Uma refeição não termina sem sobremesa, na opinião do cardiologista Sergio Timerman, diretor do Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo (Incor). “Queijo, pra mim, não é sobremesa. E não existe experiência gastronômica sem finalização. Não é a mesma coisa”, diz, ao eleger o Chocolate Capim Santo do restaurante Nelita como uma das suas sobremesas favoritas.
Conta-se nos bastidores que um renomado restauranteur brasileiro, ao ser questionado por que razão em seus restaurantes a fatia de abacaxi salpicada de hortelã custava tão caro, teria respondido com ironia: “Quem vai aos meus restaurantes e pede abacaxi de sobremesa merece pagar!”.
Timerman concorda: “Só pediria uma fatia de abacaxi se o restaurante fosse muito ruim. Adoro abacaxi, quero deixar bem claro, mas esse é o tipo de coisa que se come em casa. Para fazer um pedido assim, alguma coisa está errada”.
Minha sobremesa favorita
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/B/m/mYxhaXScAlXBBQxChSNQ/05cul-100-sobremesa-d10-img03.jpg)
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/R/A/Da5GVRTPAMmkABZq5EdQ/05cul-100-sobremesa-d10-img04.jpeg)
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/w/M/3cWElGROuTQRvdUsvqrg/05cul-100-sobremesa-d10-img02.jpg)
Em seguida, ele relativiza o fato de justamente um cardiologista ter escolhido uma sobremesa tão rica em colesterol: “Eu tenho um conceito de comida. O que faz mal é o excesso. Sempre falo para meus pacientes: ‘Você não está proibido de nada’. Evitar não é proibir. Não vou comer todos os dias chocolate com capim santo. Quando estou comendo fora de casa quero algo que me satisfaça e tenho parcimônia. Não é isso que vai me fazer mais ou menos gordo. Tudo é equilíbrio”.
Escolher uma sobremesa no vasto cardápio paulistano é um desafio. A cidade tem múltiplas opções e uma gastronomia multicultural. Para ter um panorama mais vasto, o Valor escolheu dez pessoas de diferentes profissões para que elegessem suas sobremesas favoritas na cidade. Alguns dos entrevistados atuam em profissões mais próximas da cozinha. Nesse caso, só participaram com o compromisso de não escolher algo ligado aos seus negócios.
Ana Lúcia Serra, fundadora e diretora da Carbono Galeria: Crema di mascarpone al cioccolato, restaurante Gero.
“Quase não como sobremesa, mas tem algumas que amo. Em casa, sempre passo batido. Não faço questão e evito para não engordar, mas essa do Gero é minha favorita. Peço sempre que vou jantar em qualquer restaurante do grupo: Gero, Fasano ou Parigi.”
O Crema di mascarpone al cioccolato é prato antigo no Gero. Surgiu entre 1989 e 90 e foi criado na mesma época do tiramisù do grupo. Clássico na Itália, especialmente na Lombardia, o creme de mascarpone é feito com o queijo fresco (mascarpone), que era usado na região como uma alternativa ao creme de leite. O sabor lembra um pouco o tiramisù, mas sem o toque de café e o crocante do biscoito.
Brenda Freitas, pâtissière do grupo Maní: Mousse de chocolate do Beverino
“Não sou fã de sobremesas com chocolate, mas essa é surpreendente: levíssima, superaerada, pouco doce e é servida numa temperatura agradável, mais fria. O Beverino é um dos meus lugares preferidos. Tem um ar sofisticado e simplista, atendimento gentil e bons produtos.”
O Beverino é um bar de vinhos naturais que fica no centro de São Paulo. O chef é Luis Felipe Lago, que faz todo o cardápio. Ele explica que na mousse não vai creme, são apenas três ingredientes: chocolate 100% cacau, claras em neve e açúcar mascavo em pequena quantidade.
Bruna Botti, estilista de sapatos: Mil-folhas da confeitaria Dama
“Quem me apresentou muitos anos atrás foi um amigo turco, que trouxe a sobremesa para um almoço. Desde então virou um clássico na família. Sou ultradoceira, olho o cardápio de sobremesas antes do prato para escolher o que vou comer e combinar. Restaurante que não tem boa sobremesa, não volto.”
O mil-folhas da Dama já era conhecido antes da abertura da loja física, quando Mariana Gorski e sua cunhada Daniela abriram uma fábrica de doces para terceirizar. “O mil-folhas foi um sucesso instantâneo e nos surpreendeu, porque nem é um doce muito conhecido no país em que todo mundo quer brigadeiro.”
Caroline Putnoki, diretora Atout France: Tarte tatin do Chef Rouge
“Como pouca sobremesa porque acho a maioria açucarada demais. A única exceção é a tarte tatin . Aliás, tudo o que o Chef Rouge faz respeita a tradição. Eu cozinho bastante em casa e faço a tatin, com pouco açúcar, como manda o receituário francês.”
