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Data: 22/02/2024

Editoria: Sem categoria
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País atinge 2,5 milhões de lojas, mas ritmo cai e coloca 2024 em alerta

A crise econômica que avançou sobre o comércio brasileiro após 2021 ainda posterga uma retomada do crescimento orgânico do setor. O varejo conseguiu abrir mais lojas físicas e on-line em 2023, após a pandemia ter engavetado projetos, mas o ritmo de aberturas volta a perder força, segundo levantamento da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), feito a pedido do Valor.

Isso reflete um movimento de investimentos ainda represado, num ambiente de demanda doméstica que não dá sinais de retomada consistente.

Nesse cenário, a participação do varejo no total de negócios em operação no Brasil registra queda, e o setor de prestação de serviços, pela primeira vez, passou da metade do total de lojas em operação (50,9%) no ano passado.

Para 2024, ganhou força o discurso entre as redes de redução ou manutenção das aberturas frente ao ano passado, e as expectativas da maioria têm ficado mais perto do “piso” do que do “teto” das projeções informadas ao mercado. Uma reação mais forte na expansão dependerá do cenário de aceleração no consumo, com possível liberação de crédito mais barato, após a queda de juros, e permanência de queda da inflação.

Atacadistas, supermercadistas redes de móveis e eletrônicos, de produtos para “pet” e de moda têm seguido essa linha de recuo ou estabilidade nas expansões neste ano – entre elas Magazine Luiza, Petz, Assaí, GPA, entre outras.

Parte das cadeias de farmácia é a única com projeções de mais aberturas, mas ainda assim há diferenças. A Pague Menos cortou inaugurações, com o foco em uma reestruturação e queda de despesas com juros, e a Raia Drogasil (RD) planeja elevar o número.

Os dados coletados pela CNC no Mapa das Empresas do governo federal (ver tabela abaixo), mostram que, no ano passado, o total de estabelecimentos atingiu 2,53 milhões, avanço de 8,1% frente ao ano anterior, versus alta de 9% em 2022 e 9,7% em 2021. Apesar do crescimento menor, a área econômica da entidade destaca a expansão em cima de uma base de comparação maior.

Os números coletados desconsideram empresas abertas pelo regime do Microempreendedor Individual (MEI), que incluem pessoas físicas que trabalham por conta própria, como profissionais autônomos, de diversos segmentos da economia, o que poderia comprometer a amostra.

O ano foi muito desafiador. Houve uma tentativa de volta à normalidade que não ocorreu”

“Ainda conseguimos manter um bom patamar total, com 2,5 milhões de empresas no setor, e há dados que sugerem que, entre aberturas e fechamentos, o saldo final foi positivo em 2023”, diz Fabio Bentes, economista da CNC. “Ocorre que os dados incluem registros de aberturas de lojas on-line, e é preciso considerar que o aumento de operações de comércio eletrônico pode ter puxado a expansão no ano”. Frequentemente, lojas on-line são montadas na mesma estrutura de operação da loja física, basicamente com investimentos em tecnologia.

Houve uma retomada mais rápida no desempenho do comércio digital em 2023, frente ao varejo físico, historicamente com crescimento mais lento. Também há efeito da estratégia das grandes plataformas de marketplaces de incentivarem a digitalização de pequenos vendedores no país.

Além disso, consultores lembram que houve efeito, nos planos das redes, da série de reestruturações e recuperações judiciais no comércio – alta de 88% de 2022 para 2023, diz a Serasa, sendo que no ano anterior havia ocorrido estabilidade. “O ano foi megadesafiador. Houve uma tentativa de volta à normalidade que ainda não ocorreu, apesar de ainda existirem empresas melhor posicionadas enfrentando esse período e crescendo”, diz Alberto Serrentino, sócio e fundador da Varese Retail.

A Americanas, em grave crise financeira, fechou cerca de 120 lojas em 2023. A Saraiva faliu no ano passado, e a Polishop e a Marisa entraram em uma dura reorganização. A Starbucks fechou 40 pontos.

Nesses dados também há abertura de filiais e unidades franqueadas das redes de comércio, captadas pelo novos registros de CNPJ da amostra. Esse tipo de negócio exige um menor volume de investimento do controlador da marca. “Abriram muitas franquias de até R$ 250 mil. Naquelas mais baratas, de R$ 80 mil a R$ 100 mil, como de bolos e cafés, tem gente tirando R$ 5 mil e está feliz”, diz um ex-diretor de uma rede de varejo.

