Veículo: Época Negócios
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Data: 19/06/2024

Editoria: Sem categoria
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Corporate Venture Capital: quatro tendências para esse mercado no Brasil nos próximos anos

Estudos apontam que apenas um a cada três fundos corporativos de capital de risco passam do terceiro ano de existência. A explicação está na lógica da curva J: em geral, os retornos iniciais do investimento caem antes de subir ao longo de um período de dez anos. “Nessa fase inicial, o impacto estratégico é incerto. Nesse processo, os menos pacientes decidem mudar a gestão e a estratégia do programa para acelerar resultados, e muitas vezes encerram a experiência antes que os retornos possam ser vistos”, afirma James Mawson, fundador do Global Corporate Venturing Institute, organização que monitora o ecossistema de inovação aberta corporativa no mundo.

Corporate Venture Capital: quatro tendências para esse mercado no Brasil nos próximos anos

O futuro do cenário brasileiro de corporate venture capital exigirá, portanto, resiliência. Uma parcela ínfima, equivalente a 5% dos fundos de corporate venture capital no Brasil, tem hoje uma década de vida ou mais. Na ponta dos mais recentes, 75% deles foram criados a partir de 2020. Observar o perfil dos fundos de capital de risco no mundo e no Brasil – e a expectativa dos gestores – pode dar pistas sobre o estágio de evolução em que estamos e o que está por vir. A análise de estudos e entrevistas com especialistas nesse segmento indicam quatro principais tendências desse mercado no Brasil.

1. Cheques maiores e mais certeiros

 

No período de aprendizagem vivido nos últimos anos, os investimentos de CVCs brasileiros se concentraram em tecnologias promissoras, startups em estágios iniciais de desenvolvimento e valores modestos: 58% dos fundos do país administram carteiras de até US$ 50 milhões. Na média global, esse percentual cai para 35%, segundo um levantamento realizado pelo Global Corporate Venturing Institute e obtida com exclusividade por Época NEGÓCIOS. Isso deve começar a mudar em breve – e já há indícios disso. “A maioria das grandes rodadas de pelo menos US$ 100 milhões no país também já inclui CVCs”, diz James Mawson. Há a expectativa de que haja uma mudança gradual do foco de investimento, das startups early stage para aquelas um pouco mais maduras.

“O investimento em empresas um pouco mais maduras, até um estágio pré-IPO, costuma trazer mais resultados”, aponta Flávio Pripas, cofundador da Staged Ventures e um dos precursores do empreendedorismo digital do Brasil, que ao longo de mais de duas décadas já atuou em diversas pontas do ecossistema de inovação, seja como investidor em fundos de venture capital, seja como empreendedor em startups. Ao mirar novos alvos, as empresas não devem esperar lucros mais imediatos, diz Pripas, e sim alocar o dinheiro em apostas menos arriscadas.

Um exemplo dessa transição vem da operadora de telefonia Vivo, que já atuava em CVC com a Wayra há 13 anos, quando criou o Vivo Ventures no Brasil, em 2022, para investir em negócios mais maduros. O plano de alocar R$ 320 milhões em startups ao longo de quatro anos supera em muito os R$ 25 milhões investidos pela Wayra desde o início de sua trajetória, há mais de uma década.

Ao mirar em alvos mais robustos, o Vivo Ventures apostou em startups mais experientes e testadas no mercado. Um exemplo está na compra de uma participação na Klavi, plataforma de Open Finance que permitiu à Vivo ofertar crédito junto aos serviços de telefonia; e na fintech Klubi, entrando no ramo de consórcios. Assim como Flávio Pripas, Priscila Rodrigues, presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP), também acredita que tal comportamento deverá ser visto de forma crescente no mercado. “Uma vez que a indústria de CVC for amadurecendo, o que poderemos começar a ver são investimentos em modelos de negócios não necessariamente atrelados ao segmento principal de atuação da ‘patrocinadora’”, aponta.

34% das rodadas de investimento no Brasil incluem fundos de corporate venture capital, contra 26% na América do Norte — Foto: Época NEGÓCIOS

2. A “horizontalização” dos investimentos

 

Em outra tendência para o futuro dos CVCs, a máxima do “nunca coloque todos os ovos na mesma cesta” ganha novo sentido para as empresas. Afinal, quando se aposta em tecnologias com múltiplas aplicações, como inteligência artificial, um único investimento vai para muitas cestas. “Anteriormente, você via startups muito pautadas em soluções voltadas para entender e abordar certo problema. E agora há mais investimentos em startups de tecnologias aplicáveis a várias indústrias”, diz Leo Monte, presidente da recém-criada Associação Brasileira de Corporate Venture Capital (ABCVC). Além da IA, outro exemplo citado por ele é a realidade aumentada, que traz usos para headsets de realidade virtual e smartphones, mas também para indústrias como a automotiva. “Vale a pena explorar os tipos de inovações tecnológicas horizontais, como IA, cibersegurança, computação quântica e outras, bem como as cadeias de valor do setor para inovação transformacional”, diz James Mawson.

