consumo que já está, e vai ser impactado por juros altos”, disse Renato Franklin, CEO da empresa, na tarde desta quinta-feira (15), após o anúncio do IBGE.
“Achamos até que a recessão já estava vindo, mas maio foi melhor. O setor tem grande probabilidade de retração de consumo em 2025”, disse.
O grupo Mateus, maior rede de alimentos do Nordeste, disse dias atrás que o faturamento cresceu por causa da inflação, e não pelo aumento de volume. O lucro veio de eficiência maior e revisão de despesas.
Contradições e dificuldades
As empresas de capital aberto são parte da nata do setor privado brasileiro, com acesso a capital mais barato, atuação em diversas regiões, o que ajuda a compensar fases mais duras, além de terem ganhos de escala que favorecem nas negociações de volume e preço, e logo, no crescimento.
Pesquisas do IBGE consideram negócios de diversos tamanhos, que tendem a ficar mais pressionados por determinadas variáveis do que as companhias com ações em bolsa.
Na prática, não anda muito fácil desvendar o que está acontecendo com o consumo no país. É comum presidentes de empresas e diretores financeiros falarem que hoje no mercado há dados conflitantes ou contraditórios, por isso, eles têm recorrido muito mais a pesquisas de consultorias pagas (e caras) e medido com muito mais proximidade os dados de vendas diárias das lojas e do online.
“Está muito difícil prever o que vai acontecer no mês seguinte”, disse nesta quinta-feira Franklin, da Casas Bahia.
Ao se olhar os dados de balanços, as vendas líquidas, (em valor) sobem, o que se tende a concluir que há consumo em crescimento, mas as companhias afirmam que, em termos de volume, o ganho é baixo ou nulo.
Pelos dados do IBGE, nas seis atividades em crescimento medidas pelo IBGE em março, estão aquelas com maior peso no mercado de comércio brasileiro.
Acontece que, ao se analisar desempenho por segmento, dois entre os três maiores mercados, em faturamento e volume, tiveram números mais discretos na pesquisa ou recuo, frente ao índice geral.
Alimentos, farmácias e eletrônicos são os maiores faturamentos do comércio brasileiro, e alimentos subiu 0,4% em março frente a fevereiro, eletrônicos caíram 0,4%, e farmácias foram melhor, com alta de 1,2%.
O IBGE destacou o terceiro mês positivos de alta na venda em volume (0,3% em janeiro, 0,7% em fevereiro e 0,8% em março), e o patamar histórico, mas levantamento do Valor Data mostra que março ficou abaixo da mediana projetada de alta de 1% (era esperado recuo de 0,4% a alta de 2%).
Em relação a março de 2024, o comércio brasileiro recuou 1%, ante estimativa do Valor Data de retração de 0,5%. É a primeira taxa negativa, com grande peso do cenário difícil dos supermercados, hipermercados e atacarejos nessa piora, já que esse segmento caiu 1,4% sobre março de 2024.