Diante da manutenção de um tom ainda bastante duro do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) na ata da última decisão, a sensação de que uma aceleração no ritmo de aperto se fará necessária a partir de novembro se consolidou no mercado. O cenário de uma elevação de 0,5 ponto na Selic na próxima decisão ganhou ainda mais adeptos e viu suas chances aumentarem no mercado, enquanto a autoridade monetária se mostrou atenta aos desafios do cenário inflacionário com uma economia que opera acima da capacidade e uma inflação corrente acima da meta.
No mercado de opções digitais, a probabilidade de uma elevação de 0,25 ponto na próxima reunião caiu levemente, ao passar de 18% para 17%, enquanto a chance de um aumento mais agressivo, de 0,5 ponto, subiu de 64% para 66%.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2021/6/6/117AkvR02i0wTxorbMlg/foto25bra-101-condi-a3.jpg)
O J.P. Morgan foi uma das casas a mudar a projeção ontem para contemplar uma Selic mais alta à frente. O banco abandonou a expectativa de mais três elevações de 0,25 ponto na Selic para abarcar um ritmo mais veloz de aperto em novembro e em dezembro, e um ciclo que termina com o juro básico em 12% em janeiro. Em relatório enviado a clientes, os economistas Cassiana Fernandez, Vinicius Moreira e Mirella Sampaio citam, em particular, a piora na percepção de risco fiscal e o alívio bastante contido do câmbio.
Na avaliação dos economistas do J.P. Morgan, as recentes notícias envolvendo a seara fiscal, em particular após o relatório bimestral de receitas e despesas, “colocam em questão a credibilidade do arcabouço fiscal e seus principais parâmetros visíveis, ou seja, o limite de gastos e a meta de resultado primário”.
Na ata, inclusive, o Copom deu mais espaço do que o usual na avaliação sobre a situação fiscal. Quando descreveu os fatores que impulsionam a demanda, o colegiado elencou a política fiscal expansionista. Em outro trecho da ata, destacou que uma política fiscal crível “embasada em regras previsíveis e transparência em seus resultados”, além de estratégias que reforcem o compromisso com o arcabouço fiscal nos últimos anos, são importantes para a ancoragem das expectativas inflacionárias e redução dos prêmios de risco nos ativos.
O Copom informou ainda que incorpora no seu cenário base uma desaceleração no ritmo de crescimento dos gastos públicos ao longo do tempo. A ata ressaltou também que “políticas monetária e fiscal síncronas e contracíclicas contribuem para assegurar a estabilidade de preços”.
“É um tom de preocupação e sabemos que isso tem aumentado ao longo do tempo, ainda mais com o hiato do produto [medida de ociosidade da economia] positivo. A ata serviu para detalhar melhor as posições do Copom”, diz a diretora de macroeconomia para Brasil da UBS Global Wealth Management, Solange Srour, ao observar as indicações sobre o quadro fiscal. “E é claro que isso leva a uma política monetária mais restritiva”, diz. Ela observa ainda que o mercado já trabalha com uma aceleração no ritmo de aperto e discute, até mesmo, uma alta de 0,75 ponto na Selic.
“O que ficou para o mercado, então, foi o questionamento de, se o BC está tão ‘hawkish’ [duro] em termos de atividade e piora da inflação e do fiscal, por que dar uma alta de 0,25 ponto?”, nota. Para Srour, a incerteza relatada pelo Copom para um início de ciclo mais gradual “não parece ser doméstica” e guarda relação com as condições externas, “o que é um pouco inconsistente com a frase de que não há relação mecânica entre a política do Fed e a do Brasil ou entre o câmbio e os juros”.
Uma aceleração do passo, assim, se mostra necessária. “O ritmo de 0,25 ponto é muito curto, muito pequeno. Acho natural que o mercado espere três altas de 0,5 ponto. Se vai ser suficiente ou não é uma coisa que vai depender muito do exterior. Dentro do campo doméstico, não vejo grande novidade que possa fazer o ciclo não ser muito agressivo”, defende Srour.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/3/N/MxVhkmScqPtjTpLIGKsA/150124felipe005.jpg)
Na visão do economista-chefe da Porto Asset Management, Felipe Sichel, a ata mostra que o gradualismo escolhido pelo Copom foi circunscrito ao início do ciclo. Para ele, o início contido do ciclo de alta da taxa Selic está em linha com o cenário descrito pelo BC, que contempla uma atividade forte e pressão de alta sobre a inflação, além da percepção de que o juro neutro – aquele que não estimula nem contrai a atividade econômica – pode ter aumentado.
“A opção de gradualismo foi para o início do ciclo. Nosso cenário-base contempla, por ora, movimentos de 0,25 ponto, mas fica claro que o Copom está dependente dos dados”, diz o economista. De acordo com Sichel, a projeção da casa para a trajetória da Selic está sob avaliação, e ele deve aguardar pela divulgação do Relatório de Inflação, na quinta-feira, para ter mais clareza quanto ao cenário.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2022/1/a/4bflrETLCyejsxpjcA1w/220517quantitas061.jpg)
No caso da Quantitas, o economista-chefe Ivo Chermont passou a esperar três aumentos de 0,5 ponto no juro básico e um final de 0,25 ponto em março, o que levaria a Selic a 12,5%. Antes, a gestora projetava a taxa básica em 12%.
“As expectativas de inflação adicionaram uma preocupação, porque, depois de um Copom mais ‘hawkish’, e a mensagem de compromisso com a meta, ainda assim o Focus não cedeu”, diz Chermont, ao se referir à deterioração adicional das projeções de inflação divulgadas na segunda-feira. “Acho que parte da explicação vem do fiscal, que nessas últimas semanas tem sido um pouco pior”, argumenta.
O economista da Quantitas pondera ainda que a revisão de cenário da gestora não ocorre sob a perspectiva de novas informações ou avaliações, e sim pelo reconhecimento do próprio BC de que o hiato do produto está positivo e com o aumento da projeção de inflação dentro do horizonte relevante, de 3,2% para 3,5%.
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2021/c/B/o1BWHpTw6DK8M6JdoViw/foto11fin-101-reper-c1.jpg)
Já no caso da economista-chefe da Canvas Capital, Camila de Faria Lima, a Selic deve subir a 12% no fim do ciclo, em janeiro de 2025. Para ela, a menos que a atividade econômica e a inflação arrefeçam rapidamente, o BC terá de acelerar o ritmo de aperto dos juros já na reunião de novembro do Copom.
“A menos que a gente veja já uma mudança na parte de atividade ou mesmo surpresas mais positivas na abertura da inflação, tendo a achar que o mais provável é acelerar o ritmo para 0,50 ponto”, diz Faria Lima. Em sua avaliação, a ata reiterou a “preocupação grande” do BC em reforçar o compromisso com o cumprimento da meta de inflação dentro do horizonte relevante da política monetária.
A demanda por mais gastos e a tentativa de deixar algumas despesas fora da meta fiscal — como a ampliação do auxílio-gás e o combate às queimadas — traz uma “sensação de perda de transparência que acaba sendo muito ruim”, argumenta a economista da Canvas. “O mercado não acredita que o governo vai buscar um resultado primário melhor para estabilizar a trajetória da dívida pública”, avalia. “Seria muito bom se a gente tivesse uma clareza e uma correção nessa história.”
De qualquer forma, ela não acredita que o BC deva acelerar o ritmo de aperto além das altas de 0,5 ponto projetadas por ela e precificadas pelo mercado no momento.