A saída de dólares do Brasil pela conta financeira entre janeiro e setembro totalizou US$ 52,4 bilhões e já é a segunda maior da história no período. O desempenho negativo do fluxo financeiro neste ano, porém, caminha para ser o pior da história, superando 2020, ano em que a saída de capitais foi bastante intensa devido aos efeitos da pandemia.
Além de os juros mais elevados nos Estados Unidos e a atratividade da bolsa americana por conta da inteligência artificial (IA) ter pesado para os mercados emergentes em geral, houve no Brasil uma saída mais estrutural, relacionada a investimentos de brasileiros no exterior, gastos com criptoativos e apostas esportivas (“bets”).
Essa fuga de dólares por meio da conta financeira tem limitado a apreciação que o câmbio doméstico poderia ter com a entrada de capitais devido à forte exportação de produtos. Por enquanto, o saldo líquido do fluxo cambial é positivo e não gera uma pressão no real, contudo, até o fim deste ano, ela pode se concretizar.
Ainda que haja mais um trimestre pela frente, a perspectiva de reversão desta saída robusta não parece provável. Caso saiam mais US$ 2 bilhões entre outubro e dezembro, o fluxo financeiro deste ano assumiria o topo do ranking de maior saída da história, superando o resultado de 2020.
Os dados históricos, no entanto, mostram que os últimos meses do ano (em especial dezembro) são marcados por uma retirada consistente de dólares do país como consequência da remessa de multinacionais a suas matrizes, além do envio de recursos para o exterior por conta do pagamento de dividendos.
“É provável que tenhamos uma saída de fluxo financeiro neste ano superior àquela que vimos em 2020 porque, no fim daquele ano, houve a sensação de que se estava chegando ao fim da pandemia – o que depois vimos que não ocorreu – e, por isso, houve um ingresso de dólares em novembro que ajudou a conter o fluxo negativo do período”, relembra a economista Iana Ferrão, do BTG Pactual. “Em novembro de 2020, houve uma entrada de US$ 5,5 bilhões via conta financeira, e em dezembro, houve uma saída baixa para esse mês, de quase US$ 5 bilhões.”
Dados do Banco Central (BC) mostram que, no último trimestre de 2020, a conta financeira do câmbio contratado ficou negativa em US$ 291 milhões. Vale notar, porém, que a média histórica do fluxo cambial para o quarto trimestre do ano é de uma saída de US$ 5,2 bilhões pela conta de capital desde o início da série histórica do BC, em 1982. E, se analisados os números mais recentes, a perspectiva é ainda pior: dos últimos três anos (períodos considerados pós-estresse da pandemia), houve uma fuga média de US$ 11,2 bilhões no último trimestre no fluxo financeiro.
“Os meses de novembro e dezembro são marcados pela saída mais forte de capitais pela conta financeira, então essa saída que já vimos até agora deve continuar”, diz a CEO e economista-chefe da consultoria Buysidebrazil, Andrea Damico. “Nesse período, diríamos que temos duas pressões: há o fluxo negativo mais conjuntural, da sazonalidade de fim de ano, mas também uma saída mais estrutural, que vem ganhando volume nos últimos anos, por conta de investimentos de brasileiros no exterior, de gastos com streaming, bets e cripto.”
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Conforme apontou reportagem do Valor, a velocidade de saída de dólares do Brasil derivada da compra de criptoativos e das apostas esportivas (bets) tem sido monitorada com atenção por participantes do mercado recentemente. Há entre os profissionais o temor crescente de que essa fuga de recursos do país possa afetar não somente as contas externas, mas também o câmbio doméstico, que já tem sua apreciação limitada pela vazão de recursos.
O estrategista-chefe da Warren Investimentos, Sérgio Goldenstein, lembra que, por enquanto, o fluxo cambial está positivo no acumulado de janeiro a setembro, indicando que, apesar da saída robusta de dólares da conta financeira, há uma entrada superior via conta comercial. “Obviamente se esse fluxo financeiro [de saída] fosse mais fraco, deveríamos ter um real mais valorizado”, afirma. “Olhando o agregado, por enquanto, o fluxo cambial não atrapalhou o câmbio, porque ele está positivo em torno de US$ 6 bilhões.”
O problema é que o escudo feito pelo fluxo comercial ao câmbio pode perder tamanho no fim do ano, também por conta da sazonalidade. É comum que o ingresso de dólares pelas exportações se concentre mais na primeira metade do ano, quando é escoada a maior parte da soja. Por isso, caso a dinâmica do segmento financeiro permaneça bastante negativa, a entrada mais fraca pela conta comercial, esperada para o último trimestre, pode fazer com que o fluxo cambial de 2024 fique entre os mais negativos da série histórica, conforme explica Ferrão, do BTG Pactual.
“O fluxo comercial, que era o que vinha segurando o fluxo cambial, daqui até o fim do ano tende a ser ruim por conta da sazonalidade e pelos preços das commodities não tão elevados quanto no ano passado”, diz Ferrão. “Como é difícil estimar o fluxo financeiro, caso não haja um aumento significativo de investimento estrangeiro no país (IDP) e de investimento em carteira, poderemos ter neste último trimestre do ano uma saída expressiva de dólares que pode exercer pressão sobre o câmbio.”
Há alguma expectativa de entrada de capitais por meio de investimentos em carteira, mais especificamente na renda fixa, devido à perspectiva de alta da Selic e do corte dos juros americanos – o que eleva o diferencial das taxas entre Brasil e Estados Unidos.
“Os dados do BC mostram que o mês de agosto foi mais positivo na entrada de dólares por meio de investimentos em carteira. Houve um ingresso de US$ 2,6 bilhões, concentrado principalmente nos títulos da dívida”, afirma Goldenstein, da Warren. “Por enquanto, é apenas um primeiro sinal positivo. É preciso ver se isso vai ter mesmo continuidade. Em tese, com a queda dos juros nos EUA, deveria ter alguma realocação para cá, mas isso deve ocorrer de forma gradual, não vai vir tudo no fim deste ano. A taxa overnight americana continuará elevada, mesmo com cortes.”
Damico, da Buysidebrazil, acrescenta que, com a redução das taxas de juros nos EUA, a busca por ativos de risco cresce, o que tende também a beneficiar os mercados emergentes e, portanto, a bolsa brasileira. Mas, da mesma forma que Goldenstein, ela avalia que não é possível esperar a entrada imediata de dólares no Brasil. “Estruturalmente, há vetores que podem colaborar para uma entrada de fluxo de portfólio de estrangeiro, mas não é algo automático, que vai ocorrer até o fim do ano, vai vir aos poucos”, defende.
Por outro lado, um fator que poderia engrossar a saída de dólares do Brasil no fim deste ano está relacionado ao pagamento de dividendos e à força da economia doméstica. Com a atividade econômica mais forte no país e com o mercado de trabalho apertado, as empresas tendem a ter ganhos maiores, o que em tese elevaria o montante a ser pago em dividendos no exterior. Goldenstein aponta, porém, que houve uma depreciação do câmbio ao longo deste ano, o que faz com que os ganhos das empresas por aqui se traduza no fim do ano em menor valor em dólares. “Pode ter uma queda na saída de capitais por conta da depreciação da moeda brasileira, mas o fluxo não vai ser muito diferente do que vimos no ano passado.”