As rotineiras críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao Banco Central e aos juros altos, que parecem encontrar eco na população segundo pesquisas recentes, tendem a pressionar as condições financeiras, afetando, por exemplo, o câmbio. As consequências, por sua vez, são sentidas pela população em um acesso mais restritivo a crédito, uma inflação mais alta – que pode até demandar juros ainda mais elevados por parte do BC – e, no fim, uma atividade mais fraca, com ambiente de negócios menos favorável e desemprego maior.
Pesquisa da Quaest encomendada pela Genial Investimentos e divulgada na semana passada mostrou que, para 66% dos entrevistados, Lula está certo ao criticar a política de juros do BC. Lula também andou dando declarações vacilantes sobre a perspectiva de corte de gastos públicos.
A maioria dos economistas atribui a depreciação exacerbada do real ante o dólar a essas declarações. A gestora Kapitalo, por exemplo, diz em sua carta mensal que “seguidas declarações do Presidente da República geraram percepção de que o governo não está caminhando na direção de um ajuste fiscal”, ao mesmo tempo em que as contas externas também aprapresentaram deterioração. “Com isso, a taxa de câmbio acentuou a tendência de desvalorização na qual estava desde o início do ano.”
Para 53% dos entrevistados da Quaest, no entanto, as declarações de Lula não contribuíram para a alta recente do dólar.
Matéria do Valor mostrou, porém, que, no dia 26 de junho, por exemplo, o dólar abriu em R$ 5,4679 às 9h, estava em R$ 5,4799 às 9h20, quando Lula começou a dar uma entrevista ao portal Uol, e às 10h30, quando a entrevista terminou, bateu R$ 5,5186. Na entrevista, Lula disse que o problema do país “é saber se precisa efetivamente cortar ou se precisa aumentar a arrecadação”, levantando dúvidas no mercado sobre o compromisso do governo com o equilíbrio fiscal.
Além do câmbio, naquele dia, no mercado de juros, as taxas de longo prazo – mais relevantes na hora de calcular os custos de empréstimos, por exemplo – voltaram a ser pressionadas: a do DI para janeiro de 2029, por exemplo, passou de 11,915% para 12,055%. O estresse se tornou tamanho que, segundo os preços extraídos pela curva de juros, o mercado embute uma alta da Selic ainda neste ano, o que não está no cenário, por ora, da maioria dos analistas.
“Todo mundo acompanha o câmbio. É um farol para a população. Mas, para olhar o efeito disso tudo na economia real, precisamos observar as condições financeiras”, diz Daniel Xavier, economista-chefe do banco ABC Brasil.
Condições financeiras dizem respeito a uma série de variáveis que, no fundo, refletem a facilidade de acesso a crédito, o apetite de empresas para investir e a disposição de consumo. São medidas de preços (commodities, petróleo e câmbio) e de mercado (índices de bolsas nacionais e internacionais, medidas de risco-país e taxas de juros aqui e no exterior).
“As condições financeiras continuam no terreno restritivo, mas menos do que no fim do ano passado, porque, com o ciclo de cortes, a Selic arrefeceu. Esses ruídos de curto prazo, no entanto, afetam câmbio e bolsa e implicaram levar as condições financeiras para uma área mais restritiva”, diz Xavier.
A piora nas condições financeiras pode ser sentida mais rapidamente no crédito, segundo Flávio Serrano, economista-chede do banco Bmg. “Os bancos vão segurando as concessões mesmo que tenha demanda”, afirma.
Além disso, mesmo que haja um ciclo de corte da Selic – o que já não é mais o caso -, as taxas de juros dos empréstimos podem até mesmo subir com piores condições de mercado, aponta Serrano. “O custo do financiamento fica mais caro e, naturalmente, há uma redução do crédito também pelo lado da demanda”, afirma.
Os bancos vão segurando as concessões mesmo que tenha demanda”
— Flávio Serrano
Outro meio de transmissão das condições financeiras à “economia real”, segundo Serrano, é pelo canal das expectativas. Se expectativas dos agentes econômicos pioram, eles começam a tomar decisões mais conservadores. Daí a piora, por exemplo, no câmbio que, à frente, pode impactar também a inflação.
Esse repasse não é imediato. No caso de bens comercializáveis, por exemplo, pode levar de quatro a seis meses, segundo Serrano. Mas os efeitos podem se estender por quase um ano, diz. “Depende também de o dólar se estabilizar em patamar mais alto; os movimentos, às vezes, são temporários.”
Nas simulações da ACE Capital, com uma taxa de câmbio de R$ 5,70 por dólar e considerando deterioração adicional das expectativas de inflação, os modelos do BC já indicariam, por exemplo, que deixar a Selic estável em 10,5% ao longo de 2025 não seria suficiente para trazer a inflação para o centro da meta, de 3%.
Economistas notam que, após bater R$ 5,70 por dólar, o câmbio tem tido dificuldade de retornar ao patamar anterior a essa esticada. “Se ficar em R$ 5,40, daqui uns três, quatros meses, vamos começar a sentir no preço”, diz Serrano.
Por enquanto, porém, o que a população pode estar sentindo mais é a inflação comportada e a taxa de desemprego em mínimas históricas. A combinação dessas duas taxas forma o que os economistas chamam de “índice de miséria”. Segundo Sergio Vale, economista-chefe da MB Associado, esse índice estava ao redor de 11 pontos em maio – no ano passado, era quase um ponto maior (11,9). O “índice de miséria” atual também é menor que o de 2010 (13,4), quando Lula encerrou seu segundo mandato com mais de 80% de aprovação, segundo o Datafolha.
Na pesquisa da Quaest, a aprovação de Lula aumentou de 50% em maio para 54% agora. A economia ainda é o principal problema do país para 21% dos entrevistados, mas um ano atrás esse número era de 31%. Entre os que ganhavam até dois salários mínimos, 37% disseram que a economia melhorou nos últimos 12 meses, enquanto no conjunto da população 36% indicaram que piorou.
“Tem outras variáveis que influenciam a atividade, como o reajuste do salário mínimo, que afeta massa salarial. Isso não está no índice de condições financeiras, mas está no dia a dia da população”, diz Xavier. “O dólar está para cima, mas, no bolso das pessoas, tem transferência do governo, desemprego baixo, sensação de inflação corrente controlada. O que importa para a população é renda real.”
Sem uma melhora nos preços dos ativos domésticos, no entanto, as condições de crédito serão piores nos próximos meses e haverá “rápida deterioração dos dados econômicos correntes”, alerta Alexandre Manoel, economista-chefe da AZ Quest, na carta mensal.
“O governo Lula 3 tem tido bom desempenho em termos de atividade econômica, desemprego e inflação, apresentando números melhores do que inicialmente previstos pelo mercado. Todavia, não tem conduzido de maneira eficiente as expectativas, de forma a gerar clareza ou previsibilidade de como se comportará até dezembro de 2026”, afirma.