Segundo maior exportador de aço para os Estados Unidos, o Brasil terá dificuldades de encontrar novos mercados para a sua produção, caso não consiga convencer Donald Trump a rever a tarifa de importação de 25% decretada na segunda-feira, 10. O presidente dos EUA sobretaxou aço de todas as origens do mundo, alegando proteção ao setor siderúrgico americano. O Brasil, por ser um grande exportador aos EUA, atrás somente do Canadá, é bastante afetado com as medidas, e outros destinos possíveis estão encharcados de aço chinês e, em menor medida, de outros países asiáticos.
“É muito difícil encontrar, neste momento, mercados imediatos que venham compensar a provável queda das exportações, em função dos impostos a serem aplicados de 25% nas importações”, afirma ao Estadão Germano Mendes de Paula, professor titular do Instituto de Economia e Relações Internacionais da Universidade Federal de Uberlândia (UFU) e especialista em assuntos da indústria mundial do aço.
Com seis décadas de vivência no setor siderúrgico, Carlos Loureiro, presidente do Instituto de Distribuição Nacional de Aço (Inda), avalia que uma alternativa seja tentar abrir mercado interno. Para isso, porém, o Brasil teria de enfrentar a China.
“O que precisamos é decretar medidas antidumping para ocupar o espaço que a China está tomando no mercado interno”, diz Loureiro. Algumas ações foram protocoladas na Câmara de Comércio Exterior (Camex), no ano passado, por fabricantes do setor.
O especialista menciona que, dado a preços “aviltados” por parte da China, praticamente 90% das importações de aço do tipo laminado plano (chapas e bobinas) no Brasil são do país asiático.
Um mercado estagnado
O professor Mendes de Paula, da UFU, diz que a situação do aço para o Brasil é agravada pelo fato de que o mercado mundial de placas — item semiacabado — é relativamente estagnado. A cota brasileira de placas, principal produto de aço da pauta exportadora do País aos Estados Unidos, está em 3,5 milhões de toneladas anuais, cerca de 12% do comércio mundial do produto.
Placas, no caso de aços planos, ou tarugos, para os chamados aços longos, não são produtos vendidos diretamente ao consumidor final, mas para outra siderúrgica, especializada na transformação de material laminado, pronto para uso em diversos setores industriais. Por exemplo, indústria automotiva e de bens eletrodomésticos.

“Já para as exportações brasileiras de produtos laminados aos EUA, além da imposição de tarifas, cabe destacar que o governo americano já impôs várias medidas de defesa comercial (antidumping, em particular), limitando em muito o acesso ao mercado norte-americano”, observa Mendes de Paula.
No curto prazo, informa o especialista, não será fácil encontrar outros mercados porque vários países se encontram na mesma situação do Brasil, o que tende a gerar uma nova onda de medidas de defesa comercial.
Na avaliação de Mendes de Paula, o fato concreto é que Estados Unidos e União Europeia foram muito eficazes, a partir de 2018, em defender sua siderurgia do crescimento da exportações chinesas. “Com as novas medidas, Trump aumenta mais uma vez o patamar de defesa, o que deverá gerar desvio de comércio para outros países”, afirma.
América do Norte recebe 60% da exportação
O Brasil é um grande exportador mundial de aço, da ordem de 10 milhões de toneladas por ano, e cerca de 40% desse volume vai diretamente para os EUA, dentro das cotas de 4,2 milhões de toneladas para aço semiacabado (3,5 milhões) e laminados (687 mil).
Outros 20%, por questões de logística mais competitiva das exportadoras brasileiras, passam por alfândegas americanas, mas não chegam a ser internalizados — entram diretamente em ferrovias em direção ao México ou Canadá.

Para o futuro, o mercado americano tende a se estreitar para os produtos importados, independentemente das sobretaxas de Trump, devido a investimentos de aumento da oferta de produção local.
Em 2024, os EUA produziu 79,5 milhões de toneladas de aço bruto, sendo o quarto maior fabricante do mundo, atrás de China , Índia e Japão, conforme dados da World Steel Association (WSA). O consumo interno, no entanto, está na faixa de 90 milhões de toneladas.
EUA investem na autossuficiência
Segundo Mendes de Paula, nos últimos anos foram anunciados vários projetos nos Estados Unidos, visando à produção de laminados planos, à base de aciaria elétrica. “Assim, a médio prazo, há uma tendência de aumentar o grau de autossuficiência neste segmento”, informa. Conforme o especialista, no ano passado as importações representaram 17,4% do consumo aparente dos EUA.
Por outro lado, diz ele, são poucos os investimentos em termos de capacidade instalada para produtos laminados longos. “A relação de importação, ante oferta interna, deste segmento não tende a diminuir consideravelmente, mesmo no médio prazo”, destaca o especialista. As importações corresponderam a 18,6% do consumo aparente americano desse tipo de produto em 2024.



“O melhor caminho do Brasil é negociar com o governo americano, demonstrar que mais de 80% para os EUA é de interesse da própria indústria do país, que importa mais de 6 milhões de toneladas”, disse ao Estadão o presidente do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes.
Segundo o executivo do Aço Brasil, a solução do momento passa por diálogo para poder recompor o acordo de 2018 (de cotas), firmado pelo próprio Trump e que vigora até agora. “A tarifa de 25% não é boa para o Brasil nem para os EUA, que não são autossuficientes na produção de aço. O país depende de material importado, como placas para abastecer sua indústria de aço”, diz.
A dependência da laminadora Calvert
Construída no Estado do Alabama, EUA, em meados da primeira década deste século, pelo grupo alemão Thyssenkrupp, a laminadora de aço Calvert é dependente da importação de placas para fabricar produtos acabados (laminados a quente e a frio), os quais são vendidos no mercado americano.
Desde 2014, uma joint-venture (empreendimento conjunto) entre ArcelorMittal e Nippon Steel, a unidade fabril tem capacidade de laminação de tiras a quente de 5,3 milhões de toneladas. Está estrategicamente localizada: fica próximo de clientes relevantes, como montadoras automotivas, um mercado que foi a razão da laminadora ser montada naquela região. Calvert vive desenvolvendo produtos para o setor automotivo.
A laminadora começou sendo abastecida por placas de aço do Brasil, dentro de uma operação integrada com a antiga CSA, no Rio de Janeiro, que era da Thyssen e depois foi vendida para o grupo Ternium. Desde 2021, é suprida integralmente pela ArcelorMittal a partir do Brasil — das usinas de Tubarão, no Espírito Santo, e de Pecém, no Ceará — e de planta do grupo no México.
“É bastante dependente de placas, sendo que não tem fornecedor doméstico (nos EUA) relevante com capacidade instalada ociosa para atender”, destaca Mendes de Paula.
No momento, Calvert está em fase final de construção de uma aciaria elétrica com capacidade de fazer 1,5 milhão de toneladas de placas, volume que será usado para suprir a laminadora. Há intenção dos acionistas em virem a construir uma nova aciaria, com a mesma capacidade.
O especialista informa que o consumo aparente de aços semiacabados (placas e tarugos) no mercado americano, em 2024, foi da ordem de 6,3 milhões de toneladas. Desse volume, 6,1 milhões de toneladas corresponderam a importações de diversos país. Do Brasil, diretamente, foram 3,5 milhões de toneladas de placas.