Mesmo nesse negócio, o ritmo de aberturas desacelerou. O total de franquias cresceu 6,2% em 2023, para cerca de 196 mil – em 2021, a alta foi de 9%, e em 2022, de 7,8%. Em faturamento nominal, o avanço foi de 14%. Os fechamentos subiram menos que as aberturas.

Em redes como C&A, Magazine Luiza e Petz, para este ano a percepção é que dá para tirar mais resultado dos pontos já existentes, em vez de injetar caixa (ainda caro) numa aceleração de aberturas.

“Estamos considerando um número de 5 a 10 lojas novas em 2024, porque acreditamos que temos mais oportunidades de acelerar a venda por m2 de lojas que já temos do que em aberturas”, diz Paulo Corrêa, CEO da C&A, com 330 unidades. Em 2023, até setembro, investimentos em novas lojas na rede de moda caíram 70% frente a 2022, segundo balanço.

Segundo ele, a postura ainda é ser mais “assertivo” nos projetos de crescimento, já que os juros estão num processo gradual de queda, e analisar de forma mais “granular” o que cada ponto pode render.

“Os investimentos maiores deste ano serão para potencializar a área de tecnologia e digital, e melhorar a jornada omnicanal do cliente [em loja, site e aplicativo] ”.

Este foco em tecnologia já tem sido um posicionamento comum das grandes redes desde 2020, em parte, para manter a busca pela venda protegendo caixa e reduzindo a pressão em despesas pré-operacionais. Aberturas elevam essas despesas e podem reduzir margem.

Magazine Luiza segue linha semelhante. “O cenário agora é rentabilizar as nossas lojas atuais, então, no médio prazo, a gente não tem um plano de expansão”, disse em novembro a analistas, Fabrício Garcia, vice-presidente de operações.

Isso ocorre porque a rede quer ganhar margem bruta em regiões onde abriu lojas nos últimos anos, como Mato Grosso, Brasília e Rio de Janeiro.

Na Petz, a empresa já informou que a projeção são 30 a 40 aberturas para 2024, mas com maior possibilidade de atingir o “piso” de 30 – e com gasto 20% menor por unidade aberta, disse a direção no fim do ano passado. Em 2023, a ideia era ficar nessa faixa de 30 a 40.

No negócio alimentar, GPA e Assaí revisaram seus investimentos recentemente. No primeiro caso, o grupo estimava abertura de 300 pontos de 2022 a 2024.

Ocorre que, entre 2022 e 2023, foram inauguradas 132 lojas pelo GPA, e as 168 restantes, agora, serão abertas de 2024 a 2026. A mudança reflete a necessidade de “otimizar” gastos.

Em campo oposto, a RD, setor resiliente aos solavancos econômicos, e rede com dívida baixa, subiu a estimativa de inaugurações de 260 para 270 unidades em 2024.

Aberturas têm função primordial de ajudar marcas a gerarem escala mais rapidamente, ganhar visibilidade nacional e trazer novos consumidores. Fluxo de clientes e vendas maiores ajudam a diluir custos e elevar lucratividade.

Só que os dados de fluxo mostram que o brasileiro continua circulando menos nas lojas do que quatro ou cinco anos atrás.

Segundo relatório de tráfego de clientes em lojas de shoppings e de rua no Brasil, elaborado pela Virtual Gate, caiu 1,3% o fluxo médio de consumidores em 2023 frente a 2022. A empresa usou no levantamento uma tecnologia de contagem de pessoas em 2,5 mil pontos.

No quatro trimestre houve uma retomada, com alta de 2,5%, mas incapaz de inverter a perda. Nos shoppings, houve estabilidade frente a 2022, mas nas lojas de rua, a retração foi de 6%.

Isso obriga as redes a tentar tirar mais venda daquele cliente que entra na loja e que navega pelo site e “app”, o que torna obrigatória formas de repensar a loja física no Brasil, afirma Serrentino, da Varese. O tema voltou a ser foco de discussão em janeiro, na NRF Retail Big Show, a feira global do setor em Nova York.

“O cliente hoje tem muito mais alternativas de canais, então será a consistência da experiência do consumidor na loja que fará a permanência dele no canal”, diz. “Não dá mais para aceitar ter uma super experiência em ‘lojas conceito’ da marca e uma experiência pobre em todo o resto da rede. Além disso, o comércio ainda não conseguiu dar ao brasileiro uma jornada sem atrito na compra integrada no on-line e na loja”, diz.

Para Serrentino, ainda há espaço para aprimorar a jornada do consumidor na loja e entender o valor nessa jornada que hoje já mistura completamente o digital e o físico.