A aprovação pelo Congresso da Lei da Reciprocidade Econômica, na semana passada, deu mais uma ferramenta de negociação para o Brasil se proteger do tarifaço aplicado por Donald Trump às diversas nações pelo mundo. Mas especialistas em diplomacia, de forma majoritária, defendem que o caminho das boas relações deve ser o melhor para o País se proteger dos efeitos econômicos prejudiciais desse novo cenário internacional que se configura numa guerra comercial.
“A primeira movimentação brasileira vai ser abrir conversas com o governo americano. A nossa própria nova lei fala de abrir consultas antes de aplicar retaliação, e estamos tentando abrir consultas com as autoridades americanas”, afirma o presidente do conselho curador da Fundação FHC, Celso Lafer, ex-ministro das pastas do Desenvolvimento, Indústria e Comércio e das Relações Exteriores. “O argumento mais ou menos óbvio para o Brasil evitar as tarifas é que os Estados Unidos têm superávit com a gente.”
Membros do alto escalão do governo de Donald Trump disseram, no domingo, 6, que mais de 50 países já entraram em contato com a Casa Branca para abrir negociações sobre as tarifas de importação, na semana passada. As taxas mais altas devem entrar em vigor na quarta-feira, 9. O Brasil é um dos interessados em conversar.
“O Brasil adotou como estratégia a negociação como instrumento de diálogo com os EUA. Essa via tem se demostrado a mais adequada e a mais produtiva”, diz o ex-secretário especial de assuntos estratégicos da Presidência da República entre 2016 e 2018 e conselheiro consultivo internacional do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri), Hussein Kalout.
“Creio que há uma margem para negociação para o Brasil. Não necessariamente vai acontecer amanhã, ou logo, ou que seja algo prioritário para os EUA”, afirma. “Entendo que ocorrerá em algum momento, ao largo dos próximos meses, em função da complementariedade do que o Brasil produz para a base industrial americana. O Brasil não ficará no final da fila do processo negociador. Haverá um diálogo positivo no contexto técnico.”
Um exemplo, segundo Kalout, é que o Brasil exporta muitos produtos não acabados, como aço, para a indústria automobilística. “Se formos mais tarifados, as montadoras vão colocar o seu produto final à venda a um preço mais alto para o consumidor americano”, diz.
A retaliação, embora não seja uma opção descarta para alguns membros do governo, só deve ser empregada caso as negociações não avancem e se a base industrial brasileira for efetivamente prejudicada, defende o especialista. “Nesse momento, o Brasil precisa se concentrar em si e na defesa do interesse do empresariado nacional e não focar tanto nos problemas tarifários aplicados aos outros países”, afirma Kalout. “Nas crises, criam-se também oportunidades e o País precisa saber aproveitar essas possibilidades, particularmente, nos segmentos que somos competitivos como, por exemplo, o agribusiness.”

A percepção é a mesma do presidente do Instituto de Relações Internacionais e Comércio Exterior (Irice), Rubens Barbosa, que foi embaixador do Brasil em Londres e em Washington. “Como ficou no nível mais baixo das tarifas variáveis, com 10%, o Brasil não tem alternativa, senão aguardar as reações ao redor do mundo, em especial do Canadá, do México, da União Europeia, da China e do Japão. A partir daí apresentar queixa à Organização Mundial do Comércio (OMC) e avaliar, de forma pragmática e não ideológica, como negociar com os EUA.”
O governo brasileiro declarou, em seus círculos mais altos, que as medidas unilaterais são contrárias às regras da OMC, órgão que, no entanto, perdeu muito de sua força desde a primeira administração de Trump, que fez o governo americano tirar o seu apoio à instituição.
Isso não significa que a organização não deva ser utilizada pelo Brasil, como buscar aprovar no órgão o uso de retaliação cruzada, em propriedade intelectual. Lafer lembra que, durante o contencioso sobre algodão, no começo do milênio, esse mecanismo funcionou a favor do Brasil. O País alegou que o programa americano de crédito e os subsídios aos consumidores e aos exportadores de algodão teriam sido responsáveis pela queda dos preços internacionais no período que vai de 1999 a 2002. Isso teria, então, causado prejuízo à produção brasileira e motivado questionamento à OMC sobre o caso.
“A OMC autorizou contramedidas para o Brasil escolher em retaliação cruzada, e ele pegou em propriedade intelectual, onde dói mais para os EUA. Então, eles foram para a negociação”, diz Lafer.
O problema, afirma o ex-ministro, é que agora “ninguém está com coragem de dizer não ao ímpeto de Trump”. “Ele quer tornar os EUA o centro de uma reorganização do comércio internacional. O poder do país é imenso, mas não é o único no mundo multipolar atual. Tem a União Europeia, a China e o Sudoeste da Ásia. Trump está supervalorizando a capacidade dos EUA, que não são mais, como dizem os franceses, a hiperpuissance (hiperpotência) que eram nos anos 1990″, afirma Lafer.
Laços externos
Outro caminho para o Brasil será buscar estreitar laços comerciais com outras regiões, para compensar o impacto da política tarifária do presidente americano. Há o acordo de livre-comércio entre o Mercosul e a União Europeia aguardando as aprovações governamentais finais dos países. Além disso, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) esteve no Japão no fim de março, buscando abrir mais mercado para produtos brasileiros. E o governo também pode ampliar ou reativar negociações comerciais estagnadas com países asiáticos, e com o México e o Canadá.
Pode retornar à pauta o acordo comercial Mercosul-Canadá, que começou a ser negociado em 2018, assim como pode haver uma aproximação com o bloco das nações asiáticas, o Asean.
O interesse em acelerar tratados comerciais pode ser mútuo, dadas as reações internacionais às medidas de Trump. Durante evento, na segunda-feira, 7, de anúncio de investimentos de uma fábrica no Brasil, com a presença de Lula, a embaixadora da Dinamarca no Brasil, Eva Bisgaard Pedersen, afirmou que “mais do que nunca precisamos mostrar que a abertura e as parcerias internacionais são o caminho certo”.
“A Dinamarca terá a presidência da União Europeia no segundo semestre deste ano e queremos junto ao governo brasileiro fazer todo o possível para concluir o acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul”, disse.