O comunicado da reunião de ontem do Comitê de Política Monetária (Copom) mostrou um Banco Central (BC) mais vigilante com a deterioração fiscal e seus efeitos sobre o câmbio, ainda que o colegiado não tenha indicado de forma clara a possibilidade de elevar a Selic no curto prazo, avaliam participantes do mercado ouvidos pelo Valor.
No documento em que anunciou a taxa Selic no patamar de 10,5% pela terceira reunião seguida, o colegiado adicionou mais um fator de alta para o seu balanço de riscos inflacionários e deu maior ênfase à resposta negativa do mercado à agenda fiscal do governo.
Para Nelson Rocha Augusto, economista e presidente do Banco Ribeirão Preto (BRP), o cenário atual exigia “contorcionismo” do BC, uma vez que inícios e fins de ciclo tendem a ser complexos e a pressão do governo dificultou mais a atuação da autarquia. Desta forma, ele considera o comunicado “equilibrado”.
O medo do Copom é fazer um movimento que tenha que reverter muito rapidamente”
— Luciano Sobral
“Embora o balanço de riscos agora esteja quantitativamente assimétrico para o lado negativo, a forma como o texto foi escrito passa segurança de que o BC entende que o nível atual dos juros é adequado e que o colegiado tem confiança para fazer o que precisa ser feito”, avalia.
Alexandre Manoel, economista-chefe da AZ Quest, concorda que a postura do Copom foi adequada dado o cenário atual em que a política fiscal segue incomodando o mercado e provocando uma deterioração das expectativas que recai, principalmente, sobre o câmbio.
“O BC teve uma comunicação precisa: se a política fiscal não reagir, [o próprio BC] vai ter que agir”, diz Manoel. Na sua visão, um aumento de juros não pode ser descartado e o futuro da política monetária vai depender amplamente das ações do governo e da resposta do mercado.
Na mesma linha, Luciano Sobral, economista-chefe da Neo Investimentos, considera que o câmbio será o “árbitro” das próximas decisões do Copom. Para ele, o colegiado mostrou “serenidade” ao evitar reação exagerada aos movimentos do mercado, o que pode decepcionar parte dos agentes, que esperavam uma comunicação mais dura.
“O medo do Copom é fazer um movimento que tenha que reverter muito rapidamente. O juro ainda está alto em termos reais e o Brasil está totalmente na contramão do mundo [na política monetária]”, diz Sobral.
Ainda que tenha ficado aquém de uma parcela das expectativas de investidores, o comunicado mostrou elementos suficientes para ser considerado mais duro do que o anterior, da reunião de junho, diz Adauto Lima, economista-chefe da Western Asset. “Pode ter ficado um pouco aquém do que alguns esperavam, principalmente na questão de deixar claro que o balanço de risco é assimétrico, mas há sim uma mudança de visão do Banco Central sobre a dinâmica inflacionária prospectiva”, diz.
Marcelo Fonseca, economista-chefe da Reag Investimentos, era um dos participantes do mercado que esperavam uma postura mais dura do Copom já na decisão de ontem. Para ele, as condições atuais pediam um tom mais conservador no comunicado.
“O Copom indicou um nível de vigilância maior, principalmente em relação às expectativas de inflação e à depreciação recente do câmbio, mas não contratou alta de juros”, diz. “Um exemplo disso é que o cenário alternativo do BC, com Selic parada, ainda tem projeção ao redor da meta [de 3,2% em 2026]”, avaliou Fonseca, que mantém a sua projeção de Selic a 11,5% no fim de 2024 e a 12,5% no fim de 2025. Para ele, a dinâmica fiscal e um cenário global não muito melhor vão se impor e obrigar o BC a subir juros em setembro ou novembro.
De previsão mais otimista, Manoel, da AZ Quest, acredita que o BC terá espaço para cortar a Selic em 1,5 ponto percentual em 2025, terminando o ano que vem no patamar de 9%. No entanto, ele ressalta que seu cenário base depende de um conjunto de fatores que inclui a melhora da percepção fiscal e cortes de juros nos Estados Unidos.