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Data: 22/02/2024

Editoria: Sem categoria
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Os planos da fundadora da Tok&Stok para recuperar o prestígio – e as finanças – da empresa

Depois de seis anos fora do dia a dia da operação da Tok&StokGhislaine Dubrule, voltou em julho do ano passado ao comando da rede de lojas de móveis que fundou com o marido, Régis Dubrule, em 1978. Aos 73 anos de idade, Ghislaine tem trabalhado duro nos últimos meses para tentar reerguer a companhia submersa em dívidas e resultados negativos.

Só com os bancos as pendências renegociadas somam R$ 350 milhões. A empresa tem outros R$ 250 milhões de passivos em recebíveis. Para tentar amenizar a situação, o fundo Carlyle, dono de 60% da companhia, injetou R$ 100 milhões para dar novo fôlego ao negócio.

No momento, a executiva corre contra o tempo para virar o jogo. Em 2025, começam a vencer as dívidas renegociadas com os bancos. Até lá, o plano é trazer a companhia de volta às origens. Isto é, uma varejista espartana, como ela mesmo a qualifica, que “vende” o estilo e as tendências de casa, focada em lojas físicas. Essa estratégia vai exatamente no sentido oposto à que foi empreendida pelos cinco CEOs que comandaram a empresa antes do seu retorno.

Em seis meses da administração da fundadora, foram fechadas 17 lojas, a maioria da bandeira Studio, voltada para itens de decoração – hoje são 51 pontos de venda. Também foram demitidos 300 funcionários. Atualmente, a varejista emprega 2.605 pessoas.

Apesar do enxugamento, o desempenho de 2023 ficou abaixo do previsto. A expectativa para este ano é ampliar em 25% as vendas, chegando a um faturamento de R$ 1,5 bilhão. A executiva acredita que, como nos velhos tempos, os lançamentos de coleções assinadas – neste ano serão 8, uma delas pelo estilista Alexandre Herchcovitch – vão turbinar o desempenho da companhia e trazer a empresa de volta ao azul, atraindo investidores.

Quanto à fusão com a concorrente Mobly, que chegou a ser aventada, Ghislaine diz que seria difícil imaginar a união das empresas neste momento de reestruturação da companhia. No futuro, quando a varejista voltar a ser rentável, ela não descarta uma capitalização da própria família Dubrule e até a entrada de bancos como sócios, como está ocorrendo no Magalu, exemplifica. A seguir, os principais trechos da entrevista.

Como está sendo a volta ao comando da Tok&Stok?

A gente está fazendo um trabalho duro e difícil. Voltei em maio de 2023 e assumi definitivamente em julho, depois do quinto CEO, após a minha saída, em maio de 2017. Fundei esta empresa em 1978 com o meu marido. Após a venda da participação para o fundo (Carlyle), fiquei por cinco anos como CEO, de 2012 a 2017.

Por que a senhora deixou o comando?

Em 2017, o fundo quis contratar profissionais de mercado para fazer a abertura de capital na Bolsa, entendendo que esses profissionais tinham boa experiência de varejo e de abertura de capital. Daí, entraram vários profissionais. E não deu certo.

Por quê?

Eram profissionais super renomados, com experiência em grandes empresas, tanto na gestão como em resultados. Mas talvez tenha havido um descolamento da especificidade da nossa marca com o varejo. O varejo é muito específico, muito detalhista na questão da gestão da operação. Talvez eles não quiseram entrar a fundo na gestão da operação. Também houve todo um contexto diferente a partir de 2017. E, depois, veio a pandemia.

Como assim?

Durante esse período, o mercado tinha o foco muito forte no digital, antes mesmo da pandemia. O digital deveria ter participação acima de 40% na venda.

Essa era a orientação dos CEOs que a precederam?

Dos analistas de mercado em geral para a entrada das empresas na Bolsa. Durante esse período tivemos dois grandes concorrentes, a Mobly e a Westwing, que entraram na Bolsa porque eram nativos digitais. Esse movimento para o digital dá certo para algumas empresas. Mas percebemos que muitas dessas empresas têm muita dificuldade de entregar geração de caixa operacional (Ebtida) positivo, porque o digital é uma venda não lucrativa.

