Rede está em conversas com bancos e deve ter novo cartão e programa de fidelidade neste ano
Por Adriana Mattos — De São Paulo
19/03/2025 05h01 Atualizado há 8 horas
Rede está adotando estratégia que os gestores chamam de “back to basic” (volta ao básico) e deve lançar nos próximos meses cartão fidelidade aos clientes — Foto: Gustavo Minas/Bloomberg
A Americanas tentará mudar a forma como trabalha o conceito de loja para melhorar a rentabilidade. A rede está em conversas com cerca de 15 parceiros para prestar serviços dentro das unidades e receber comissão por isso. Há potencial para chegar a 100 lojas com essa atividade neste ano, e atingir até 700 no total, quase metade do que a rede opera hoje.
Na parte financeira, após dois anos sem emitir cartões de crédito, no segundo trimestre será lançado um novo cartão num acordo em negociação com bancos, e que estará interligado a um programa de fidelidade em construção.
Na prática, é de certa forma o que gestores chamam de “back to basic”, com ações estratégicas básicas, mas que precisam ser redesenhadas nesse processo de reestruturação do grupo.
Tiago Abate: “Objetivo com os serviços é uma revitalização do espaço e reduzir custo de ocupação” — Foto: Divulgação
A ideia é criar ferramentas que possam transformar o fluxo de clientes em melhores resultados, considerando que este indicador pouco sentiu o baque na imagem do grupo. A perda no tráfego de consumidores na rede foi pequena desde 2023, mesmo após o encolhimento do site e a saída de segmentos de atuação.
Eram 47,5 milhões de clientes ativos em janeiro de 2025, para os últimos 12 meses, segundo o relatório mensal de atividades anexado no processo judicial. Em dezembro de 2022, antes do estopim da crise, eram 49 milhões. No ano da descoberta da manipulação nos resultados, o menor nível alcançou 41 milhões em dezembro de 2023 e logo houve uma recuperação.
Pelo projeto que será implementado, há duas opções de aberturas de quiosques dentro de suas lojas, com 10 metros quadrados e 20 metros quadrados, com o nome de Espaço Conecta. A ideia é que o espaço fique centralizado perto da entrada, e até na vitrine dos pontos, áreas nobres da rede. Se a metragem não comportar, ficará mais ao fundo.
“Nessa área, serão de 4 a 6 atendentes de responsabilidade das empresas parceiras. São 500 pessoas nas 100 lojas que não são pagas por mim. Isso gera uma queda no meu custo de ocupação e pode melhorar a minha venda por metro quadrado”, diz Tiago Abate, vice-presidente de clientes e parceiros.
Trata-se de um negócio de alta concorrência – há milhares de quiosques vendendo serviços e financeiras ofertando produtos. E é um movimento que ocorre numa operação cujo atendimento e nível de serviço ao cliente nunca foi foco de preocupação.
Sobre essas questões, Abate diz que o objetivo é menos a diferenciação frente aos outros concorrentes, e mais uma “revitalização” do espaço, para rentabilizar a estrutura.
Abate conta que a empresa vende celulares há anos e há casos em que o cliente volta à loja com o produto quebrado, após a compra, e diz que o celular saiu da Americanas com problema. “E isso não é pouco, são milhões de reais perdidos porque não sabemos se é isso mesmo ou o produto caiu no chão e quebrou. Com a iniciativa, a mercadoria já poderá sair da loja com seguro”.
O projeto só avançou porque, após 2023, o grupo resolveu acabar com os “silos” que existiam dentro da empresa, em que cada canal tinha suas estratégias ao consumidor. Analistas já tinham mencionado, em relatórios durante a antiga gestão, a lentidão nesse processo.
Apesar de a empresa ter anunciado uma unificação de negócios em 2021, na prática havia um cliente sendo atendido na Ame Digital (antiga plataforma de pagamentos), na loja e no site e “app”. Isso impedia uma integração completa de iniciativas.
“Sou agnóstico quanto aos canais. Não importa onde se compra, e isso faltava aqui. Fiz parte de minha carreira em banco, passei pelo varejo, o que precisávamos era do fim dos silos que atrapalhavam a empresa”, diz Abate.
A intenção é que o cliente que compra os produtos pelo on-line tenha acesso à mesma gama de serviços no site e “app”, e também frequente a loja.
Abate foi da área de soluções financeiras da Casas Bahia em 2024, até ir para a Americanas em junho daquele ano, e tem passagens pelo Citibank, Unibanco e foi diretor executivo do Santander.