Os setores em alta para investimentos de CVCs no futuro próximo seguem essa horizontalidade e são, principalmente, tecnologia da informação e energias renováveis. O primeiro caso representa nada menos que 49% dos investimentos feitos por CVCs brasileiros entre 2019 e agosto de 2023, segundo dados da ABVCAP, e nada indica que a procura diminuirá, diz a organização. Já as renováveis deverão ter crescimento exponencial conforme empresas e governos apertem o passo para cumprir suas metas de descarbonização. “Até por conta da posição do Brasil, como atual presidente do G20 e liderando as conversas nas COPs, é um assunto que será cada vez mais urgente, cuja procura deve seguir crescendo durante toda esta década”, diz Flávio Pripas.

Além disso, num mundo que viu duas guerras eclodirem nos últimos dois anos, tecnologias de defesa e cibersegurança estarão em voga. “A guerra está em alta novamente”, alerta James Mawson, que vê o Brasil bem posicionado em tecnologias desse tipo, lideradas pela Embraer.

3. A criação de uma cultura de capital de risco

 

Segundo o estudo do Global Corporate Venturing Institute, atualmente 47% dos fundos de CVC no mundo investem também em fundos de venture capital tradicionais como parceiros limitados. No Brasil, 30% dos fundos corporativos já adotam essa modalidade. A prática seria uma forma de diminuir o risco da empresa ao acessar novos mercados (seja em linhas de negócios ou regiões) e startups em estágios mais iniciais. Contando com a expertise de um fundo acostumado a tais investimentos e limitando as possíveis perdas, os CVCs teriam, assim, um instrumento de experimentação para apostas que, se tiverem o sucesso confirmado, podem justificar investimentos maiores à frente. Além disso, de acordo com Mawson, o investimento por meio de VCs reduz a pressão sobre as startups, já que os fundos corporativos tendem a exercer o que, aos olhos de empreendedores, pode parecer um “mau hábito de controle”: ceder à tentação de guiar os primeiros passos de uma empresa em benefício próprio em vez de deixá-la experimentar livremente outros caminhos.

Não é uma alternativa livre de percalços, no entanto. “O VC tradicional tende a ter um preconceito com CVC por causa do alinhamento estratégico que não casa – ele tem receio do acesso de uma grande corporação ao modelo de negócio novo daquela startup. E os empreendedores mais disruptivos vão tentar segurar enquanto puderem a entrada de uma corporação ao seu quadro de sócios, para preservar essa liberdade”, aponta Flávio Pripas.

Priscila Rodrigues, da ABVCAP, vê nessa convivência uma chance para a empresa entender melhor esse tipo de investimento. Investir por meio de um fundo terceiro pode ser uma maneira de acumular expertise para abrir seu próprio CVC. Em outros casos, diz ela, “empresas podem ter modelos híbridos, nos quais um programa de CVC pode focar em disrupção do modelo de negócios e os investimentos em VCs terem perfil secundário”. Por fim, aponta, CVCs podem sempre estar de olho nos desinvestimentos realizados pelos VCs para adquirir as startups de maior sucesso de seus portfólios.

Para as empresas que preferem investir apenas por meio de seu fundo proprietário, mas querem ter a expertise de especialistas do mercado para definir tais investimentos, uma solução intermediária é contratar uma gestora para conduzir a criação e operação do CVC – opção escolhida por empresas como Ânima Educação, B3, Hospital Albert Einstein e Banco do Brasil, entre outras. Nesse caso, não se trata de entregar as decisões para investidores de outros fundos, mas sim da contratação de um serviço especializado para otimizar a inovação aberta em uma empresa e informar suas escolhas.

A opção de construir e operar um fundo próprio dentro de casa também demanda cuidados específicos – e se adapta melhor a casos que estão mais consolidados. “Contratar gente com experiência nesse mercado, já com bagagem acumulada, é fundamental. Não dá para fazer isso só com os recursos que tem dentro de casa, porque é uma disciplina específica, uma habilidade completamente diferente da gestão empresarial tradicional”, diz Pripas. Qualquer que seja o caminho escolhido, a experiência só terá sucesso com a consciência de que é preciso desenvolver uma nova cultura de negócios entre os gestores responsáveis por essa área dentro da empresa.

4. fundos ganham relevância

 

Se há uma tendência unânime entre os que estudam o mercado de CVCs é que sua trajetória está apenas começando, e sua importância para as grandes empresas só tende a crescer. Fontes de dados ainda se consolidam, novas organizações surgem e, conforme as empresas percebem os benefícios dessa estratégia de inovação, um número enorme de fundos deve surgir nos próximos anos.

“Minha percepção é que o CVC tem sido muito resiliente, mesmo em situações adversas. Quase uma centena de novos CVCs deve surgir neste e nos próximos anos. As empresas já perceberam que essa ferramenta é uma ótima frente para acelerar as inovações e o crescimento de negócios”, diz Leo Monte, da ABCVC. Há previsões ainda mais otimistas. “O CVC já se tornou obrigatório para toda empresa grande e relevante em seu mercado. Dá para dizer sem medo de errar que a gente vai ter 40 ou 50 novas iniciativas por ano surgindo no país até 2030. E, em 2030, toda empresa que fatura mais do que R$ 1 bilhão vai ter seu fundo CVC”, afirma Flávio Pripas. É um daqueles casos em que a realidade cria uma nova regra de sobrevivência – e ter ou não uma certa característica deixa de ser opcional. Nesse caso, a resiliência para superar as dificuldades iniciais de ter uma nova cultura de inovação junto a startups terá de ser mais do que apenas um atributo de poucos e arrojados – e se torna cada vez mais uma necessidade para todos.