Veículo: O Globo
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Data: 11/04/2025

Editoria: Shopping Pátio Higienópolis
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‘Custo de transição’: terremoto tarifário de Trump já mexe com a vida das empresas, que suspendem negócios

Depois da bonança, a tempestade. Após a euforia nos mercados globais na quarta-feira, que se refletiu ontem na Ásia e Europa, a incerteza voltou a predominar, com a afirmação da Casa Branca de que as tarifas totais para a China serão de 145%.

E as consequências das medidas de Trump, mesmo com a decisão de suspender as “tarifas recíprocas” de todos os países, exceto a China, por 90 dias, já podem ser sentidas no cotidiano das empresas. A crise já chegou à economia real.

Os primeiros sinais de uma desaceleração economicamente prejudicial no comércio global já estão surgindo, à medida que empresas ao redor do mundo apertam o botão de pausa em seus pedidos, devido à guerra de tarifas entre Estados Unidos e China. Da gigante Amazon a pequenos comércios americanos, a ordem agora é esperar para ver.

A Apple, correndo contra as tarifas, fretou cinco aviões de carga para mandar iPhones aos EUA antes de os preços aumentarem. E há quem já se preocupe com o Natal, pois a encomenda de itens de decoração é feita com muita antecedência.

Amazon já cancelou encomendas de fornecedores chineses — Foto: Bing Guan/Bloomberg
Amazon já cancelou encomendas de fornecedores chineses — Foto: Bing Guan/Bloomberg

A gigante do varejo on-line Amazon começou a cancelar pedidos da China e de outras partes da Ásia, segundo a Bloomberg News. A Haas Automation, fabricante de máquinas-ferramenta do Ocidente, disse estar reduzindo a produção devido a uma “queda dramática na demanda”, tanto nos EUA como em outros países.

Cinco aviões de iPhones

A Vizion, empresa de tecnologia que coleta dados de cadeias de suprimentos, estima que as reservas globais de contêineres feitas entre 1º e 8 de abril caíram 49%. Só na China, a queda foi de 36%. E as importações dos EUA caíram 64% em relação ao período de sete dias imediatamente anterior.

— A abordagem de “esperar para ver” está sendo adotada em milhões de remessas programadas a cada mês — disse à Bloomberg o CEO da Vizion, Kyle Henderson.

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Na última semana de março, antes que Donald Trump anunciasse seu tarifaço, a Apple encheu cinco aviões com iPhones fabricados na Índia em três dias, de acordo com o jornal Times of India. O objetivo era fugir das tarifas. E os consumidores agiram da mesma forma: segundo a Bloomberg, nos últimos dias as lojas da Apple nos EUA têm registrado vendas semelhantes às da época de Natal.

No país alvo da ira tarifária de Donald Trump, a estratégia também tem sido esperar para ver. Os fabricantes chineses de decorações de Natal, como árvores de plástico e bolas, relatam não ter recebido ainda encomendas de seus clientes americanos, que normalmente já teriam sido feitas nesta época do ano, segundo a agência Reuters. A culpa, dizem, é das tarifas anunciadas de Trump.

A China é responsável por 87% dos itens natalinos vendidos pelas varejistas americanas, um comércio em torno de US$ 4 bilhões. As fabricantes chinesas dependem das encomendas dos EUA, para onde vendem cerca de metade de sua produção.

Reação dos mercados — Foto: Criação O Globo
Reação dos mercados — Foto: Criação O Globo

— Até agora, nenhum de meus clientes americanos fez pedidos — disse à Reuters Qun Ying, que gerencia uma fábrica de árvores de Natal. — Em meados de abril, normalmente todos os pedidos estão finalizados, mas agora… Talvez os clientes americanos não comprem nada este ano.

Jessica Guo, à frente de outra fábrica, conta depender dos pedidos dos EUA para manter seu negócio. Sem eles, teme ter de fechar as portas.

Preços já sobem nos sites

Chen Qingxin, dono de uma fábrica de brinquedos, teve o pedido de um cliente americano cancelado minutos antes de as tarifas para a China entrarem em vigor, no dia 9. Feita em março, a encomenda seria despachada em junho. Chen disse ao Wall Street Journal que “não há mais espaço para negociar”, porque nem ele nem o cliente, com quem trabalha há dez anos, podem arcar com o peso das tarifas.

Nas plataformas de e-commerce, revela o Financial Times, os vendedores chineses já estão elevando seus preços em até 70% para consumidores dos EUA.

Tarifaço:Trump reconhece ‘custos e problemas da transição tarifária’, mas se diz ‘feliz sobre como o país está se saindo’

— É muito difícil fazer planos agora — disse ao FT Hu Jianlong, diretor executivo da consultoria de e-commerce Brands Factory.

