Veículo: Folha de São Paulo
Clique aqui para ler a notícia na fonte
Região:
Estado:
Alcance:

Data: 04/02/2025

Editoria: Shopping Pátio Higienópolis
Assuntos:

Congelamento de despesas é teste para Haddad dar choque de credibilidade fiscal

Após o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PTafastar a adoção de novas medidas fiscais, o anúncio de um congelamento robusto de despesas na largada do Orçamento deste ano se transformou na principal aposta para o governo tentar reconstruir a confiança dos investidores na sustentabilidade das contas públicas.

Mesmo antes da votação do Orçamento de 2025, a área econômica já discute a estratégia e tem sido aconselhada a começar o ano com um aperto maior, mirando o centro da meta de déficit zero —o contrário do que foi feito no ano passado.

BRASILIA, DF,  16-01-2025  (Fernando Haddad Foto Gabriela Biló / Folhapress)
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em cerimônia de sanção da Reforma Tributária. Na imagem com Fernando Haddad, ministro da Fazenda. – Gabriela Biló/Folhapress

Integrantes da JEO (Junta de Execução Orçamentária), colegiado que reúne os ministros Fernando Haddad (Fazenda), Rui Costa (Casa Civil), Simone Tebet (Planejamento e Orçamento) e Esther Dweck (Gestão e Inovação), têm a preocupação em dar sinais que permitam baixar o dólar, segundo pessoas a par das discussões ouvidas pela Folha.

Especialistas em contas públicas apontam que o grande teste para Haddad será conseguir espaço político para fazer um congelamento de despesas que seja capaz de dar um sinal forte, já que o pacote de medidas de contenção de gastos foi considerado insuficiente.

Nesse cenário, o momento da abertura do espaço adicional de despesas, conforme previsto na lei do arcabouço fiscal, passou a ser uma peça fundamental da gestão orçamentária. É que a aceleração da inflação, na reta final de 2024, vai proporcionar ao governo um aumento adicional de R$ 12,44 bilhões no limite de gastos, que poderá ser incorporado ao longo de 2025.

O problema é que o uso do espaço extra depende de receitas suficientes para cumprir a meta fiscal, que é de déficit zero. Se fizer um contingenciamento de despesas agora no início do ano para cumprir a meta fiscal, apontando falta de receitas, o governo não poderia fazer esse crédito orçamentário.

PUBLICIDADE

A abertura do crédito poderá vir depois, a depender da fotografia que a JEO tiver do andamento do resultado primário das contas do governo, segundo um participante das reuniões do colegiado de ministros.

Em 2024, ano de eleições municipais, o governo optou em não mirar o centro da meta fiscal e apertou o cinto das despesas no segundo semestre. Agora, a estratégia terá que ser diferente para ajudar o trabalho do Banco Central no controle da inflação e afastar o risco de um ciclo mais longo de alta de juros, admite um ministro de Lula.

Haddad já sinalizou em declarações recentes que vai calibrar a gestão do Orçamento de acordo com a desaceleração do ritmo de crescimento da economia. Além da necessidade de acomodar despesas que ficaram de fora do Orçamento, há incerteza com o risco de frustração da arrecadação num cenário de desaceleração econômica puxada pela alta dos juros.

Algumas receitas que ajudaram a reforçar o caixa em 2024 podem também não se repetir neste ano. Haddad tampouco conseguiu aprovar no Congresso projeto que previa arrecadar mais R$ 21 bilhões neste ano com a maior tributação sobre empresas, e as medidas para compensar a desoneração da folha de salários não estão rendendo o esperado.

“O que o ministro Haddad tinha para fazer de medidas, ele tentou. Agora no segundo tempo do jogo [do mandato presidencial] é muito mais complicado você conseguir aprovar coisas relevantes”, diz Felipe Salto, economista-chefe da Warren Rena.

Para ele, a gestão tradicional do orçamento, do contingenciamento e do bloqueio de despesas vai se tornar mais importante neste ano como instrumento para Haddad entregar um resultado fiscal razoável. Em recente relatório sobre política fiscal, Salto e sua equipe projetam a necessidade de um contingenciamento de R$ 35 bilhões.

