O desempenho do varejo em fevereiro surpreendeu os economistas. No caso do varejo, a expectativa era de queda nas vendas, mas elas cresceram. O volume de vendas no varejo restrito subiu 1% em fevereiro em comparação com janeiro, na série com ajuste sazonal, segundo o IBGE. A mediana da expectativa junto a 26 consultorias e instituições financeiras apurada pelo Valor Data era de queda de 1,6%. Na comparação com fevereiro de 2023, o varejo restrito cresceu 8,2%, bem acima do esperado, de 3,5%. Foi o segundo mês consecutivo de crescimento do varejo, acumulando 6,1% no período, com 2,8% apenas em janeiro; e, em 12 meses, a alta é de 2,3%.
No varejo ampliado, que inclui as vendas de veículos e motos, partes e peças, material de construção e atacarejo, o crescimento foi de 1,2% entre janeiro e fevereiro; e, na comparação com fevereiro de 2023, de nada menos que 9,7%. Em 2024, a alta acumulada é de 10,1%, enquanto o resultado nos 12 meses até fevereiro é de 5,7%.
No primeiro bimestre, o volume de serviços cresceu 3,3% frente ao mesmo período de 2023; em 12 meses, ficou em 2,2%. Os analistas esperavam novo avanço em fevereiro, o que não ocorreu. Em relação a fevereiro de 2023 houve expansão de 2,5%. Mas observa-se muitas vezes na economia um pêndulo entre os gastos com o varejo e com os serviços. Quando se compram mais bens, geralmente se gasta menos em serviços. Pode ser isso que tenha ocorrido neste início de ano.
Vários fatores explicam o comportamento do varejo. O aumento do salário mínimo, o pagamento de precatórios, o mercado de trabalho apertado e a oferta de crédito aumentaram a renda e estimularam o consumo. O bom desempenho foi disseminado, com destaque para o crescimento de 9,9% no volume de vendas de artigos farmacêuticos e de perfume em fevereiro. Dos dez setores do conceito ampliado, sete tiverem alta. As vendas do varejo mais dependentes de crédito, como veículos, cresceram 2,4% em fevereiro em relação a janeiro.
Mas o fator mais importante é o aumento do salário mínimo. Já no fim do ano passado, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) estimava que o reajuste do salário mínimo injetaria quase R$ 70 bilhões na economia. Os Estados do Nordeste e do Norte, regiões nas quais o salário mínimo faz mais diferença, tiveram desempenho de varejo melhor do que o da média em sua maior parte.
Economistas do Itaú Unibanco observam que, em geral, quando o reajuste do salário mínimo fica acima da inflação, como neste ano, há um pico de consumo no varejo ampliado nos primeiros meses, em comparação com os anos em que não há reajuste dessa magnitude. Eles também notaram que o desempenho da arrecadação de alguns impostos, como PIS, Cofins, IPI e Imposto sobre a Importação, às vezes antecipa o comportamento das vendas no varejo ampliado. Em fevereiro, a arrecadação subiu mais de 16%, em termos reais, em comparação com o mesmo mês de 2023, segundo cálculos feitos a partir dos dados da Receita.
A taxa de desemprego aumentou ligeiramente neste início de ano, como costuma acontecer nesse período, por causa da dispensa de trabalhadores que foram contratados de forma temporária em novembro e dezembro por conta do Natal. A taxa de desemprego passou de 7,4% em dezembro para 7,6% em janeiro e 7,8% em fevereiro. No entanto, a massa salarial continua crescendo, e aumentou R$ 19,3 bilhões em um ano, para o nível recorde de R$ 307,3 bilhões, uma alta de 6,7% no trimestre encerrado em fevereiro, em comparação com o mesmo período de 2023.
O impacto do pagamento dos precatórios é igualmente relevante. A operação injetou cerca de R$ 96 bilhões na economia em janeiro e fevereiro. Cerca de R$ 45 bilhões desse total eram referentes a precatórios alimentícios para as pessoas físicas, o que estimula as compras desses produtos no varejo e gera um impacto positivo de 0,3 a 0,4 ponto percentual no PIB, segundo cálculos do Itaú Unibanco.
Alguns analistas revisaram as projeções para o PIB do ano, que chegaram perto dos 2,9% do ano passado em alguns casos. No Boletim Focus, as estimativas para o PIB ficaram em 1,95%, de acordo com as expectativas colhidas na semana passada. O resultado do Monitor do PIB, calculado pelo Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas, respalda o otimismo ao registrar avanço de 0,8% em fevereiro e crescimento de 3% em 12 meses, assim como o IBC-Br, que subiu 0,4% no mês.
Esses resultados explicam em parte por que a inflação, depois de queda forte, resiste a aproximar-se da meta, e, pelas expectativas do Focus, começou a afastar-se discretamente dela. O governo quer turbinar o crédito com vários novos programas e afrouxou as metas fiscais, mas precisa ter atenção a que os juros parem de cair em um nível bem mais alto que o desejado.