Veículo: O Globo
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Data: 08/04/2025

Editoria: Americanas, L-Founders
Assuntos:

Americanas: ‘Toda a empresa sabia. A operação era muito grande’, diz delator sobre fraude

Malu Gaspar

Análises e informações exclusivas sobre política e economia

Por 

Johanns Eller

07/04/2025 05h02  Atualizado há 3 horas

A delação premiada do ex-diretor financeiro e de relações com investidores da Lojas Americanas Fábio Abrate, que teve trechos revelados na denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal (MPF) na última segunda-feira (31) contra 13 ex-executivos da companhia, reforça que o esquema de fraude nos balanços da companhia era tão extenso que a manipulação era de conhecimento de “toda a empresa”, da área financeira à comercial.

A colaboração é uma das bases da acusação do MPF contra os ex-dirigentes, entre eles o ex-CEO Miguel Gutierrez e a ex-dirigente do braço digital do grupo Anna Christina Ramos Saicali. Abrate, assim como os outros dois ex-diretores delatores Marcelo Nunes e Flavia Carneiro, não foram denunciados em função da cooperação com o MPF.

Como mostrou o colunista Lauro Jardim, a nova delação também apontou o envolvimento de grandes bancos no esquema, em especial o Itaú e o Santander, com quem o colaborador lidava diretamente na condição de diretor financeiro.

Abrate foi o responsável por negociar com essas instituições a omissão, nas cartas que elas enviavam para as auditorias sobre operações com a Americanas, do risco sacado – mecanismo pelo qual os bancos abrem linhas de crédito para que os fornecedores abatam suas faturas com desconto e depois cobram o valor da varejista.

Em 2016, uma resolução da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) de 2016 determinou que esse tipo de operação fosse discriminada no balanço como financiamento – e seus juros e encargos levados em conta no resultado final.

“Para esconder o passivo, as operações de risco sacado foram lançadas no campo “fornecedores”, sem qualquer explicação sobre quem seriam os credores, qual o prazo de financiamento e quais os custos associados”, afirma a acusação do MPF.

Mas a Americanas as incluiu no balanço como transações comerciais, e não como dívida, o que gerou um falso lucro.

Segundo o MPF, o risco sacado representava R$ 15,9 bilhões em dezembro de 2022. No mês seguinte, quando a fraude foi revelada, ficou evidente que havia um rombo de R$ 22,8 bilhões.

Questionado pelo procurador Paulo Sérgio Ferreira Filho se tinha conhecimento de que os balanços não refletiam os resultados da empresa, o delator foi direto:

“Eu sabia, mas qual era, digamos assim, a minha percepção? (Pensava) eu não sei sozinho. Ou seja, todos sabem”.

Indagado pelo procurador sobre o grau de conhecimento dentro da Americanas sobre a fraude, ele insistiu: “Todo mundo dentro da companhia (sabia). Todo mundo”.

“A operação era muito grande. A operação chegou… Ela começa pequena e ela chega num nível que a área financeira inteira sabia do risco sacado, a área comercial inteira sabia do risco sacado.”

Bancos cúmplices

 

Abrate afirmou que os dois bancos aderiram à fraude por interesse econômico, já que ele havia deixado claro que a Americanas interromperia as operações de risco sacado com as instituições que se recusassem a omitir as cifras das cartas de circularização.

Questionado pelo procurador Paulo Sérgio sobre por que Itaú e Santander, o delator disse: “Eram os maiores, e alguns bancos, eles são líderes do setor. E os bancos se falam sobre tudo. Se tem um setor que é organizado, se chama banco. Varejo é desorganizado. Varejo se mata. Banco, não. Banco combina”, afirmou Abrate, segundo a denúncia.

“Se esses caras aqui são grandes, muito inteligentes, são um caminho. Primeiro, eu vou ligar para o Bradesco e falar assim: ‘Cara, Santander e Itaú tiraram da carta’. Aí já é uma outra conversa. ‘Você vai colocar?’. ‘Então tá bom, vou parar de fazer com você e vou aumentar a minha participação com Itaú e Santander’. No caso de Itaú e Santander, eles estavam se falando. Eu ligava para um, ligava para o outro, e um falava que ia ligar para o outro.”

A denúncia do MPF mostra que as tratativas com os bancos foram debatidas na sala blindada, ambiente da sede da Americanas onde os acusados realizavam reuniões sigilosas, e destaca que Abrate foi elogiado por colegas da empresa e superiores.

Em resposta a um e-mail do então diretor financeiro sobre o assunto, Saicali respondeu: “Que beleza! Bom trabalho”.

Em um grupo de WhatsApp da diretoria, a reação foi ainda mais efusiva.

“Você é o cara!!”, escreveu o o ex-CEO da plataforma digital da Americanas Márcio Cruz Meirelles, um dos denunciados pelo MPF.

“Muitooooo bom!!!”, respondeu Timotheo de Barros, ex-vice-presidente de lojas físicas, também acusado pela Procuradoria.