Veículo: Valor Econômico
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Data: 25/09/2024

Editoria: Shopping Pátio Higienópolis
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Em ata, Copom reforça sinal de aceleração de ritmo de aperto da Selic

Diante da manutenção de um tom ainda bastante duro do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) na ata da última decisão, a sensação de que uma aceleração no ritmo de aperto se fará necessária a partir de novembro se consolidou no mercado. O cenário de uma elevação de 0,5 ponto na Selic na próxima decisão ganhou ainda mais adeptos e viu suas chances aumentarem no mercado, enquanto a autoridade monetária se mostrou atenta aos desafios do cenário inflacionário com uma economia que opera acima da capacidade e uma inflação corrente acima da meta.

No mercado de opções digitais, a probabilidade de uma elevação de 0,25 ponto na próxima reunião caiu levemente, ao passar de 18% para 17%, enquanto a chance de um aumento mais agressivo, de 0,5 ponto, subiu de 64% para 66%.

Cassiana Fernandez, do J.P. Morgan, passa a projetar Selic a 12% no fim do ciclo de aperto, em janeiro de 2025 — Foto: Ana Paula Paiva/Valor
Cassiana Fernandez, do J.P. Morgan, passa a projetar Selic a 12% no fim do ciclo de aperto, em janeiro de 2025 — Foto: Ana Paula Paiva/Valor

J.P. Morgan foi uma das casas a mudar a projeção ontem para contemplar uma Selic mais alta à frente. O banco abandonou a expectativa de mais três elevações de 0,25 ponto na Selic para abarcar um ritmo mais veloz de aperto em novembro e em dezembro, e um ciclo que termina com o juro básico em 12% em janeiro. Em relatório enviado a clientes, os economistas Cassiana Fernandez, Vinicius Moreira e Mirella Sampaio citam, em particular, a piora na percepção de risco fiscal e o alívio bastante contido do câmbio.

Na avaliação dos economistas do J.P. Morgan, as recentes notícias envolvendo a seara fiscal, em particular após o relatório bimestral de receitas e despesas, “colocam em questão a credibilidade do arcabouço fiscal e seus principais parâmetros visíveis, ou seja, o limite de gastos e a meta de resultado primário”.

Na ata, inclusive, o Copom deu mais espaço do que o usual na avaliação sobre a situação fiscal. Quando descreveu os fatores que impulsionam a demanda, o colegiado elencou a política fiscal expansionista. Em outro trecho da ata, destacou que uma política fiscal crível “embasada em regras previsíveis e transparência em seus resultados”, além de estratégias que reforcem o compromisso com o arcabouço fiscal nos últimos anos, são importantes para a ancoragem das expectativas inflacionárias e redução dos prêmios de risco nos ativos.

O Copom informou ainda que incorpora no seu cenário base uma desaceleração no ritmo de crescimento dos gastos públicos ao longo do tempo. A ata ressaltou também que “políticas monetária e fiscal síncronas e contracíclicas contribuem para assegurar a estabilidade de preços”.

“É um tom de preocupação e sabemos que isso tem aumentado ao longo do tempo, ainda mais com o hiato do produto [medida de ociosidade da economia] positivo. A ata serviu para detalhar melhor as posições do Copom”, diz a diretora de macroeconomia para Brasil da UBS Global Wealth Management, Solange Srour, ao observar as indicações sobre o quadro fiscal. “E é claro que isso leva a uma política monetária mais restritiva”, diz. Ela observa ainda que o mercado já trabalha com uma aceleração no ritmo de aperto e discute, até mesmo, uma alta de 0,75 ponto na Selic.

“O que ficou para o mercado, então, foi o questionamento de, se o BC está tão ‘hawkish’ [duro] em termos de atividade e piora da inflação e do fiscal, por que dar uma alta de 0,25 ponto?”, nota. Para Srour, a incerteza relatada pelo Copom para um início de ciclo mais gradual “não parece ser doméstica” e guarda relação com as condições externas, “o que é um pouco inconsistente com a frase de que não há relação mecânica entre a política do Fed e a do Brasil ou entre o câmbio e os juros”.

Uma aceleração do passo, assim, se mostra necessária. “O ritmo de 0,25 ponto é muito curto, muito pequeno. Acho natural que o mercado espere três altas de 0,5 ponto. Se vai ser suficiente ou não é uma coisa que vai depender muito do exterior. Dentro do campo doméstico, não vejo grande novidade que possa fazer o ciclo não ser muito agressivo”, defende Srour.

