
A invasão do “poluidor” aço chinês no mercado brasileiro vem contendo a produção nacional do metal, mais correta ecologicamente, e ainda diminui a reciclagem do material no Brasil, que além de retirar o lixo do meio ambiente, polui seis vezes menos do que a produção do aço com matéria-prima virgem.
O que aconteceu
Apesar do aumento na produção nacional de aço em 2024, a reciclagem de sucata ferrosa caiu. O Inesfa (Instituto Nacional da Reciclagem) estima redução de 10% em relação aos 12,5 milhões de toneladas de aço reciclados em 2023, cerca de 22% da produção nacional do metal.
No ano passado, o Brasil fabricou 33,7 milhões de toneladas de aço, 5,3% mais que em 2023. Esse crescimento poderia ter sido maior se não fosse a importação do material vindo da China: foram 3,3 milhões de toneladas em 2024, crescimento de 15% em relação a 2023, segundo o Instituto Aço Brasil.
O aço chinês é despejado em diversos países do mundo porque é subsidiado pelo governo. Maior fabricante mundial do metal, a China despacha sua produção para diversas partes do mundo a preços até 19% mais baixos do que o custo de produção, o que é conhecido como dumping. Só para a América Latina foram 10 milhões de toneladas em 2023, contra 85 mil há 20 anos. Para frear a entrada indireta de aço chinês em seu mercado, o governo dos Estados Unidos sobretaxou recentemente todos os exportadores de aço.
Aço no Brasil polui menos

A fabricação de aço no Brasil é mais “limpa” que na China. Enquanto a tonelada de aço chinês à base de carvão mineral emite 2,4 toneladas de gases de efeito estufa, a produção brasileira emite 1,7 tonelada de CO₂, em média. Isso ocorre porque as siderúrgicas nacionais integram o uso de carvão mineral ao carvão vegetal, originado de florestas plantadas, que ajudam a reduzir emissões de carbono.
Essa produção, no entanto, é mais cara, aumentando o preço do aço brasileiro. “O aço da China gera muito mais CO₂ e ainda vem com incentivos do governo, uma competição desleal”, explica Clineu Alvarenga, presidente da Inesfa. “Eles compram o minério de ferro da Vale, produzem o aço na China e vendem para o Brasil mais barato que o nosso.”
Importar o aço chinês também “desincentiva a produção nacional, mais limpa”. “O metal da China não consegue entrar na Europa com a mesma facilidade por causa disso”, diz Alvarenga. “O Brasil sofre pressão para importar porque a China é o nosso maior parceiro comercial.”
Reciclar aço polui ainda menos: 0,6 tonelada de CO₂ é emitida por tonelada do aço produzido inteiramente com sucata. O problema é que, ao reduzir a produção nacional, a quantidade de resíduos também cai. “Produzir aço gera 30% de sucata”, estima Alvarenga.

Por isso é muito importante incentivar a indústria local: sobram mais resíduos para fabricar um aço novo poluindo menos.Clineu Alvarenta, do Inesfa
O Brasil conta com 5.500 empresas reciclando sucata. Cerca de 5 milhões de pessoas trabalham no setor. Alvarenga espera que o ramo ganhe competitividade se for aprovado um projeto de lei que tramita no Senado (1.800/2021) que isenta recicladores e cooperativas de catadores do pagamento de PIS e Cofins.
O que vamos falar na COP30 [Conferência da ONU sobre as Mudanças Climáticas, que acontece em novembro no Pará]? Que o Brasil aceita a entrada de aço poluidor e taxa a reciclagem?Clineu Alvarenta, do Inesfa
A solução é taxar tudo o que gera poluição, diz o professor da FGV Bernardo Guimarães. “É taxar carvão, petróleo e todo tipo de emissão de carbono”, diz o professor de macroeconomia e finanças internacionais.
O obstáculo para isso tem nome e sobrenome: Donald Trump. “A emissão é global. Não dá para o Brasil taxar as emissões e a China não fazer nada. Os países precisam sentar na mesa de negociação”, diz. “Mas, infelizmente, um dos maiores estragos do presidente americano é que ele está escanteando os organismos internacionais de negociação, como a Organização Mundial do Comércio. Sem os Estados Unidos, não tem o que discutir.”