Um corte dessa magnitude levaria as despesas discricionárias (custeio e investimentos) a um valor nominal semelhante ao observado em 2023 e 2024, e superior ao dos anos de 2020 a 2022, no governo Bolsonaro. A avaliação é que uma contenção de despesas nessa magnitude não causaria prejuízo para o funcionamento da máquina pública.

Além disso, ressalta Salto, um corte de R$ 35 bilhões não estaria infringindo o dispositivo da LDO (Lei de Diretrizes Orçamentárias), que exige que o congelamento observe a regra de crescimento real de 0,6% das despesas, o piso do arcabouço fiscal. Para atender a LDO, o corte máximo seria de R$ 41,7 bilhões.

Sem a peça aprovada, o governo está executando o orçamento com base da chamada regra do duodécimo (1/12 avos) por mês do que tem para custear a máquina pública. Mas pode apertar mais o cinto das despesas elevando o valor para um patamar de 1/18 avos. Técnicos da área econômica afirmam que, na prática, alguns ministérios já estão executando 1/24 avos, com um aperto maior.

A JEO, no entanto, está fazendo as contas e estuda editar um novo decreto para garantir uma execução das despesas menor neste inicio do ano.

Para Bráulio Borges, economista-sênior da LCA Intelligence e pesquisador-associado do FGV/Ibre (Instituto Brasileiro de Economia), o contingenciamento vai ser a grande peça para a reconstrução da credibilidade fiscal.

“Não há dúvida que ela está no chão, abalada”, diz.

De acordo com ele, o contigenciamento e o bloqueio são o principal evento fiscal que pode impactar as expectativas agora no começo desse ano.

Na sua avaliação, uma conta de partida seria a necessidade de R$ 30 bilhões de contingenciamento, olhando só pelo lado da receita. Ele ressalta que a forma de regulamentação das medidas do pacote será importante para calibrar a necessidade do ajuste fiscal deste ano.


ENTENDA A DIFERENÇA ENTRE BLOQUEIO E CONTINGENCIAMENTO

O novo arcabouço fiscal determina que o governo observe duas regras: um limite de gastos e uma meta de resultado primário (verificada a partir da diferença entre receitas e despesas, descontado o serviço da dívida pública).

Ao longo do ano, conforme mudam as projeções para atividade econômica, inflação ou das próprias necessidades dos ministérios para honrar despesas obrigatórias, o governo pode precisar fazer ajustes para garantir o cumprimento das duas regras.

Se o cenário é de aumento das despesas obrigatórias, é necessário fazer um bloqueio.

Se as estimativas apontam uma perda de arrecadação, o instrumento adequado é o contingenciamento.

Na prática, porém, o efeito acaba sendo o mesmo: o congelamento de recursos disponibilizados aos ministérios.

Como funciona o bloqueio

O governo segue um limite de despesas, distribuído entre gastos obrigatórios (benefícios previdenciários, salários do funcionalismo, pisos de Saúde e Educação) e discricionários (investimentos e custeio de atividades administrativas).

Quando a projeção de uma despesa obrigatória sobe, o governo precisa fazer um bloqueio nas discricionárias para garantir que haverá espaço suficiente dentro do Orçamento para honrar todas as obrigações.

Como funciona o contingenciamento

O governo segue uma meta fiscal, que mostra se há compromisso de arrecadar mais do que gastar (superávit) ou previsão de que as despesas superem as receitas (déficit). Neste ano, o governo estipulou uma meta zero, que pressupõe equilíbrio entre receitas e despesas.

Como a despesa não pode subir para além do limite, o principal risco ao cumprimento da meta vem das flutuações na arrecadação. Se as projeções indicam uma receita menos pujante, o governo pode repor o valor com outras medidas, desde que tecnicamente fundamentadas, ou efetuar um contingenciamento sobre as despesas.

Pode haver situação de bloqueio e contingenciamento juntos?

Sim. Não é este o cenário atual, mas é possível que, numa situação hipotética de piora da arrecadação e alta nas despesas obrigatórias, o governo precise aplicar tanto o bloqueio quanto o contingenciamento. Neste caso, o impacto sobre as despesas discricionárias seria a soma dos dois valores.