Veículo: Estadão
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Data: 15/05/2025

Editoria: Shopping Pátio Higienópolis
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Joia, dólar e relógio de luxo: como age gangue do Minotauro, que rouba casas em bairros nobres de SP

O foco são casas de alto padrão perto de obras ou imóveis vazios. A ação ocorre de madrugada, e em bairros nobres, como Cidade Jardim e Morumbi, zona sul de São Paulo. Sem chamar muita atenção, criminosos fortemente armados entram nas casas e rendem vítimas ainda dormindo. Não sobra muita coisa: joias, relógios de luxo e outros itens de valor são levados em instantes. Quando alguém desconfia, a gangue já está longe.

A quadrilha do Minotauro, vulgo de Diego Fernandes de Souza, de 40 anos, já roubou ao menos 30 residências com modus operandi parecido em três anos, estima o Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), da Polícia Civil. A defesa de Souza não foi localizada.

Casos recentes de roubos a casas e condomínios – da gangue de Minotauro e de outros grupos – põem a população em alerta. No 1º trimestre, o número de roubos e furtos a residências caiu 26% no Estado e 12% na capital ante o mesmo período de 2024, segundo a Secretaria da Segurança Pública (SSP). Mas os casos assustam, principalmente pela violência contra as vítimas.

Em nota, a secretaria afirma que as polícias mantêm “ações contínuas para combater os roubos a residências”, com foco em regiões com maior incidência. “O enfrentamento a essa modalidade inclui o fortalecimento do trabalho de inteligência policial, o monitoramento de grupos especializados em crimes patrimoniais e o uso de tecnologias para identificação e localização de suspeitos. O patrulhamento preventivo também é intensificado”, afirma.

Minotauro entra em carro após assalto a mansão na Cidade Jardim, zona sul de São Paulo; caso ocorreu em dezembro do ano passado
Minotauro entra em carro após assalto a mansão na Cidade Jardim, zona sul de São Paulo; caso ocorreu em dezembro do ano passado Foto: Polícia Civil

Nesta terça-feira, 13, um grupo de criminosos armados invadiu um prédio em Higienópolis, na região central. A Polícia Civil ainda investiga quem são os assaltantes, mas ainda não há indícios de correlação com a gangue do Minotauro, até pelo modus operandi distinto.

Informações preliminares indicam que oito assaltantes entraram pela manhã em apartamentos do edifício, localizado na Rua Dr. Gabriel dos Santos, e roubaram os pertences das vítimas, em espécie de “arrastão”. “Pensei que fosse um pesadelo”, disse uma moradora ao Estadão.

As investigações apontam que as últimas vítimas da gangue do Minotauro são de abril, em roubo com prejuízo estimado em pelo menos R$ 1 milhão. A casa invadida na ocasião fica na Rua General José Scarcela Portela, no Morumbi.

Conforme o boletim de ocorrência, ao qual o Estadão teve acesso, foram levados ao menos 13 relógios de luxo – sete da marca Rolex e outros três da Patek Philippe. Os bandidos também roubaram joias e US$ 5 mil (quase R$ 30 mil) em espécie.

O registro aponta que a abordagem começou por volta das 4h do dia 22. Ao menos cinco bandidos armados com pistolas e fuzis mantiveram segurança, porteiro e outros funcionários rendidos na academia da casa.

“Os autores do roubo tiveram de esperar o momento em que as vítimas saíssem do quarto, já que existe uma porta blindada fechando o local”, diz o boletim. A gangue fugiu por volta das 6h30.

A ação geralmente é pensada passo a passo. Conforme o BO, os policias militares que atenderam à ocorrência pela manhã encontraram ao menos duas escadas na cena do crime: uma escorada na parede, com acesso ao telhado, e outra no chão. “A cerca elétrica estava amarrada com dois cadarços”, diz o registro. Um portão, além disso, estava desparafusado.

