A decisão do presidente Donald Trump de impor tarifas ao Canadá, México e China incluiu uma mudança pouco chamativa, mas importante, em como as compras feitas online serão tributadas ao entrar nos Estados Unidos.
Uma disposição da ordem executiva de Trump aumentará os custos para mais de 80% das importações de comércio eletrônico dos EUA.
A decisão pode alterar o cenário das vendas online de fornecedores chineses como Shein e Temu, que expandiram rapidamente sua participação de mercado enviando produtos baratos para os Estados Unidos.
A ordem do presidente eliminou uma brecha da qual muitas empresas se beneficiaram nos últimos anos, especialmente desde que Trump impôs tarifas sobre produtos chineses em seu primeiro mandato.
A disposição, conhecida como exceção “de minimis” [do mínimo], permitia que certos produtos enviados diretamente aos consumidores de plataformas da internet entrassem nos Estados Unidos sem a incidência tarifas, uma grande vantagem fiscal.
Essa disposição escondida da lei comercial sustenta modelos de negócios importantes. Shein, Temu e muitos vendedores na Amazon usaram a isenção de minimis para evitar tarifas.
A isenção permite que pacotes sejam enviados de outros países sem pagar tarifas, desde que os envios não excedam US$ 800 por destinatário por dia.
Mas críticos dizem que a medida de minimis também ajudou a alimentar uma crise de drogas nos Estados Unidos. Importadores que usam de minimis não precisam fornecer tantas informações à Alfândega e Proteção de Fronteiras dos EUA quanto fazem com outros pacotes, para facilitar o processamento. Isso significa que drogas e matérias-primas usadas para fabricá-las poderiam ser enviadas mais facilmente para os Estados Unidos sem que o governo as detectasse.
De minimis deriva de uma lei comercial centenária que foi originalmente destinada a envios que seriam triviais demais para merecer a atenção da alfândega. Mas o uso dessa disposição explodiu em popularidade.
Um relatório divulgado na semana passada pelo Serviço de Pesquisa do Congresso concluiu que as exportações chinesas de pacotes de baixo valor dispararam de US$ 5,3 bilhões em 2018 para US$ 66 bilhões em 2023.
Embora a ordem executiva de Trump se aplique à China, Canadá e México, a China é de longe a maior fonte desses pacotes. O país é responsável por cerca de 66% deles, enviando mais do que todos os outros países juntos, de acordo com estatísticas federais.
A exceção deu uma vantagem a empresas chinesas como Shein e Temu, que enviam milhões de pacotes de baixo valor diretamente para as portas dos consumidores a cada ano. Essa capacidade de evitar tarifas ajudou Shein e Temu a oferecer preços baixos, aumentando sua popularidade.
De acordo com o Serviço de Pesquisa do Congresso, as duas empresas juntas detêm cerca de 17% do mercado de comércio eletrônico de desconto nos Estados Unidos para moda rápida, brinquedos e outros bens de consumo.
Isso irritou os varejistas tradicionais, que normalmente importam grandes remessas para seus armazéns, pelas quais devem pagar tarifas.
Varejistas como Walmart e Amazon estavam enfrentando pressão para se moverem mais em direção ao modelo de Temu e Shein de envio direto aos consumidores da China, o que significaria que estariam criando menos empregos em centros de distribuição nos EUA.
Empresas de entrega expressa como FedEx e UPS, que transportam muitos dos pacotes através do Pacífico da China, também se manifestaram a favor de preservar a exceção de minimis.
Mas o governo Trump está focada em mirar no de minimis por outro motivo: suas aparentes ligações com o comércio de fentanil.
Um funcionário da Casa Branca disse que a disposição estava fazendo os Estados Unidos perderem uma enorme quantidade de receita tarifária e também impedindo os esforços dos oficiais da alfândega para interceptar remessas de fentanil chegando em pacotes.
Um grupo de prevenção de drogas enviou uma carta a Trump no mês passado pedindo-lhe para acabar com a exceção comercial, dizendo que estava “inundando os Estados Unidos com fentanil, matérias-primas de fentanil, prensas de comprimidos e outros bens ilícitos da China e de outros países.”
A questão tem se desenvolvido há anos, mas os esforços para limitar ou acabar com a disposição ganharam impulso recentemente. Legisladores têm considerado legislação para a regra de minimis e o governo Biden propôs mudanças no ano passado que restringiriam a exceção quando se tratasse da China, mas ainda não entraram em vigor.
Propostas do Congresso para mudar o de minimis teriam preservado uma isenção para viajantes internacionais que trazem até US$ 800 em compras do exterior para os Estados Unidos em suas bagagens, permitindo-lhes evitar fazer declarações alfandegárias e pagar taxas em aeroportos americanos e outros pontos de entrada nos Estados Unidos.
Em contraste, as ordens executivas de Trump não mencionaram a preservação da isenção de minimis para pessoas entrando nos Estados Unidos. Dependendo de como os oficiais da alfândega lidam com isso, isso poderia complicar a entrada nos Estados Unidos a partir de terça-feira para pessoas viajando do Canadá, México ou China.
Timothy C. Brightbill, advogado da Wiley Rein, disse que a mudança feita pela administração Trump “teria impactos amplos em muitos negócios e setores”.
Ele disse que uma variedade de indústrias importadoras “abusaram” das disposições de minimis, e eliminar a brecha seria consistente com o objetivo do presidente de abordar as remessas de fentanil.
O Ministério do Comércio da China não respondeu na segunda-feira a perguntas sobre a decisão de Trump. Shein e Temu também não responderam a um pedido de comentário. Um porta-voz da embaixada chinesa disse que a China se opõe firmemente à imposição de tarifas, e que não há vencedor em uma guerra comercial.
O Congresso elevou a isenção de minimis em 2016 de US$ 200 para US$ 800 em resposta a reclamações de oficiais da alfândega dos EUA de que já estavam lutando para examinar todos os pacotes que chegavam. Com o aumento da isenção, o número de pacotes de baixo valor enviados para os Estados Unidos a cada ano disparou.
Como muitos americanos compram tais pacotes, a mudança também virá com um custo econômico. Pesquisas descobriram que eliminar completamente a exceção de minimis resultaria em custos de US$ 11 bilhões a US$ 13 bilhões para os consumidores dos EUA e prejudicaria desproporcionalmente famílias mais pobres e minoritárias.