Com o aquecimento do mercado de luxo no Brasil, as principais operadoras de shoppings centers do país preveem investir ao menos R$ 1,9 bilhão nos próximos anos, com foco no segmento de alto padrão. O cronograma de expansão prevê a abertura de novas lojas para acomodar grifes internacionais, experiências personalizadas e espaços gourmet.
O setor de luxo e alto padrão está em franca expansão no Brasil, na contramão do arrefecimento em grandes mercados como Estados Unidos, Europa e Ásia. Um estudo da consultoria Bain com a Fondazione Altagamma, associação dos fabricantes italianos de bens de luxo, apontou uma queda de até 3% do mercado global de luxo em 2024, totalizando faturamento de 1,46 trilhão em 2024.
O mesmo levantamento destacou a América Latina, especialmente Brasil e México, como forças positivas do setor, com tendência de crescimento que deve se manter em 2025. A pesquisa engloba nove segmentos como automóveis, bens pessoais e hotelaria.
No Brasil, a expansão do mercado de luxo tem se mantido nos últimos anos, como mostrou reportagem do Valor. Em 2023, o crescimento foi de 30%, passando para 11,7% no ano passado. Para este ano, a expectativa média é de elevar as vendas em 15%, segundo Carlos Ferreirinha, sócio-fundador da MCF Consultoria, que faz anualmente uma sondagem do mercado de luxo em parceria com a Associação Brasileira das Marcas e Empresas de Luxo (Abrael).
De olho nesse comportamento, as principais empresas que operam unidades voltadas ao alto padrão têm mostrado crescimento e pretendem expandir os negócios nos próximos anos.
A Multiplan, dona do VillageMall, na Barra da Tijuca, zona oeste do Rio, tem sete projetos de expansão planejados até 2027. Os investimentos somam R$ 1,5 bilhão e aproximadamente 70 mil metros quadrados de área adicional nos centros comerciais do grupo.
Duas expansões foram inauguradas em novembro do ano passado. Entre elas, a do DiamondMall, em Belo Horizonte, onde marcas como Chanel, Dolce&Gabbana e Emporio Armani se instalaram após a revitalização e a abertura de 45 lojas, com foco no mercado de luxo e alta gastronomia. No MorumbiShopping, em São Paulo, a Multiplan vai entregar 40 novas lojas e um “rooftop” gourmet com oito restaurantes no primeiro semestre de 2026.
Ana Paula Peres, diretora comercial e de mix na Multiplan, disse que, além das lojas de roupas e joalherias, o mercado de luxo e alto padrão mostra avanços também na procura por restaurantes para experiência gourmet: “Hoje, eu vejo os restaurantes sendo verdadeiras âncoras dentro dos shoppings, a alta gastronomia é muito demandada”, opinou.
Peres também destacou que as grifes internacionais têm procurado se aproximar de consumidores de outras regiões além do Sudeste. As unidades da Multiplan no Nordeste e Centro-Oeste têm se destacado nesse sentido.
O Parque Shopping Maceió, por exemplo, conta com 15 marcas internacionais e está passando por uma expansão que adicionará 45 novas lojas, prevista para novembro deste ano. Em Brasília, o ParkShopping vai inaugurar, no primeiro semestre de 2026, um projeto que adicionará 8.615 metros quadrados de área bruta locável e mais de 60 novas lojas.
A Iguatemi, por sua vez, está investindo R$ 236 milhões na expansão de 15,5 mil metros quadrados do Iguatemi Brasília, com mais de 90 novas lojas e uma ala dedicada a marcas internacionais. A conclusão do projeto está prevista para o segundo semestre de 2026.
A companhia também vai construir um teatro com 250 lugares no Iguatemi São Paulo, unidade que receberá um “rooftop” com novos restaurantes e lojas. A companhia não informou o valor de investimento e a previsão de entrega das obras.
“As expansões dos nossos ativos são uma das principais avenidas de crescimento da Iguatemi nos próximos anos, abrindo espaço para uma demanda reprimida de lojas internacionais de luxo que desejam entrar nos mercados onde atuamos”, disse a diretora de mix, varejo e relacionamento da Iguatemi S.A, Satomi Nanba.
