
De sustentabilidade Fernando Modé entende. E muito. O CEO do Grupo Boticário estuda o assunto há mais de 20 anos, além de ter livro publicado sobre direito ambiental, uma de suas especialidades. Porém, o termo ESG não o agrada muito. “O acrônimo carrega vícios de origem. Mas tudo bem, podemos seguir com ele”, disse ele, bem-humorado, em entrevista a esta coluna.
Modé acredita que as práticas já incorporadas pelo grupo há muitos anos não se resumem a uma sigla que surgiu há tão pouco tempo. Também não estão sujeitas a nenhuma onda política. Fazem parte do modelo de negócios e principalmente de um propósito que está embutido em cada sabonete ou perfume que a empresa lança. “Costumo dizer que uma das principais dificuldades que sinto é mostrar ao nosso conselho onde está o ESG aqui dentro. Porque ele está em tudo, em todos os detalhes. Seria mais fácil mostrar onde ele não está”, brincou.
O Grupo Boticário é hoje um dos maiores conglomerados de beleza do mundo, presente em 40 países. No Brasil, são mais de 4 mil lojas em 1.780 cidades. A empresa detém as marcas O Boticário, Eudora, Quem Disse, Berenice?, Vult, O.U.i, Dr. JONES, Tô.que.tô, TRUSS, o marketplace Beleza na Web, além de atuar com produtos licenciados como Australian Gold, Bio Oil, Nuxe, e Pampers.
A organização liderada por Fernando Modé teve um desempenho histórico em 2023, atingindo um faturamento de R$ 30,8 bilhões em vendas, um crescimento de 30,5% em relação ao ano anterior. Ao mesmo tempo, vem se destacando no cenário internacional por suas práticas sustentáveis: é considerada a terceira empresa mais sustentável do mundo na categoria de produtos pessoais, segundo o Índice Dow Jones. Ou seja: o sucesso econômico vem atrelado às práticas socioambientais. “ESG é um redutor de custos”, comenta o executivo – usando, por fim, as simpáticas três letrinhas.
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Ecoa: As estratégias ESG estão atravessando um momento desafiador e algumas empresas recuaram em suas iniciativas. Como você vê este cenário?
Fernando Modé: A primeira coisa que, talvez, nos distancie um pouco deste debate é que a gente faz ESG não por moda, mas por convicção. E a nossa convicção não se moveu ao longo de uma história de quase 48 anos. Eu gosto de diferenciar estratégia de modelo de negócio – a estratégia pode ir mudando, mas o modelo de negócio costuma ser mais perene. Então, dentro desse modelo, temos um jeito de pensar que incorpora as variáveis, que hoje são postas no acrônimo ESG, mas que já tiveram outras denominações. E isso não começou agora. Fazemos parte do grupo que iniciou um movimento há mais de 20 anos envolvendo a dimensão ambiental, social e econômica em toda a organização. Naquele tempo, lá atrás, a gente falava em triple bottom line. Então, obviamente, a gente não consegue dissociar a realidade empresarial de todos esses fatores.
Ecoa: E qual seria a realidade empresarial do Grupo Boticário?
Fernando Modé: Acreditamos que podemos criar oportunidades para transformar indivíduos por meio da beleza. E quando transformamos indivíduos, transformamos toda uma sociedade. Qual o jeito que encontramos para fazer isso? Vendendo cosméticos e perfumaria. Então, tudo o que fazemos passa por este propósito. O nosso desenho é montado para que seja dessa maneira. Isso é muito legal porque a gente vai espalhando oportunidades. Aí você me pergunta: onde se encaixa ESG nisso? Ora, ele faz parte desde o nosso dia 1, está embedado em todas as decisões de negócio, a começar do modelo como um todo. Então, eu gosto de pensar que temos um modelo que transaciona valor com o consumidor.
Ecoa: O Grupo Boticário quase dobrou seu faturamento nos últimos anos, com um desempenho histórico no ano passado. Este modelo que leva em conta o impacto social e ambiental tem a ver com seu sucesso econômico?
Fernando Modé: Sem dúvida. Estamos mostrando resultados de quando você consegue juntar as duas agendas, aquela história do eco do econômico com o eco do ecológico. Toda vez que eu tenho uma redução de uso de qualquer capital natural, seja por evitar desperdício, seja por consumir menos, eu tenho um ganho de eficiência que acaba resultando em lucro. Você reduz o custo na origem. Quanto mais a gente avança nisso, mais a gente vai descobrindo que as agendas são muito mais próximas.
Ecoa: As iniciativas de sustentabilidade da empresa vêm sendo reconhecidas fora do Brasil. Para chegar lá, o investimento é alto?