Há cerca de 30 anos a tarte tatin está no cardápio do Chef Rouge, conta a dona Vanessa Fiuza. A receita, que é um clássico francês, foi desenvolvida pelo patissier Raimundo Andrade.
Estevan Sartoreli, CEO da Dengo Chocolates: Choux cream da confeitaria Amay
“Escolhi a choux cream da Amay pelo teor moderado de açúcar, pela suavidade do creme e pela massa livre de glúten, leve e crocante. Sou daqueles que troca o salgado ou prato principal pela sobremesa. Em casa, evito doces.”
Aya Tamaki foi executiva de multinacionais americanas e japonesas durante 20 anos até se aventurar na sua grande paixão: a doçaria. Para não ter concorrentes, escolheu fazer “yogashi”, os doces inspirados na confeitaria ocidental, especialmente francesa, que por serem menos doces foram adaptados ao paladar japonês. O choux cream feito com fava de baunilha é o carro-chefe da casa.
Henry Araújo, diretor de marketing da importadora Qualimpor: Pudim caramelado de pistache siciliano do Ristorantino
“Eu viajo muito, sempre procuro novos restaurantes e sou daqueles ligados em sobremesa. Pudim já é bom. Mas imagina ele menos doce, com pistache e sem farinha de trigo.”
Desde o início, a sobremesa faz parte do Ristorantino Jardins, que está completando dez anos. Agora, foi incluída em todos os cardápios do grupo Trevisani: Ristorantino Riviera e Ristorantino Caffè, no Shopping Pátio Higienópolis.
Mauricio Leme, diretor da divisão de destilados da La Pastina: Tiramisù do Fasano
“Essa minha escolha é quase um clichê, porque o tiramisù do Fasano é uma unanimidade. Não sou apaixonado por coisas muito doces, talvez por isso goste tanto dele. Curto a elaboração das sobremesas, mas sou péssimo cozinheiro. Normalmente encomendo sobremesas para comer em casa.”
O tiramisù está no cardápio do Fasano desde a abertura e sempre foi imbatível. A receita atual é da avó do chef Luca Gozzani. Quando chegou ao Brasil, ele reproduziu a receita, mas com uma montagem especial. A sobremesa é montada na hora, leva camadas de mascarpone intercalado com biscoito inglês embebido em café e vinho marsala.
Patrick Martin, diretor da Le Cordon Bleu Brasil: Cajá manga: purê de manga com baunilha, sorbet de cajá manga e coco caramelado do Mocotó
“Escolhi essa sobremesa porque amo o Brasil e penso que é importante valorizar e destacar as novas gerações de chefs daqui. O Rodrigo Oliveira é um deles: talentoso e faz essa sobremesa que me encanta.”
Foi a primeira sobremesa escolhida quando estava sendo montado o cardápio do Esquina Mocotó, que não existe mais. Agora, ela está no Mocotó Leopoldina. A proposta de Rodrigo Oliveira era exaltar o cajá e misturar com manga. Quem desenvolveu com ele foi a confeiteira Mariana Dias. “Usamos manga fresca, baunilha, zero açúcar e o coco caramelado. Voltou ao cardápio para celebrar nossos 50 anos”, diz ele.
Sergio Timerman, cardiologista, diretor do Incor: Chocolate Capim Santo do Nelita Restaurant
/i.s3.glbimg.com/v1/AUTH_63b422c2caee4269b8b34177e8876b93/internal_photos/bs/2024/l/1/48aBiNSmuZcv26mAWopg/05cul-100-sobremesa-d10-img09.jpg)
A sobremesa é uma criação da chef Tássia Magalhães, que começou na gastronomia como confeiteira. É a primeira sobremesa com chocolate do Nelita. “Faço uma torta de chocolate sem farinha, aquecida, tipo mousse, coberta por ganache de capim santo e com uma tuille de leite bem crocante”, diz ela. “Fico muito feliz ao ver que a sobremesa tem ganhado espaço nos cardápios.”
Rosa Moraes, embaixadora de gastronomia da Ânima Educação e presidente no Brasil do The World’s 50 Best Restaurants: Koke Niwa: mousse intensa de chocolate, enoki, matchá e pimenta sanchõ do Aizomê
“Acho que a chef Telma Shiraishi faz um belo trabalho que se estende ao cardápio de sobremesas do Aizomê. Adoro o Koke Niwa, que chega à mesa com uma apresentação que lembra um jardim. Vem até com uma delicada pazinha para degustar. É uma mousse intensa de chocolate coberta com ‘pedrinhas’ crocantes de cacau”, diz Moraes, que circula o mundo elegendo as melhores mesas do planeta.
Koke Niwa quer dizer “jardim de musgo”, explica Telma Shiraishi. “Há muito tempo eu queria fazer uma sobremesa que lembrasse um jardim e acabei me inspirando no chão coberto de musgo de um templo em Kyoto, que me impressionou muito pela beleza minimalista”.