A Iguatemi se prepara para receber, no primeiro semestre de 2025, a primeira loja da América Latina da japonesa Comme de Garçons, no Iguatemi São Paulo, e a primeira loja no Brasil da marca esportiva Alo Yoga, no JK Iguatemi. Nos últimos anos, o grupo reforçou a presença no setor com as operações inéditas com Loewe, Le Labo e a primeira “flagship” (loja conceito) da Tiffany & Co. na América Latina.
Nanba observa que o consumidor tem buscado mais experiências únicas e personalizadas e prefere marcas que traduzem valores como sustentabilidade, exclusividade e propósito: “O luxo hoje está muito mais ligado à exclusividade e ao propósito do que à ostentação. Sustentabilidade, inovação e representatividade são valores fundamentais para esse público consumidor”, afirmou.
O grupo apoia as marcas em seu processo de entrada no país, com expertise para adaptação ao mercado local e suporte operacional por meio da iRetail, uma unidade de negócio dedicada à operação de marcas internacionais. “Esse modelo tem sido um diferencial para garantir que marcas de luxo globais encontrem na Iguatemi o ambiente ideal para sua expansão no país, funcionando como uma incubadora que facilita o ‘soft landing’ [pouso suave] dessas grifes no Brasil”, explicou a executiva.
A JHSF investiu R$ 154,4 milhões nos shoppings de alto padrão em 2024. Somente no quarto trimestre foram aplicados R$ 38,4 milhões no segmento, segundo relatório de resultados para os acionistas. A companhia também está com projetos de expansão em vista, além de alguns já concluídos, e estima que, após a conclusão dos projetos, a área bruta locável (ABL) dos shoppings da JHSF passará a ser cerca de 99 mil m². Ou seja, aumentará em 70,2% a soma de todas as áreas disponíveis para locação dos seus shoppings.
O CEO da JHSF, Augusto Martins, disse que alguns projetos para São Paulo estão em andamento, como o Shops Faria Lima e o Boa Vista Village Town Center, shopping no Complexo Boa Vista em Porto Feliz, município de São Paulo. Além disso, Martins acrescentou que estão dando continuidade às obras do Usina São Paulo, empreendimento localizado na Usina da Traição, na capital paulista, que abrigará um espaço de compras. O investimento faz parte do pilar “mall”, sendo considerado como mais um shopping da JHSF, na Marginal Pinheiros. No Shopping Cidade Jardim (SP), abrirão “flagships” de duas marcas internacionais ainda não reveladas.
Martins comentou que, em setembro de 2024, a primeira fase das obras do Usina São Paulo foi entregue com a abertura da Casa Fasano, reformulação do anel viário do local e estacionamento para 250 veículos. A segunda fase de obras está em andamento. “Contará com uma nova cobertura, espaços gastronômicos, de arte, cultura e hospitalidade, além de ‘rooftop’ com mirante”, explicou. A previsão é que esse espaço entre em operação no segundo semestre de 2025.
A Associação Brasileira de Shoppings Centers não disponibiliza dados específicos sobre o segmento de luxo e alto padrão. Para 2025, a previsão é de um faturamento geral acima de R$ 201 bilhões e a inauguração de 17 unidades no país. O censo 2024/2025 da entidade identificou que o setor tem se consolidado com foco crescente em experiências e conveniências para o cliente. Em 2024, o mercado de shoppings atingiu recorde de faturamento, de R$ 198,4 bilhões, alta 1,9% em relação a 2023.
A professora do hub de luxo da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM), Patrícia Diniz, explicou que o mercado de alto padrão no Brasil é inspirado no modelo europeu, mas foi adaptado no decorrer dos anos.
Na Europa, permanecem as tradicionais lojas de rua em cidades com grande circulação de turistas, como Paris e Roma, onde as marcas querem ficar próximas umas das outras por questão de prestígio. No Brasil, problemas de urbanismo e segurança pública – além das altas temperaturas – colocam os clientes de alta renda em situação de “exposição” comércio de rua, o que tornou os shoppings alternativas mais interessantes.
A especialista explicou que os shoppings também funcionam como operadores para a vinda de investidores estrangeiros, que muitas vezes têm dificuldades com o sistema tributário brasileiro.