Dê mais detalhes…

É uma venda extremamente competitiva, de produto pelo produto. Tem de dar desconto e frete grátis o tempo todo. Portanto, é extremamente difícil lucrar. Além disso, o site consegue pouco demonstrar o sonho do que é o morar, o life style de uma casa, as tendências. Foi nesse contexto que o mercado focou em digitalizar as empresas. Isso significa digitalizar processos, controles internos. Significa contratar muitos analistas de dados, vários aplicativos, que demandam muito dinheiro. Foi o que foi feito (na Tok&Stok).

Quanto foi investido?

Tudo o que temos de dívida. Hoje a dívida está em R$ 600 milhões (R$ 350 milhões com bancos e R$ 250 milhões em recebíveis). Mais da metade dessa grande dívida diz respeito a todo esse movimento de fortalecer o digital e digitalizar a empresa. Foram comprados muitos aplicativos, investiu-se muito em informatização, foram contratados muitos especialistas em TI (Tecnologia da Informação). Passamos de 60 profissionais de TI para 350, uma proporção gigante dentro escritório central. O digital chegou a representar 23% do faturamento. Quando eu deixei a empresa, estava em 7%, 8% (atualmente está em 15%). Mas a custo do quê? De uma venda não lucrativa.

Esse foi o erro?

Não foi um erro, porque era a estratégia.

Não teria sido uma estratégia errada?

Mas o mercado olhava tão somente a venda digital, a linha de cima, não o lucro. Porque era muito significativa a venda deste canal. É impressionante ver a cegueira de alguns analistas, no bom sentido. Eles entendem que se uma empresa está crescendo a venda com o digital, ela vai superar o mercado como um todo e se posicionar como top de linha nesse movimento. Depois, lá na frente, recupera o equilíbrio da geração de caixa (Ebtida). Nesse período, essa foi a estratégia dos CEOs, monitorada pelo fundo, para abrir o capital na Bolsa. Demonstrar para os analistas que esse crescimento seria exponencial. Também íamos capturar o benefício fiscal com a mudança do nosso centro de distribuição para Extrema, em Minas Gerais.

Por que essa estratégia não deu certo?

O primeiro problema foi a pandemia. De repente, as lojas físicas foram fechadas. A mudança para Extrema não foi bem-sucedida. Antes, estávamos em Itapevi (SP), com 45 mil metros quadrados. Fomos para um centro de distribuição muito maior (65 mil metros quadrados) e a venda não veio. Além disso, o custo do novo centro de distribuição é extremamente elevado. Estávamos contado com o sucesso do digital, com o crescimento da venda e com o benefício fiscal. Para engrossar o caldo, havia a estratégia de abrir, em dois anos – um tempo recorde – 100 lojas de artigos de acessórios e decoração (com a bandeira Studio) em todos os shoppings. Essa equação poderia ter dado certo se não tivesse tido a pandemia e a crise pós-pandemia.

O quadro macroeconômico contribuiu para essa situação?

Estamos no momento (econômico) de dez anos atrás, com juros extremamente altos. Com tanta dívida, apostas e juros altos, empréstimos junto a bancos, foi realmente essa situação que levou em 2022 a empresa a não poder honrar seus compromissos.

Como foi o seu retorno para empresa?

No final do segundo trimestre de 2023, o último CEO ( Roberto Szachnowicz) teve dificuldade. Conhece o varejo, mas não tinha o DNA da Tok&Stok, de coleções exclusivas, esse aspiracional, o desenho das nossas lojas e a governança dos processos. Insistimos junto ao fundo que o momento era difícil e que não poderíamos perder tempo. Um CEO novo iria perder tempo, porque não conhece a gestão dos processos. Porque o varejo pede que você tenha muita governança na operação e agilidade. Durante esse período de preparação para o IPO, os nossos CEOs não conseguiram governar a operação e teve realmente muito escape. Temos uma logística capilarizada, temos lojas de Manaus (AM) a Porto Alegre (RS). Assumi definitivamente em julho e o fundo injetou R$ 100 milhões em 1º de julho.