O Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) endureceu ainda mais o tom de sua comunicação na ata da decisão da semana passada e afirmou que, caso julgue apropriado, “não hesitará em elevar a taxa de juros para assegurar a convergência da inflação à meta”. O apontamento direto de que uma elevação na Selic está sobre a mesa agitou o mercado de juros, com uma disparada das taxas de curto prazo, que voltaram a embutir nos preços chances ainda maiores de uma retomada do ciclo de aperto monetário à frente.
No fim da sessão de ontem, a curva de juros passou a precificar uma alta de 0,25 ponto percentual na Selic em setembro e a taxa básica a 11,5% no fim deste ano. No mercado de juros, a taxa do DI para janeiro de 2026 disparou, ao passar de 11,23% no ajuste de segunda-feira para 11,55% no encerramento dos negócios de ontem.
“As expectativas vêm piorando com o tempo e o tom mais duro por parte do comitê, que já era esperado que acontecesse na decisão de semana passada, veio hoje [ontem], com a ata. A subida no tom, diante da piora das expectativas de inflação, nos faz pensar que o sarrafo para uma eventual alta de juros em breve está baixo”, diz o gestor de renda fixa Maurício Bernardo, da Vinland Capital. Para ele, inclusive, é possível que uma elevação no juro básico possa ocorrer já em setembro, a depender da evolução do cenário.
“Minha impressão é de que o comitê parece incomodado com esses níveis das expectativas de inflação e do câmbio, que pode contribuir para que elas piorem ainda mais. Isso, possivelmente, levaria a um novo ciclo de aperto monetário em breve”, avalia Bernardo. “É o nosso cenário base: uma alta de juros já em setembro. Claro que o tamanho inicial do ajuste vai depender da magnitude de piora das expectativas ao longo do horizonte relevante”, diz o gestor, ao apontar, ainda, que um ciclo de elevação dos juros de 2 pontos percentuals “é razoável”.
Antes da decisão do Copom, algumas poucas casas já trabalhavam com uma elevação na Selic no cenário base ainda neste ano ou ao longo de 2025 — casos de JGP, XP Asset Management, Reag Investimentos e Novus Capital.
Na ata, o Copom, além de ser explícito sobre uma elevação nos juros, também adotou outros elementos que foram vistos como mais duros pelos participantes do mercado. De acordo com o colegiado, embora haja em curso um processo de desinflação, a projeção para o horizonte relevante está acima da meta de 3% (em 3,2% no primeiro trimestre de 2026).
Além disso, o comitê discutiu os efeitos da desancoragem das expectativas inflacionárias e da taxa de câmbio, que poderão ser incorporados caso se mostrem persistentes. E, em um terceiro ponto, os membros do Copom concordaram que há mais riscos para cima do que para baixo em relação à inflação, enquanto “vários” enfatizaram a assimetria do balanço de riscos.
Na avaliação do economista-chefe da Occam, Paulo Val, é inegável que a comunicação utilizada na ata foi mais dura e conservadora. “Por enquanto, não alteramos nossas projeções, mas o cenário alternativo de alta da Selic ganhou probabilidade depois desta comunicação”, afirma. No momento, a gestora projeta que o juro básico será mantido em 10,5% ao menos até o fim do próximo ano.
Val aponta que o Copom passou de um cenário no qual o BC não tinha sinalização futura – o que poderia ser compatível com corte, uma alta, ou estabilidade da taxa de juros – para um cenário em que ele apresenta apenas duas alternativas. “O cenário principal é o de estabilidade, mas há um cenário alternativo de elevação dos juros. O Copom fala diversas vezes de cautela e vigilância. É muito claro o teor geral mais conservador da comunicação”, afirma o economista.
Mesmo assim, pelo texto do documento, ainda parece que o cenário base do Copom é o de manutenção da Selic por um período prolongado, até a convergência da inflação para a meta de 3%, caso as variáveis se mantenham como estão atualmente, na visão de Val. “A informação nova é que a piora de cenário, que poderia desencadear uma elevação da Selic, não precisaria ser tão grande. Parece que estamos bem próximos”, avalia.
“A projeção de inflação no cenário alternativo, com a Selic parada, está em 3,2% no horizonte relevante, o que parece o limite. É um BC que mostra que existe menos gordura em relação a uma eventual necessidade de aperto monetário”, diz o economista da Occam.
Ao longo da sessão, diversas instituições financeiras passaram a trabalhar com viés de alta em relação às projeções para a Selic. Foi o caso do Citi, ao dizer que os riscos para as estimativas de Selic “estão, agora, inclinados para cima”.
Já os economistas do Itaú Unibanco, liderados pelo ex-diretor do BC Mario Mesquita, avaliam que a autoridade monetária está pronta para aumentar a Selic se necessário. “O comitê observa a clara deterioração das perspectivas de inflação, capturada por suas projeções e por um balanço de riscos que, segundo vários membros do Copom, está assimétrico para cima. Em suma, a ata mostra um comitê que está pronto para subir juros caso a moeda permaneça onde está”, dizem.
Esse cenário, contudo, ainda não é defendido pelo Itaú. O banco projeta um fortalecimento do real nas próximas semanas, na medida em que os mercados globais se acalmem. Assim, o Itaú continua a projetar a Selic parada em 10,5% ao menos até o fim do próximo ano, mas alerta que, se o câmbio não reagir, “um ciclo de alta, começando em setembro, será inevitável”.
Ao contrário das outras instituições financeiras, o J.P. Morgan revisou suas estimativas para os rumos da Selic e passou a projetar um corte de 1 ponto percentual ao longo de 2025, ao levar em consideração o processo de flexibilização da política monetária global. Antes, a estimativa dos economistas do banco, liderados por Cassiana Fernandez, era a de que o juro básico permaneceria em 10,5% até o fim de 2025.
“Embora reconheçamos que os fatores internos sejam preponderantes à flexibilização monetária global, não podemos subestimar a importância das perspectivas globais para os mercados emergentes, especialmente para aqueles que são tão integrados financeiramente, como o Brasil”, afirmam os economistas do J.P. Morgan.
Nesse contexto, diante da perspectiva de que o Federal Reserve (Fed, banco central americano) vai reduzir os juros de maneira mais agressiva nos EUA – cortes de 0,5 ponto nas duas próximas reuniões e outros sequenciais de 0,25 ponto ao longo de 2025, levando os Fed funds para perto dos 3% -, o J.P. vê espaço para que a Selic termine o próximo ano em 9,5%, embora alerte que “o caminho da flexibilização monetária não é simples e o nível de incerteza é alto”.
“As consequências dessa mudança [de política monetária nos EUA] são duas. Em primeiro lugar, ela aumenta nossa convicção por taxas estáveis no curto prazo – o que contrasta com a precificação do mercado de um aumento de mais de 1,2 ponto percentual nos próximos 12 meses. Em segundo lugar, abre espaço para discutir a postura relativa de política monetária e um ciclo de flexibilização à frente”, afirmam os economistas do banco americano em relatório enviado a clientes.
Para eles, ao longo do tempo e sem mais nenhuma deterioração significativa na gestão da política fiscal – e também com a suposição de estímulos fiscais mais brandos e crescimento menor no próximo ano -, o J.P. Morgan avalia que o próximo passo do Copom será o de corte de juros. “Estamos trabalhando agora com uma flexibilização de 1 ponto percentual a partir de junho”, dizem os profissionais.