Veículo: Valor Econômico
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Data: 11/09/2024

Editoria: Shopping Pátio Higienópolis
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Eventual alta de juros será mal explicada

Enquanto os membros do governo mencionam que as políticas públicas e uma alegada responsabilidade fiscal contribuíram para os fortes números do PIB do 2º trimestre, a maioria dos analistas afirma que os fatores indutores do maior crescimento são provisórios e, portanto, a economia tende a desacelerar. Independentemente da visão, não será surpresa se a expansão deste ano superar os 2,9% de 2023.

Para muitos, o forte crescimento sacramenta a necessidade de aumento da taxa Selic a partir de setembro. Não estou, porém, convencido. A leitura só faria sentido se acompanhada de alta significativa das previsões de expansão da economia no próximo ano. No entanto, esse ainda não é o caso. As projeções do Focus para o crescimento de 2024 aumentaram de 2,48% na semana anterior à divulgação do PIB para 2,68%, enquanto as de 2025 variaram de 1,85% para 1,9%. Como a maioria dos analistas projeta desaceleração a partir deste semestre, é razoável esperar redução das pressões inflacionárias em 2025, o que torna questionável a necessidade de elevação dos juros por esse motivo.

A calibração dos juros com base no hiato do produto se tornou mais desafiadora, por conta da maior incerteza sobre o crescimento potencial e sobre as razões das repetidas subestimativas da expansão da economia. A menos de uma firme confiança sobre um crescimento nos próximos anos muito diferente do intervalo de 1% a 2%, é prematuro ter convicção sobre o hiato do produto e seu efeito inflacionário. Dessa forma, o Banco Central (BC) precisa se ater mais à análise dos outros determinantes da inflação para construir um cenário menos duvidoso para os preços. Não é uma tarefa simples, pois o funcionamento desses canais também se tornou mais incerto.

BC enfrenta restrições para alegar que ações do governo e desancoragem da inflação justificam a retomada do aperto
Na frente fiscal, a previsão de déficit primário em 2025 e 2026 é similar ou menor do que a de 2024. Ou seja, a dinâmica das contas públicas não sugere maior pressão inflacionária pelo canal fiscal, ainda mais assumindo que o desequilíbrio fiscal será resolvido em algum momento futuro. Como a maioria dos analistas e o Copom defendem que a política monetária se encontra no campo contracionista, é questionável se a elevação dos juros por questões fiscais é necessária agora.

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Do mesmo modo, a explicação para a alta dos juros por pressões inflacionárias geradas pelo apertado mercado de trabalho parece mal colocada. Os dados na margem e os indicadores de inflação relacionados à intensidade de trabalho mostram diminuição dessas pressões. Ademais, a previsão de desaceleração da atividade é compatível com o desaquecimento do mercado de trabalho e, portanto, menor pressão inflacionária. Nesse caso, não se justifica o início de um aperto monetário no momento.

Mesmo com o início do afrouxamento monetário em importantes economias e a deflação na China, a fragilidade desses argumentos a favor da alta de juros não significa que o aperto monetário seja equivocado, ainda mais se o BC quiser convergir a inflação para o centro da meta de forma tempestiva. Nesse caso, o aumento da taxa Selic pode ser justificado pela desancoragem crescente das projeções de inflação para 2025 e pela manutenção das previsões para anos seguintes acima de 3%. Além disso, a menos que os números dos próximos meses recuem, a projeção do Focus de inflação IPCA para 2026 de 3,6% tende a aumentar quando os analistas passarem a dedicar mais atenção ao cenário para os próximos dois anos.

A não convergência da inflação para a meta também se deve ao comportamento do setor público, com maior dirigismo do Estado, intervenção em estatais, expansão de renúncias tributárias, forte descontrole orçamentário e crescente captura do Estado por servidores e grupos privilegiados. Várias medidas esdrúxulas do governo pressionam a inflação, como intervenção nos preços, desejo de interferência nas decisões operacionais de empresas mesmo que privadas, volta da imposição da compra pela Petrobras de navios produzidos domesticamente e financiamento do BNDES para aquisição de bens locais por preços superiores aos da oferta externa.

Nos anos 2010, essas políticas contribuíram para uma maior inflação e um crescimento praticamente nulo, com recessão em quase todos os trimestres entre 2014 e 2016. Mesmo assim, membros do governo estão convencidos de que as atuais medidas são melhor desenhadas e de que terão desempenho diferente. Não parece, porém, uma boa estratégia apostar que “desta vez será diferente”, pois as distorções estão na contramão da ampliação do crescimento potencial e do aumento da eficiência. A consequência dessas escolhas é clara: maior alta de preços e dificuldade para manter a inflação na meta.

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O BC enfrenta, porém, restrições para alegar que algumas ações do governo e a desancoragem da inflação justificam a retomada do aperto monetário. A mais nítida advém de questões políticas. Em geral, os bancos centrais evitam críticas diretas às decisões do governo, mesmo quando são fontes evidentes de pressão inflacionária. Nesse caso, a alta de juros não é atribuída diretamente às verdadeiras causas da inflação, e sim aos fatores resultantes dessas más políticas.

Uma outra razão para utilizar justificativas mais frágeis está associada à dificuldade dos bancos centrais de reconhecer erro na gestão monetária, em parte por conta da preocupação infundada com a perda de credibilidade da instituição. No atual momento, porém, seria muito estranho atribuir o início da alta de juros à desancoragem da inflação sem reconhecer que o afrouxamento monetário iniciado em 2023 foi precipitado, pois as previsões para os anos seguintes já se encontravam em 3,5%.

Em suma, como o Copom tem dificuldade de apontar que as políticas do governo são ruins e inflacionárias e de reconhecer seus próprios erros, as justificativas para explicar um eventual início da alta da taxa Selic serão, provavelmente, questionáveis, ainda mais com a maioria dos bancos centrais de importantes regiões iniciando o afrouxamento monetário e com a disseminação da deflação na China.

Nilson Teixeira, Ph.D. em economia, escreve quinzenalmente neste espaço.