Bandidos usavam moletons pretos e capuzes

A Polícia Civil aponta que, em 18 de dezembro do ano passado, a gangue do Minotauro invadiu outra casa, desta vez na Cidade Jardim. A abordagem se deu “mediante grave ameaça de morte fazendo uso de armas de fogo”, segundo o BO. Ao menos quatro ladrões entraram na casa, e pareciam uniformizados: todos usavam moletons pretos da Nike e capuzes, segundo as vítimas.

Imagens de câmeras de segurança obtidas pelo Estadão mostram uma entrada ágil dos criminosos, que fugiram logo pela manhã. Entre os pertences levados, estão aproximadamente 50 anéis com brilhantes e pedras preciosas, outros 50 brincos com diamantes, 40 pulseiras de ouro ou colares, 40 anéis ou brincos com pedras preciosas, além de ao menos quatro iPhones, cartões bancários e até videogame.

Ao menos quatro assaltantes entram na casa, em roubo realizado na Cidade Jardim
Ao menos quatro assaltantes entram na casa, em roubo realizado na Cidade Jardim Foto: Polícia Civil

Em alguns casos, investigações apontam que o grupo clona controles remotos de portões elétricos para facilitar a entrada nas casas, segundo o delegado Fabio Sandrin, titular da 4ª Delegacia do Patrimônio, focada em investigações relacionadas a furto e roubo de condomínios e residências.

“Às vezes eles saem só com uma ‘mochilinha’ nas costas, com joias e relógios, sem chamar atenção. Focam em objetos que hoje não perdem tanto valor na venda”, diz ao Estadão.

Os altos lucros com a venda de objetos de luxo atraem criminosos para a modalidade, segundo autoridades. Em muitos casos, afirma Sandrin, os itens roubados são desmanchados e avaliados pelo preço do ouro ou de outros materiais de valor, como pedras valiosas cravejadas nas joias. “Às vezes não conseguem (muitos objetos de valor ao entrar nas casas), mas vão na tentativa e erro”, diz.

O delegado reconhece que a invasão a casas, embora menos numerosa do que roubos de pedestres, afeta diretamente a sensação de insegurança da população – em geral, casa é sinônimo de intimidade.

“Muitos atendidos no Deic às vezes ficam traumatizados e não querem voltar para a residência”, conta. Hoje, mais de 20 policiais trabalham diretamente no combate a essa modalidade na 4ª Delegacia do Patrimônio. O Deic também tem focado em operações para combater receptadores de joias e outros objetos de luxo.

Minotauro começou como ‘abridor de portas’

Antes de liderar a gangue, Minotauro começou como “especialista em arrombamento de portas” em furtos menores – seu primeiro indiciamento foi em 2007, conforme a polícia. “A função dele era só abrir a porta para outras quadrilhas furtarem”, afirma Sandrin.

Mais de uma década depois, migrou para os roubos com a ideia de expandir o lucro obtido com as incursões. Formou uma quadrilha especializada em assaltar casarões, e a “carreira no crime” deslanchou.

Policias do Deic investigam Minotauro pelo menos desde 2019. Segundo Sandrin, somente no Deic, há prisão decretada contra ele em quatro inquéritos policiais diferentes. “Mas há também inquéritos anteriores que tramitaram em outras unidades”, diz.

O delegado afirma que o próprio modo de agir do grupo dificulta as prisões. “É uma ação com deslocamento rápido, tanto para a ida quanto para o retorno”, segundo ele. A base da quadrilha seria em Paraisópolis, na zona sul da capital paulista.

‘A gente prende um ou dois e eles repõem’

Apesar de ainda não ter capturado o alvo principal, a polícia diz que houve avanços: ao menos cinco suspeitos de integrar a quadrilha de Minotauro já foram presos em diferentes ações, segundo Sandrin. Outro foi morto em confronto com a polícia.

As investigações apontam que, em geral, a quadrilha age em grupos de cinco integrantes. “A gente prende um ou dois e eles repõem”, descreve o delegado.

“Uns vão render as vítimas e ficar vigiando, outros vão procurar (objetos de valor), tem um que fica na coordenação”, explica. Há também os quem ficam na condução de carros, normalmente dois, monitoramento a movimentação na rua e prontos para uma fuga rápida.

