O plano de recuperação judicial da Americanas chega à reta final nesta semana, um ano e meio depois de as negociações entre acionistas e credores terem começado. O desfecho contempla uma série de passos quase simultâneos para os pagamentos de dívidas, num desenho elaborado de forma que o compromisso das partes de não litigar passe a valer de forma definitiva.
A Americanas entrou em recuperação judicial em 19 de janeiro de 2023, oito dias depois da revelação de uma fraude contábil hoje estimada em R$ 25 bilhões.
O primeiro evento desse passo a passo é a homologação do aumento de capital da companhia, prevista para ocorrer na quinta-feira (25). Os acionistas de referência – Jorge Paulo Lemann, Carlos Alberto Sicupira e Marcel Telles – farão um aporte de R$ 12 bilhões, que inclui dinheiro novo e conversão de empréstimos feitos à varejista na modalidade DIP (sigla para “debtor-in-possession”), usada para empresas em recuperação. De outro lado, serão convertidos R$ 12 bilhões em dívidas dos bancos credores, o que fará deles acionistas da Americanas.
A conta que cabe ao trio de empresários não será distribuída igualmente entre eles. Como o Valor já noticiou, Sicupira bancará a maior parte da conta – mais de R$ 7 bilhões -, já que a Americanas sempre foi um negócio acompanhado de perto por ele, que inclusive faz parte do conselho de administração.
Embora seja muito provável que a homologação ocorra no dia 25, essa é uma estimativa. Com o plano aprovado e os ajustes feitos nele na semana passada, é possível que o documento seja apresentado pelo juízo ao Ministério Público antes desse passo, o que pode jogar essa data mais para a frente.
Feita a homologação, o acerto então começa a ser liquidado. Primeiro, as novas ações são emitidas e as dívidas convertidas. Na sequência, serão pagos R$ 2,04 bilhões aos credores que venderam dívidas com descontos de até 73% num leilão reverso realizado em abril.
Depois disso, a Americanas fará uma emissão de debêntures no valor de R$ 1,875 bilhão, com séries em reais e em dólares. Os papéis terão vencimento em cinco anos e carência de 24 meses. Os títulos serão usados para trocar dívidas antigas.
A última etapa é o chamado “downpayment”, ou seja, o pagamento em dinheiro da dívida remanescente com deságio. Nessa etapa, está previsto o desembolso de R$ 6,7 bilhões. Esse dinheiro virá diretamente do aumento de capital e sequer passará pelo caixa da empresa. AS dívidas trabalhistas e aquelas com fornecedores já foram pagas no primeiro semestre, com dinheiro da companhia.
Recuperação envolve reestruturação de R$ 50 bilhões em dívidas, incluindo compromissos dentro do grupo
Todas as etapas de pagamentos que faltam serão feitas de maneira concomitante. Segundo fontes que acompanham a negociação ouvidas pelo Valor, dificilmente será tudo pago num dia só, mas a ideia é reduzir descasamentos temporais a quase zero. Esse fator é importante porque elimina os riscos no acordo assumido entre credores e acionistas de não litigar.
Para fechar o acordo de recuperação judicial da companhia, no fim do ano passado, os dois lados se comprometeram a não mover ações uns contra os outros. Até ali, alguns bancos se movimentavam na Justiça para processar acionistas e conselheiros caso se encontrasse algum sinal de que participaram ou sabiam da fraude. O acerto não elimina, mas reduz drasticamente as chances de uma eventual responsabilização.
Até agora, tanto a varejista quanto investigações do Ministério Público e da Polícia Federal sustentam que o esquema de maquiagem dos balanços foi feito pela antiga diretoria, sem que o conselho soubesse. Os inquéritos ainda estão em curso. Na semana passada, a Americanas informou ter recebido o relatório do comitê independente contratado por ela para investigar os problemas. O documento ainda não foi divulgado, mas a varejista sinalizou que o trabalho corrobora a tese de fraude cometida por ex-diretores.
A recuperação da Americanas envolve a reestruturação de R$ 50 bilhões em dívidas, incluindo compromissos entre empresas do próprio grupo.
As bases do acordo foram costuradas inicialmente com os principais bancos credores – Bradesco, Itaú Unibanco, Santander, BTG Pactual e Safra – e depois estendidas aos demais.
Um batalhão de advogados de todas as partes trabalhou na operação. Executivos seniores dos bancos e, em alguns momentos, os presidentes dessas instituições atuaram nas negociações. O banco de investimentos Rothschild assessorou a Americanas, assim como o escritório Barbosa, Müssnich e Aragão. A diretora financeira, Camille Loyo, foi a principal interface da empresa com os credores. Roberto Thompson, sócio de Lemann, Telles e Sicupira, foi o negociador em nome dos acionistas de referência. A representação jurídica deles foi feita pelos escritórios Wald, Antunes, Vita e Blattner e Eskenazi Pernidji. O Pinheiro Neto foi o ponto centralizador das conversas entre os bancos e a empresa.