Veículo: Valor Econômico
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Data: 18/09/2024

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Investimento da União cresce em 2024, mas segue insuficiente

Os investimentos do governo federal alcançaram nos sete primeiros meses de 2024 o maior patamar para o período desde 2016. Mas, segundo economistas ouvidos pelo Valor, ainda são insuficientes para, de maneira relevante, impulsionar o crescimento econômico ou garantir uma infraestrutura adequada para o país – tarefa que, de resto, cabe em sua maior parte ao setor privado, dadas as limitações fiscais do Brasil. Além disso, mesmo com o aumento recente, os valores investidos pela União seguem abaixo da média dos países desenvolvidos e continuam com pouca transparência.

Entre janeiro e julho deste ano, os investimentos da União alcançaram R$ 32 bilhões, o maior nível para o período desde 2016. Na ocasião, esses desembolsos atingiram R$ 36,8 bilhões. Os números, levantados pelo Valor na série histórica da Secretaria do Tesouro Nacional (STN), estão todos a preços de julho de 2024 e desconsideram inversões financeiras. Em relação ao mesmo período do ano passado, a alta foi de 31,8%.

Na primeira metade da década passada, os investimentos rodavam na casa dos R$ 50 bilhões anuais. Mas, com a necessidade crescente de medidas de ajuste das contas públicas, que levou à adoção do teto de gastos em 20216, e a dificuldade para cortar despesas obrigatórias, os ajustes fiscais da União foram realizados principalmente em cima de gastos discricionários – aqueles que podem ser cortados livremente, como os próprios investimentos. A rigidez orçamentária no Brasil, com mais de 90% de gastos obrigatórios, também impõe limites ao volume que o governo consegue investir.

Contabilmente os gastos estão lançados como investimentos, muita coisa acaba entrando nessa rubrica”
— Bruno Lavieri

Com isso, houve anos em que o volume investido pela União era insuficiente até mesmo para cobrir a depreciação da infraestrutura federal – o que não acontece mais, com o aumento dos desembolsos nos últimos anos.

A partir das aprovações da Emenda Constitucional (EC) da Transição, no fim de 2022, e do novo arcabouço fiscal para as contas da União, no ano passado, esses desembolsos voltaram a crescer. O arcabouço estabelece piso equivalente a 0,6% do Produto Interno Bruto (PIB) para os investimentos do governo federal.

Apresentado no fim de agosto, o Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA) de 2025 prevê que os investimentos precisarão alcançar pelo menos R$ 74,3 bilhões. Para este ano, o piso é de R$ 68,5 bilhões. Entram na conta os desembolsos do Novo Programa de Aceleração (PAC), lançado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) em 2023.

“Mas a gente continua com investimentos públicos muito baixos”, diz o coordenador do Centro de Política Fiscal e Orçamento Público do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), Manoel Pires.

Ele destaca que no ano passado esses desembolsos ficaram em 0,5% do PIB. Levando em conta os investimentos realizados por empresas estatais da União, que “no Brasil muitas vezes viram uma válvula de escape para gastos com infraestrutura”, ficam em 2% do PIB.

Já os desembolsos médios realizados pelas administrações federais dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) estão em torno de 3,5% a 4% do PIB – movimento que, “acumulado ao longo dos anos, dá uma diferença muito grande em termos de estoque de capital” entre o Brasil e os países desenvolvidos.

“O caso brasileiro é especialmente grave, porque a gente tem uma infraestrutura muito precária. Outros países não possuem tanta necessidade de investimento”, diz também José Ronaldo de Souza Jr, economista-chefe e sócio da Leme Consultores e professor do Instituto Brasileiro de Mercado de Capitais (Ibmec).

Embora os economistas ouvidos pelo Valor defendam que a maior parte dos investimentos venham do setor privado, também afirmam que, muitas vezes, aportes da União são necessários para viabilizar projetos. Souza Jr cita como exemplo a BR-381. Leiloada em agosto pela União, a BR-381 é conhecida como “Rodovia da Morte” e tem obras de alto grau de dificuldade técnica. O leilão estabeleceu que, de um total de 296 quilômetros, 31 quilômetros serão duplicados pelo próprio governo federal.

Embora reconheçam a necessidade de expandir investimentos, os analistas destacam a importância de manter as atuais regras do arcabouço fiscal como forma de evitar maiores desequilíbrios no caixa da União. Atualmente, a dívida bruta do governo geral (DBGG), considerada por diversos economistas como o principal indicador de estoque do endividamento da União, está em 78,5% do PIB, segundo o Banco Central. O número representa alta de 6,8 pontos percentuais desde o início do terceiro mandato do presidente Lula.

Além disso, é praticamente unanimidade entre especialistas em contas públicas neste momento que o indicador continuará em alta nos próximos anos. A Instituição Fiscal Independente (IFI), órgão de monitoramento da política fiscal ligado ao Senado, calcula em seu cenário principal que a DBGG alcançará 100,6% do PIB em 2034.

Um terceiro agravante é que o indicador já parte no Brasil de um patamar maior, em relação à grande parte dos emergentes. Conforme divulgado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) em março, a dívida bruta do Brasil é mais de 15 pontos superior à média dos países emergentes, só ficando abaixo de Egito, Ucrânia e China.

“Está todo mundo olhando a dívida pública do Brasil com uma lupa”, diz Margarida Gutierrez, professora do Instituto de Pós-Graduação e Pesquisa em Administração da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppead/UFRJ), para quem a União “está usando o cheque especial o tempo todo”.

Na avaliação dos economistas ouvidos pelo Valor, a principal maneira de abrir espaço dentro do arcabouço para ampliar os investimentos seriam mudanças nas regras para as despesas obrigatórias da União. Entre as opções sugeridas, estão desvinculação de benefícios previdenciários e assistenciais dos reajustes do salário mínimo, correção do mínimo apenas pela inflação, sem altas reais, e alterações nos pisos constitucionais para gastos com saúde e educação, hoje atrelados à receita. De janeiro a julho, a despesa total da União foi de R$ 1,325 trilhão, mas só R$ 32 bilhões foram para o investimento.

Conforme o Valor publicou nas últimas semanas, a equipe econômica debate mudanças nas regras de diversas fontes de pressões de gastos obrigatórios, como seguro-desemprego, Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS), abono salarial, Simples Nacional e Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb). As sugestões só devem ser apresentadas formalmente depois das eleições municipais.

“Um país que possui despesas públicas tão elevadas não pode ter os gastos mais relevantes em termos de externalidades (espécie de efeitos secundários positivos para a economia e o bem-estar) tão baixos”, diz Souza Jr, a respeito dos investimentos.

“Toda vez que o Brasil cresce um pouco mais, começa a faltar porto, aeroporto, saneamento, rodovia, ferrovia”, afirma Gutierrez.

Um problema adicional apontado é a falta de transparência dos investimentos da União. Entram nos investimentos divulgados mensalmente pela STN as emendas parlamentares, que vêm sendo objeto de discussão entre Executivo, Legislativo e Judiciário justamente pela falta de transparência.

“Contabilmente os gastos estão lançados como investimentos, mas muita coisa acaba entrando nessa rubrica”, diz Bruno Lavieri, economista-chefe e sócio da 4intelligence.