Wang Xin, o presidente da Associação Transnacional de E-commerce de Shenzhen, disse ao FT que os vendedores do país não serão capazes de bancar as tarifas. Os membros da associação, diz, vendem aos EUA tanto por Shein e Temu quanto pela Amazon.

Empresas de frete marítimo na China contam que encomendas para os EUA têm sido canceladas. Um representante do setor que não quis ser identificado contou ao FT que um pedido com cerca de cem contêineres com destino a Houston está em suspenso, aguardando confirmação. Segundo ele, “as coisas mudam de uma hora para outra”.

Mercados seguem abalados

O terremoto tarifário de Trump segue abalando os mercados financeiros em todo o mundo. As Bolsas tiveram fortes quedas em Nova York, enquanto aqui o Ibovespa recuou 1,13%, aos 126.355 pontos. O dólar comercial avançou 0,92%, a R$ 5,898.

O Dow Jones, formado pelas 30 maiores empresas dos EUA, recuou 2,50%, e o S&P 500, que reúne 500 companhias de diversos setores, perdeu 3,46%. O Nasdaq, índice composto por papéis do setor de tecnologia, sofreu um tombo de 4,31%. Na quarta-feira, eles haviam registrado suas maiores altas em mais de dez anos.

Para Felipe Sichel, economista-chefe da Porto Asset, a volta da aversão a risco nos mercados é uma evidência clara de que as incertezas devem prosseguir mesmo durante a pausa de 90 dias anunciada pelo presidente americano, Donald Trump, em seu tarifaço:

— Ainda há incerteza em relação ao ciclo econômico dos EUA, em relação à questão entre Estados Unidos e China.

‘Não vi nada disso’

A Casa Branca publicou ontem um documento com detalhes sobre a tarifa imposta à China. E ressaltou que a taxa de 125% citada pelo presidente Donald Trump na quarta-feira será somada aos 20% já anunciados em fevereiro, aplicados em meio à acusação de que a China inunda os EUA com fentanil.

Em uma reunião com seu Gabinete ontem, Trump afirmou que a economia americana enfrentará “custos e problemas de transição”, mas manteve o otimismo:

— Sempre haverá dificuldades de transição. Mas foi o maior dia da História (a quarta-feira), o dos mercados. Então, estamos muito, muito felizes com a forma como o país está se saindo. Estamos tentando fazer com que o mundo nos trate de forma justa.

Ao ser perguntado por repórteres sobre a forte queda das ações ontem, Trump desconversou:

— Não vi nada disso. Estou aqui há duas horas e meia.

Enfatizando seu bom relacionamento com o presidente chinês, Xi Jinping, Trump expressou otimismo de que os dois países chegarão a um acordo sobre tarifas:

— Tenho grande respeito pelo presidente Xi. Ele tem sido, no verdadeiro sentido, um amigo meu de longa data, e acho que vamos acabar conseguindo algo muito bom para ambos os países.

A China, por sua vez, abriu uma nova frente na guerra comercial, ao anunciar limites para a entrada de filmes americanos no país. E busca se aproximar da União Europeia (UE): o ministro de Comércio chinês, Wang Wentao, conversou por videoconferência na terça-feira com o comissário de Comércio e Segurança Econômica da União Europeia, Maros Sefcovic.

As preocupações de que a escalada da guerra comercial entre Washington e Pequim possa levar a uma recessão econômica nos EUA e no mundo puniu ativos considerados de risco, como as moedas emergentes, explica Marcelo Muniz, diretor de Tesouraria do C6 Bank. O real não foi a única divisa afetada: o peso mexicano recuou 0,96% frente ao dólar, o rand sul-africano perdeu 0,77%, e o peso chileno cedeu 0,68%.

Muniz lembra ainda que muitos investidores têm trocado o dólar por moedas de países ricos. Desde o anúncio do tarifaço, no último dia 2, o franco suíço teve valorização de 4,26% ante o dólar, o euro subiu 1,35%, e o iene avançou 1,11%.

— Acho que há esse medo generalizado (de uma recessão), mas eu não falaria nem (só) americana, e sim global. As pessoas concentraram muitos investimentos nos EUA, porque o dólar vem há anos ganhando na média das outras moedas. Houve uma reversão um pouco às pressas deste movimento — afirma Muniz.

Treasuries ainda sofrem

Tatiana Pinheiro, economista-chefe da Galapagos Capital, lembra que a guerra comercial entre EUA e China pode ter consequências para o Brasil, por isso afetam o mercado local:

— O maior destino de exportação do Brasil é a China — explica. — Se essas retaliações (dos EUA) levarem à queda de renda interna na China, pode haver redução na demanda para o Brasil.

Os títulos do Tesouro americano, os Treasuries, registraram mais um dia de vendas, o que faz com que o governo americano tenha de oferecer juros mais altos para atrair os investidores. Segundo dados da Bloomberg, ontem o rendimento do Treasury de dez anos subiu 0,9 ponto percentual, para 4,42%.