Ao buscar alternativas de acordos no mercado, o grupo não precisa usar caixa para o investimento e pode gerar receita com a mesma despesa, o que tende a ajudar a margem Ebitda (lucro antes de juros, impostos, amortização e depreciação).
A Americanas não recebeu aportes dos acionistas de referência, destinado à operação, após a aprovação do plano de recuperação judicial. Por isso, tem de dar resultado com base na própria atividade.
A lógica é a mesma das grandes cadeias, só que na Americanas são serviços diferentes, ligados à venda de acessórios de telefonia, e futuramente, de serviços como seguros, garantia estendida, correspondente bancário, linhas de crédito de bancos parceiros, entre outros.
Na concorrência, Mercado Livre, Amazon e Magazine Luiza têm reforçado a venda de serviços em seu ecossistema digital (como logística de entrega e de armazenagem de produtos de vendedores em seus centros) para gerar mais margens, o que tem dado resultado. Mas é numa escala bem maior e são serviços voltados ao digital. Isso, no momento, não é a meta da Americanas.
No acumulado do ano passado, até setembro, a receita líquida da Americanas, que inclui o digital e a loja física, caiu 2%, para R$ 9,9 bilhões, frente ao ano anterior. A margem bruta foi de 26,9% para 33,4%
Paralelo a isso, a companhia ainda tem dois projetos, de lançamento de um novo cartão com bandeira, que ainda está em negociação com bancos, e de um novo programa de fidelidade. O anterior, ligado à Ame Digital, deixou de operar em 2023.
A Ame está em processo de venda desde setembro, segundo último relatório mensal de atividades do grupo, e como definido no plano de recuperação judicial.
Também nesse caso, a integração dos negócios ajuda, porque passa a existir uma só base de dados sobre os clientes, algo fundamental para se criar histórico e maior frequência de compradores em lojas e no digital.
Segundo Abate, até o fim do ano, a ideia é que toda a base de informações dos consumidores esteja unificada. Depois que isso estiver mais alinhado, a empresa abrirá mais detalhes públicos do projeto ao mercado.
Só que para isso acontecer, ainda há outra mudança em andamento – normalmente complexa de ser feita – que envolve a troca da plataforma de comércio eletrônico utilizada pela companhia, que deixa de ser da própria Americanas e passará a ser da Vtex, uma das maiores do segmento. “Isso era uma colcha de retalhos, com várias soluções que não se comunicavam e com custo de operação alto.”
A Vtex é responsável pela estrutura necessária para que os lojistas do marketplace possam cadastrar produtos, integrar meios de pagamento, calcular frete, e ainda fazer essa comunicação com a loja e o site da Americanas. Boa parte das grandes cadeias do país usam seus serviços.
A intenção é que, com um sistema que rode de forma mais eficiente, a Americanas implemente, por exemplo, o modelo de “retire aqui” de produtos de vendedores do on-line nas lojas físicas no futuro, diz Abate. É algo que está sendo debatido internamente, e não só na Americanas, como também no Magalu e na Casas Bahia.
Mas isso depende ainda de um plano mais robusto envolvendo o gerenciamento de itens de lojistas nos marketplaces das empresas, e maiores investimentos dos grupos na área.
Por décadas, a maior rede de departamentos no Brasil em número de pontos, a Lojas Americanas operava espaços com quase nenhum serviço, poucos funcionários e parte das unidades com grandes metragens e fraco atendimento.
A descoberta da fraude contábil bilionária, em janeiro de 2023, ajudou a explicar que a tese em vigor na época pela ex-diretoria – operar lojas com baixa despesa para reverter isso em preços baixos – na verdade era reflexo do elevado endividamento e da falta de foco na operação.
A Lojas Americanas vendia barato porque se sustentava comercialmente numa operação de longo financiamento com bancos e indústrias, que nunca aparecia nos balanços como dívida.
Desde a recuperação judicial, a quantidade de unidades fechadas foi pequena frente ao tamanho do negócio – de 1.863 lojas antes da crise para cerca de 1,6 mil em janeiro, recuo de menos de 15%. Mas era preciso repensar espaços e prioridades na venda.
Como já é de conhecimento do mercado, em anúncios feitos pela rede, além dos encerramentos, para fechar pontos deficitários, metragens foram reduzidas e o portfólio de itens foi revisto.
A rede não vende mais notebooks, geladeiras e certos eletroeletrônicos na lojas físicas, que exigem maior linhas de crédito e dispêndio de caixa. Hoje, tornou-se uma varejista de itens para casa, bomboneria e doces, papelaria, portáteis e itens de vestuário.