O mercado voltou a mostrar preocupação com o equilíbrio das contas públicas e embalou a terceira sessão consecutiva de estresse nos juros futuros, que alcançaram os maiores níveis do ano e se firmaram acima dos 12%. Houve uma frustração dos agentes com o relatório bimestral de receitas e despesas divulgado na sexta-feira, diante de uma redução na contenção total de R$ 15 bilhões anunciada em julho. E, diante da percepção de uma política fiscal menos austera que o esperado, os investidores exigiram prêmios de risco que afetaram não somente os juros futuros, mas também os mercados de câmbio e bolsa.
No pregão de sexta-feira, a piora na percepção de risco provocou forte estresse nos mercados, o que se intensificou ontem. A taxa do DI para janeiro de 2029 registrou um salto, ao passar de 12,31% para 12,475%, após ter ido a 12,575% na máxima da sessão. No mercado de câmbio, o dólar chegou a encostar em R$ 5,60, mas encerrou o dia negociado a R$ 5,5344, em alta de 0,25%, enquanto o Ibovespa recuou 0,38%, aos 130.568 pontos.
“A sinalização representada pela redução no esforço fiscal anunciado anteriormente, em meio a um déficit primário crescente, foi recebida negativamente pelos mercados, por sugerir uma propensão do governo a gastar o máximo permitido legal e tecnicamente pelo arcabouço fiscal, apesar da necessidade de ajustes estruturais e mais duradouros nas despesas”, avalia o economista-chefe para Brasil do Barclays, Roberto Secemski.
Para ele, o ceticismo do mercado doméstico neste momento não está tão relacionado ao cumprimento ou não das regras do arcabouço fiscal neste ano, mas guarda relação com uma baixa confiança dos agentes econômicos diante de “vulnerabilidades não endereçadas” e da “percepção de um compromisso fraco com a estabilização efetiva da dívida pública”.
A avaliação guarda semelhança com a do sócio e chefe da área de renda fixa da Ace Capital, Luiz Alberto Basqueira, para quem a piora dos mercados tem como principal razão “a desconfiança com o fiscal”. “O mercado já é cético há algum tempo com a política fiscal, mas, mais recentemente, algumas pequenas medidas e anúncios do governo se acumularam e lembraram os agentes de que existe uma dificuldade com as contas públicas”, diz.
Basqueira cita a iniciativa do Supremo Tribunal Federal (STF) em autorizar mais créditos extraordinários; o relatório de receitas e despesas da semana passada; e o anúncio do vale-gás, “que deve ser alterado pelo governo, mas, ainda assim, deixa uma cicatriz”.
“Isso acontece sob um pano de fundo muito ruim e diante de uma preocupação maior do mercado com a dívida/PIB. Duas coisas incomodam o mercado: a percepção de que o governo não tem disposição em entregar o superávit necessário para estabilizar a dívida; e o fato de que a meta atual pode ser entregue, mas somente com medidas do lado das receitas, com muitos ‘one-offs’… O mercado vê esse ajuste sendo feito com uma qualidade ruim”, avalia o gestor da Ace.
A esse ambiente fiscal negativo se soma, ainda, o início do ciclo de aperto monetário, com uma comunicação bastante dura adotada pelo Banco Central na semana passada. “E uma projeção alta [de inflação] no cenário de referência, o que indica para o mercado que o cenário de juros no modelo do Copom [que inclui alta de 1 ponto na Selic] vai ter de ser mais alto”, afirma Basqueira. Não por acaso, a Ace tem mantido em suas carteiras posições “tomadas” em juros, ou seja, aposta na alta das taxas futuras ao longo de toda a curva.
Além das taxas longas, que dispararam nos últimos dias, também os juros de curto prazo seguiram em alta firme, em um sinal de que o mercado continua a ver um ciclo de aperto cada vez mais intenso à frente. O Boletim Focus, inclusive, passou a mostrar já ontem uma Selic de 11,75% no fim do ciclo, em janeiro, enquanto o mercado já precifica uma taxa de 12,75% em meados do próximo ano.
Mas nem mesmo esse ambiente de disparada dos juros brasileiros tem dado apoio ao real. Apesar de um bom movimento de valorização na quinta-feira, a moeda brasileira foi duramente penalizada pelo aumento da percepção de risco nas duas últimas sessões.
“O fiscal continuou sendo o ‘nó górdio’, o problema insolúvel do país. O governo perdeu uma boa oportunidade de mostrar que está levando a sério a questão, não só no curto e médio prazo, mas de forma estrutural”, diz o chefe de câmbio da tesouraria da XP, Andrei Basilio.
Para ele, independentemente do número do relatório, o que pesa é a oportunidade perdida. “Você está vendo que o BC está lutando com um crescimento maior da economia que pressiona a inflação, o que o leva a subir juros; você está tendo uma arrecadação melhor, principalmente por conta de uma política fiscal mais expansionista, e isso está se refletindo na arrecadação. Então, esse era o momento de fazer o colchão, e não o contrário.”
Se não houver novas surpresas negativas na parte fiscal e o governo entregar o que promete a médio prazo, o real é uma boa aposta, na visão de Basilio. “Mas, no momento, fica um gosto amargo por conta do relatório bimestral, e isso ficou evidente na curva de juros.”
É nesse contexto que o gestor de renda fixa Maurício Bernardo, da Vinland Capital, diz achar “razoável” o aumento de prêmio no mercado, diante da frustração com o relatório de receitas e despesas.
Ele lembra que o momento já era de bastante pressão na curva de juros, à medida que o mercado se ajusta a um cenário de Selic mais alta. E, segundo Bernardo, os temores renovados do mercado com a política fiscal adicionam ainda mais incerteza ao quadro atual e levam os investidores a pensar se uma alta da taxa ainda mais forte que o 0,5 ponto precificado para novembro pode ser adequada.
“O prêmio de risco bate na taxa de câmbio e faz com que o mercado questione inclusive se não vai ser necessário um aperto [monetário] ainda mais célere. Se vai precisar de um aperto maior, por que não fazê-lo mais rapidamente? O mercado começa a colocar isso na conta”, diz o gestor da Vinland. Na semana passada, o mercado de opções digitais para a próxima reunião do Copom, em novembro, chegou a precificar uma chance minoritária de o BC aumentar a Selic em 0,75 ponto percentual.
Na visão de Bernardo, o mercado ainda tem espaço para adicionar mais prêmio à curva, seja pela expectativa de que o juro terá de subir ainda mais ou por conta do risco fiscal. “Se não tivermos notícias positivas no campo fiscal ou números mais benignos no campo da inflação e da atividade, é razoável que o mercado continue precificando um prêmio acima de 2,5 pontos”, diz, ao se referir ao nível de Selic que o mercado vê hoje no fim do ciclo.