Fernando Modé: Eu costumo dizer que aquele cara que é bom aluno, em geral, é bom em mais de uma matéria. Ele faz bem mais de uma coisa. Se você não faz bem o ESG, provavelmente, também não deve estar fazendo bem tantas outras coisas. É o que eu acredito. Desenvolva essa capacidade porque ela vai te ajudar em outras também. O investimento pode ser alto, mas ele tem um tempo de retorno. E lembre-se que o custo de não fazer nada pode ser ainda mais alto. Aliás, no caso do ESG, em geral, nem tem a possibilidade de consertar depois.
Ecoa: Quais serão as contribuições do grupo para a COP 30 deste ano no Brasil?
Fernando Modé: Nossas contribuições nos últimos anos têm acontecido muito fortemente com soluções baseadas na natureza. Tem um tema que é bastante caro para nós, que é não só a proteção do meio ambiente por meio da manutenção e recuperação de florestas. Queremos ir um pouquinho além disso. Vou dar um exemplo: se eu plantar uma floresta inteira de clones de eucalipto, não vou ter nenhuma diversidade biológica. Queremos fazer a recuperação não somente das matas, mas também da biodiversidade. Temos vários projetos em andamento e levaremos à COP. Esperamos ainda que toda esta movimentação para a COP permaneça no dia a dia do Brasil, que é o que precisamos.
Sustentabilidade pode ser tratada com mais (bom) humor, diz estudo

Não perder a piada (sem perder o amigo) é um talento – até mesmo quando estamos falando de assuntos sérios, como mudanças climáticas. Boas doses de humor podem fazer com que mensagens complexas sejam absorvidas com mais facilidade, gerando mais engajamento do público.
Esta é uma das conclusões do estudo inédito Crise & Riso, lançado pela WALK, iniciativa da agência de publicidade Droga5 São Paulo para impulsionar as plataformas de impacto, em parceria com o instituto de estudos culturais float. O material propõe uma análise sobre o papel do humor nas discussões socioambientais, mostrando como o riso pode ser uma excelente ferramenta para construir novas narrativas de impacto e enfrentar crises.
“O humor pode aparecer como uma forma de trazer alívio a uma abordagem densa e tensa, que normalmente é necessária em comunicações sobre problemas sociais e ambientais. Ele também pode ser uma estratégia de escapismo para que o assunto abordado apareça como algo mais palatável do que assuntos ainda mais densos ou até desinteressantes”, diz um trecho do estudo.
Segundo Gabriela Rodrigues, Chief Impact Officer (CIO) da Droga5 São Paulo e fundadora da WALK, o humor nos ajuda a reter aquelas questões meio difíceis de digerir. “Os memes são um bom exemplo: discutem problemáticas sociais e ambientais com graça e furam a chamada bolha fechada onde só entra quem entende o assunto profundamente. Ao trazer apenas um assunto por vez, o meme convida à uma reflexão sem exigir que a pessoa seja um expert”.
Vamos fazer um teste aqui. Quando falamos sobre mudanças climáticas estamos, no limite, dizendo que, se medidas não forem tomadas com urgência, existem chances reais de não haver condições de sobrevivência humana no planeta. Estamos falando de extermínio. É sério, é grave e é real. Não é brincadeira.
Mas será que não podemos dizer a mesma coisa de um jeito menos sisudo? Possivelmente. O portal humorístico Porta dos Fundos, por exemplo, arrancou gargalhadas ao mostrar como um criminoso, chefe do tráfico de drogas, estaria se preocupando com a sustentabilidade de seu “negócio”, evitando o plástico ao embalar drogas e a fumaça de gases poluentes.
“Quando falamos de sustentabilidade, há sempre um receio de usar o humor. O ativismo coloca uma certa barreira, diz que o humor esvazia a pauta, acha que é de mau gosto, e é errado brincar com coisa séria. Isso acaba criando um muro que faz com que a gente não discuta o que deveria ser discutido”, observa Gabriela.
Segundo análise da executiva, o principal tipo de humor usado para abordar temas relativos ao ESG é a ironia. É interessante, tem potencial de atrair engajamento, porém, há um problema: ele separa as pessoas que conhecem o assunto e exclui quem não sabe do que se trata. É o famoso “entendedores entenderão”.
“A piada só tem graça se todo mundo puder rir. Sem isolar ninguém. O planeta tem uma urgência que pede que encontremos novas ferramentas de comunicação. E não apenas ficar pregando para convertido. Precisamos testar novos formatos – o que tem até aqui está deficiente. Não temos mais tempo. O objetivo é maximizar as ferramentas e não fechar canais”, conclui Gabriela.