Em pouco mais de um mês no poder, Donald Trump anunciou medidas econômicas e fez ameaças que podem transformar as tendências econômicas globais. Algumas das políticas mencionadas pelo presidente americano mudam a abordagem dos Estados Unidos em relação ao comércio internacional e têm impactos na forma de organização de grupos empresariais; outras, porém, não são suficientes para alterar o rumo da economia.
Desde que tomou posse para o seu segundo mandato, Trump já anunciou a adoção de tarifas para produtos importados do México, do Canadá e da China – os três maiores parceiros comerciais dos Estados Unidos –, embora tenha voltado atrás no caso dos mexicanos e dos canadenses, ainda que não de forma permanente. O republicano também determinou a imposição de tarifas de 25% para o aço e o alumínio importados pelos EUA e ainda quer instaurar as chamadas tarifas recíprocas. Nesse caso, a Casa Branca citou a disparidade de tarifas para o etanol brasileiro.
Segundo analistas, diante dessas medidas, o “nearshoring” (movimento em que multinacionais mudam o modo de organização de suas fábricas, transferindo as linhas de produção para próximo do mercado consumidor) e o “greenshoring” (prática surgida recentemente em que empresas desenvolvem cadeias de abastecimento mais sustentáveis e se instalam em localidades propícias para isso) – tendências que vinham se fortalecendo nos últimos anos – devem enfraquecer a partir de agora.
“A impressão que dá é que o Trump migrou do America First (EUA primeiro) para o America Only (apenas EUA). Toda essa narrativa de “nearshoring” e “friendshoring” (prática de estabelecer cadeias de fornecimento de bens entre países com relações mais amistosas) está mais fragilizada”, afirma Mario Mesquita, economista-chefe do banco Itaú.

Já movimentos que sutilmente vinham crescendo podem continuar avançando, apesar dos ataques de Trump. É o caso do uso de outras moedas como reservas internacionais ou em transações comerciais, prática ameaçada pelo presidente americano. “O distanciamento do dólar provavelmente ocorrerá de forma discreta. É isso que temos visto nas reservas internacionais na última década”, afirmou, por e-mail, Barry Eichengreen, professor de economia da Universidade da Califórnia.
Os analistas também não esperam uma guinada na Organização Mundial do Comércio (OMC), enfraquecida desde o governo de Barack Obama, o que deixa o futuro das negociações entre países ainda mais nebuloso. “Estamos vendo as consequências de não existir um sistema multilateral baseado em regras agora”, afirma Lucas Ferraz, ex-secretário de Comércio Exterior (2019 e 2022) e coordenador do Centro de Estudos de Negócios Globais da FGV-EESP. “Na medida em que a maior economia do mundo passa a não mais respeitar as regras, ela age de forma discricionária.”
Confira, a seguir, o que especialistas esperam para algumas tendências econômicas globais após esse primeiro mês de Trump no poder:
‘Nearshoring’
O movimento chamado “nearshoring” deverá perder seu ímpeto, segundo analistas. O “nearshoring” vinha sendo adotado pelas companhias numa tentativa de reduzir interrupções nas cadeias de produção depois da pandemia de covid e da guerra entre Rússia e Ucrânia.
Pela proximidade com os Estados Unidos (o maior mercado consumidor global) e pelo custo de sua mão de obra, o México era apontado como um dos grandes beneficiados se esse movimento se consolidasse. Nos últimos dois anos, viu-se a movimentação de multinacionais investindo no país. Agora, isso pode mudar, dado que os produtos mexicanos poderiam ser taxados para entrar nos EUA.
“Certamente, uma tarifa de 25% de Trump sobre o México anularia quaisquer benefícios que o México tenha desfrutado devido à tendência de “nearshoring”. Mas isso também seria um desastre para os EUA, é claro”, diz Barry Eichengreen.
Trump oficializou a adoção de tarifa de 25% sobre produtos mexicanos dez dias após sua posse. Posteriormente, no entanto, suspendeu a medida por um mês, após o México prometer que reforçaria a fronteira com 10 mil homens da Guarda Nacional para combater o tráfico de drogas.

Mesquita, do Itaú Unibanco, afirma que, com as restrições impostas a produtos mexicanos, investimentos que seriam feitos no país podem se deslocar para os Estados Unidos. “A economia do México deve ter um desempenho ruim este ano, especialmente o setor industrial.”
O Itaú projeta um cenário de desaceleração para a economia mexicana neste ano. O Produto Interno Bruto (PIB) deve crescer 0,9%, abaixo do observado em 2024 (1,5%) e 2023 (3,2%).
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia, da FGV (FGV/Ibre), Livio Ribeiro, no entanto, afirma que levar alguns tipos de empresas para os EUA pode não fazer sentido. Ele vê motivo para Trump trabalhar para transferir para seu país fábricas intensivas em mão de obra – que elevam a taxa de emprego –, produtoras de itens estratégicos (como semicondutores) e de setores que sofrem muita competição com os chineses, como a siderurgia. “Mas faz sentido empresas americanas produzirem, por exemplo, bicicleta nos EUA?”, questiona Ribeiro.
Para o pesquisador, como fábricas de vários setores podem não ser viáveis nos EUA, algumas companhias devem continuar produzindo no México para exportar para o vizinho. “O México pode continuar atraindo empresas, porque não fará sentido levar tudo para os Estados Unidos.”
‘Greenshoring’
A avaliação dos especialistas é que também deve ficar fragilizado o “greenshoring”. Por ter ampla oferta de energia limpa (solar, eólica e hídrica), o Brasil era tido como um dos maiores beneficiados desse movimento.
Livio Ribeiro, do FGV/Ibre, afirma que, nos Estados Unidos, acabou a “narrativa” de instalar empresas e linhas de produção em locais que têm estruturas menos poluentes. Por outro lado, diz ele, a China pode aproveitar a oportunidade e tentar ocupar esse espaço deixado pelos americanos. Isso faria com que companhias chinesas de energia limpa levassem ainda mais investimentos para países que oferecem oportunidades nessa área, como o Brasil.
Para Otaviano Canuto, ex-vice-presidente do Banco Mundial e membro sênior do think tank Policy Center for the New South, o “greenshoring” vai continuar, apesar das atitudes de Trump contra a descarbonização da economia – apenas em sua primeira semana no poder, o presidente americano eliminou mais de 70 iniciativas de clima e energia verde, segundo análise do jornal Financial Times. Canuto pondera que, sem a participação dos EUA nos esforços pela transição energética, o potencial do “greenshoring” é menor. O economista lembra ainda que, para o Brasil se beneficiar dessa tendência, precisa melhorar sua infraestrutura e o ambiente de negócios.
OMC
Sem voz ativa no cenário internacional, a Organização Mundial do Comércio (OMC) deve seguir debilitada com Trump na Casa Branca. No primeiro mandato do republicano, os Estados Unidos bloquearam a nomeação de juízes para o órgão de apelação da instituição, que funcionava como uma espécie de STF do comércio internacional.
“A OMC ficou muito esvaziada e, agora, com essas medidas unilaterais do Trump, não tem mais força para arbitrar qualquer diferença comercial”, afirma o diplomata Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Londres (1994-1999) e Washington (1999-2004).