Em geral, é uma configuração não só adotada pela quadrilha do Minotauro, mas também outros grupos voltados a roubos de residências. As vítimas costumam ser escolhidas previamente, com base em observação da região e em buscas de potenciais alvos a partir de dados vazados.

Roubo com prejuízo de R$ 1,7 milhão nos Jardins

A Polícia Civil investiga também a invasão, no último dia 25, a um casa de alto padrão no Jardim Paulista, bairro nobre na zona oeste de São Paulo. O prejuízo estimado é de R$ 1,7 milhão.

O assalto ocorreu por volta das 12h, em uma casa na Rua Conselheiro Torres Homem, entre o Parque do Ibirapuera e a Avenida Nove de Julho.

Segundo o boletim de ocorrência, duas funcionárias da casa até perceberam o portão da garagem da garagem sendo aberto, mas imaginaram que era a dona da casa saindo. Em poucos segundos, um Volkswagen Nivus preto entrou no local.

Cinco assaltantes saíram do veículo – ao menos dois deles armados – e anunciaram o assalto. O grupo amarrou primeiro as duas funcionárias e, logo depois, subiu para o 2º andar, onde estava a proprietária.

Os bandidos então a amarraram com fios de eletrônicos e a mandaram se deitar no chão. Em seguida, iniciaram “minuciosa busca pelo quarto, tendo, nesse momento, encontrado um cofre, o qual foi levado, porém sem o fornecimento de senha”, descreve o boletim.

A vítima relata que, no cofre, havia joias avaliadas em R$ 1 milhão. O boletim aponta que o grupo também abriu uma gaveta onde havia joias menos valiosas e um relógio Rolex do modelo Daytona, de aproximadamente R$ 500 mil, além de três bolsas de luxo.

Ladrão ameaçou vítima com informações da mãe

Os criminosos queriam mais. Um dos bandidos levou a dona da casa para o banheiro do quarto e fez uma chamada em viva-voz para um terceiro, com a arma apontada para a cabeça da vítima.

Segundo ela, a pessoa do outro lado da linha falou o nome completo da vítima e o nome e endereço de sua mãe. “Após a narrativa desses dados, os roubadores a ameaçaram e a puxaram pelo cabelo ameaçando-a caso não entregasse o dinheiro da residência”, diz o boletim.

Após não conseguir fazer transferências bancárias, os ladrões foram embora. Além dos itens já citados, levaram uma espingarda que pertenceu ao avô da vítima, três iPhones, dois iPads, uma TV, dois faqueiros de prata e mais itens.

Os integrantes do grupo fugiram no veículo em que haviam chegado e em um Jeep Commander Preto da vítima, avaliado em R$ 200 mil. Deixadas amarradas na despensa, as três mulheres – duas funcionárias e a dona da casa – conseguiram pedir socorro somente um tempo depois.

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Suspeito de roubo a residência é encontrado com ajuda de geolocalização de fone ouvido
Suspeito de roubo a residência é encontrado com ajuda de geolocalização de fone ouvido Foto: Polícia Civil

No último dia 26, a Polícia Civil prendeu um suspeito pelo roubo, de 28 anos. Como mostrou o Estadão, a geolocalização de um fone de ouvido ajudou os investigadores a encontrar o homem, identificado como Anderson Abraão Martins Braga Santos. A defesa dele não foi localizada.

Conforme a polícia, Santos inicialmente negou elo com o crime. Porém, ao ser confrontado com imagens das câmeras de segurança, confessou participação no assalto, segundo a secretaria.

A pasta afirma que a polícia encontrou o fone do ouvido em um dos bolsos de Santos, localizado na Vila Capela, zona sul. Foram apreendidos na casa dele R$ 9,8 mil em espécie e alguns itens que teriam sido usados no dia do crime: um escapulário, uma pulseira e uma blusa. As investigações seguem para localizar outros suspeitos./COLABOROU CINDY DAMASCENO