Felipe Sichel, da Porto Asset: ata mostra que opção do gradualismo pelo Copom foi para o início do ciclo de aperto — Foto: Ana Paula Paiva/Valor
Felipe Sichel, da Porto Asset: ata mostra que opção do gradualismo pelo Copom foi para o início do ciclo de aperto — Foto: Ana Paula Paiva/Valor

Na visão do economista-chefe da Porto Asset Management, Felipe Sichel, a ata mostra que o gradualismo escolhido pelo Copom foi circunscrito ao início do ciclo. Para ele, o início contido do ciclo de alta da taxa Selic está em linha com o cenário descrito pelo BC, que contempla uma atividade forte e pressão de alta sobre a inflação, além da percepção de que o juro neutro – aquele que não estimula nem contrai a atividade econômica – pode ter aumentado.

“A opção de gradualismo foi para o início do ciclo. Nosso cenário-base contempla, por ora, movimentos de 0,25 ponto, mas fica claro que o Copom está dependente dos dados”, diz o economista. De acordo com Sichel, a projeção da casa para a trajetória da Selic está sob avaliação, e ele deve aguardar pela divulgação do Relatório de Inflação, na quinta-feira, para ter mais clareza quanto ao cenário.

Ivo Chermont, da Quantitas, projeta Selic a 12,5% no fim do ciclo após tom mais duro utilizado pelo Copom — Foto: Leonardo Rodrigues/Valor
Ivo Chermont, da Quantitas, projeta Selic a 12,5% no fim do ciclo após tom mais duro utilizado pelo Copom — Foto: Leonardo Rodrigues/Valor

No caso da Quantitas, o economista-chefe Ivo Chermont passou a esperar três aumentos de 0,5 ponto no juro básico e um final de 0,25 ponto em março, o que levaria a Selic a 12,5%. Antes, a gestora projetava a taxa básica em 12%.

“As expectativas de inflação adicionaram uma preocupação, porque, depois de um Copom mais ‘hawkish’, e a mensagem de compromisso com a meta, ainda assim o Focus não cedeu”, diz Chermont, ao se referir à deterioração adicional das projeções de inflação divulgadas na segunda-feira. “Acho que parte da explicação vem do fiscal, que nessas últimas semanas tem sido um pouco pior”, argumenta.

O economista da Quantitas pondera ainda que a revisão de cenário da gestora não ocorre sob a perspectiva de novas informações ou avaliações, e sim pelo reconhecimento do próprio BC de que o hiato do produto está positivo e com o aumento da projeção de inflação dentro do horizonte relevante, de 3,2% para 3,5%.

Camila de Faria Lima, da Canvas: BC terá de acelerar ritmo de aperto dos juros — Foto: Silvia Costanti/Valor
Camila de Faria Lima, da Canvas: BC terá de acelerar ritmo de aperto dos juros — Foto: Silvia Costanti/Valor

Já no caso da economista-chefe da Canvas Capital, Camila de Faria Lima, a Selic deve subir a 12% no fim do ciclo, em janeiro de 2025. Para ela, a menos que a atividade econômica e a inflação arrefeçam rapidamente, o BC terá de acelerar o ritmo de aperto dos juros já na reunião de novembro do Copom.

“A menos que a gente veja já uma mudança na parte de atividade ou mesmo surpresas mais positivas na abertura da inflação, tendo a achar que o mais provável é acelerar o ritmo para 0,50 ponto”, diz Faria Lima. Em sua avaliação, a ata reiterou a “preocupação grande” do BC em reforçar o compromisso com o cumprimento da meta de inflação dentro do horizonte relevante da política monetária.

A demanda por mais gastos e a tentativa de deixar algumas despesas fora da meta fiscal — como a ampliação do auxílio-gás e o combate às queimadas — traz uma “sensação de perda de transparência que acaba sendo muito ruim”, argumenta a economista da Canvas. “O mercado não acredita que o governo vai buscar um resultado primário melhor para estabilizar a trajetória da dívida pública”, avalia. “Seria muito bom se a gente tivesse uma clareza e uma correção nessa história.”

De qualquer forma, ela não acredita que o BC deva acelerar o ritmo de aperto além das altas de 0,5 ponto projetadas por ela e precificadas pelo mercado no momento.