O protagonismo que o crédito ganhou na atividade de gestão de recursos nos últimos anos levou o Bradesco a promover Ana Luísa Rodela ao posto de executiva-chefe de investimentos (CIO) da sua gestora de recursos. Com mais de R$ 900 bilhões sob o seu guarda-chuva, quase metade dos ativos nos fundos de investimentos são de dívida, área que ela liderou nos seis últimos anos dos 13 que está na instituição.
Foi a ida de Nilton David para a diretoria de política monetária do Banco Central (BC) no início do ano que provocou algumas movimentações. Philipe Biolchini, então CIO da Bradesco Asset, assumiu como chefe de operações da tesouraria, e Rodela foi para a posição que era dele.
“Uma das coisas interessantes da cadeira de CIO são as diversas oportunidades que permeiam o crédito em relação às outras mesas, aumentar essa conexão é importante já que cada vez mais as diversas estratégias vão alocar em crédito, em produtos estruturados”, diz Rodela em conversa com o Valor na sua primeira entrevista com o novo chapéu. “Muitas vezes, a estrutura passa por alternativas de crédito e de ‘equity’, de equacionar as necessidades de uma companhia, a visão holística contribui para as sinergias das mesas.”
A atualização da regulação, que com a instrução 175 da CVM passou a permitir que os fundos de investimentos em direitos creditórios (FIDC) sejam ofertados para o público geral, também está por trás da iniciativa do Bradesco.
Com a Selic em 14,75% ao ano e sem ainda uma inversão clara do ciclo, este é um momento delicado para a atividade de crédito, reconhece a executiva. “Desde o segundo semestre de 2024, a gente tem ajustado as carteiras para um viés mais conservador. Neste nível de taxas, as empresas vão sentir nos seus balanços”, diz Rodela. “Mesmo para a carteira muito ‘premium’, a cada divulgação de resultados, ao atualizar os números, é perceptível o consumo de caixa relacionado ao juro muito alto.”
Combinado a isso, a expectativa de desaceleração econômica acende um alerta, ou seja, “não é o momento de acrescentar risco aos portfólios”, continua a executiva. “Essa é uma tentação para aumentar o [retorno com o] carrego, mas é preciso ter disciplina e manter a alocação em nomes bons. O crédito, quando tem um evento [de inadimplência] leva a perder o principal e não há gordura com o spread baixo.”
Do lado dos emissores, o que conta favoravelmente é que como o investidor continua demandando ativos de crédito, as companhias têm conseguido rolar as suas dívidas com uma diferença menor em relação aos títulos públicos de referência – o tal do spread. “Continua atrativo por mais que esteja amassado, a classe vai seguir captando recursos, mas, ao longo do ano, o investidor pode migrar para outros perfis de risco.”
Por ora, a demanda segue concentrada nas estratégias de renda fixa. “Se olhar o desempenho dos ativos de risco, eles performaram bem, mas o investidor não se beneficiou muito disso. Ele estava muito avesso ao risco porque o ano passado foi um dos piores para qualquer classe de ativos.”
Mas como o viés natural é olhar pelo retrovisor, com o bom resultado de abril e mais alguns meses de resultados positivos nas cotas de fundos multimercados – o índice de hedge funds (IHFA) da Anbima passou a ficar acima do CDI – e de ações, o investidor pode começar a voltar para essas opções. “O crédito foi o grande chamariz de recursos por muito tempo e a tese está ficando mais desgastada”, diz Rodela. Com os vaivéns sobre tarifas comerciais nos Estados Unidos e a expectativa de um freio na atividade há uma piora nos fundamentos para o crédito e os spreads só caíram. “Parece descalibrado mesmo.”
A pauta da diversificação de investimentos no exterior também fica prejudicada neste momento, apesar da aparente trégua entre Estados Unidos e China na guerra comercial. Para a executiva, a recuperação do índice S&P 500, da bolsa americana, parece não conversar com o potencial disruptivo se o imbróglio das tarifas de importação escalar nos seus próximos capítulos.
“Todo mundo está fazendo ajustes nas previsões de crescimento do PIB. Se for menor nos EUA e na economia global, não dá para cravar que o Brasil, apesar de ter ficado bem na foto, de que não mexe com a estrutura econômica do país.” A decisão foi diminuir a alocação em ativos internacionais. “Embora continue com exposições, especialmente nos EUA e em moedas mais diversificadas, houve uma redução.”
A atração de capital estrangeiro para o país, que tem contribuído para a valorização do real, é porque o Brasil, no relativo, foi menos impactado pela política tarifárias americana, mas é um movimento que ela considera mais “oportunístico do que fundamentado”. A apreciação cambial junto como preços mais baixos das commodities ajudam na inflação. É o que tem calibrado as expectativas do fim do ciclo de aperto monetário. “Toda vez que o mercado se convence de que chegou este momento, é natural os ativos passarem por uma precificação positiva.”
A expectativa da área macroeconômica já era de a Selic subir para 14,75% ao ano na reunião do Copom da semana passada, caindo a 14,25% no fim de 2026. O IPCA projetado é de 5,4% para dezembro, mas já foi 6%. “O receio com a inflação fica por conta do estímulo fiscal, sempre que algo novo é sinalizado pode descolar [da meta]. Há dúvida sobre qual pode ser o contrapeso fiscal.”
Essa pauta estava em segundo plano porque as atenções estavam direcionadas ao cenário global, mas o tom agora pode ser dado pelo ambiente local. Outro gatilho, diz Rodela, é a sucessão presidencial no Brasil. “Normalmente isso não entra no preço com tanta antecedência, mas este ano tem surgido forte o assunto.”