Taxa de participação no mercado de trabalho segue abaixo do pré-pandemia
Um dos principais temas de debate do mercado de trabalho no Brasil nos últimos tempos, a taxa de participação ainda não retomou o nível do pré-pandemia e o Brasil é o país que se encontra mais distante daquele patamar, mostra levantamento da LCA Consultores com sete países das Américas. A chamada taxa de participação mede a parcela das pessoas que trabalham ou estão em busca de ocupação em relação ao total da população em idade de trabalhar (14 anos ou mais).
Ao considerar a média de 2019 como um número-índice igual a 100, para permitir a comparação entre os países, o estudo aponta que o nível da taxa de participação do Brasil no fim de 2023 estava em 97,6 pontos. Isso significa, portanto, 2,4 pontos abaixo da média de 2019. Entre os sete países, os mais próximos são Chile (98,1 pontos) e Colômbia (98,2 pontos), mas ambos estão acima dos 98 pontos. México e Uruguai, por sua vez, já ultrapassaram os 100 pontos.
Brasil é o país que se encontra mais distante do patamar pré-covid, mostra estudo da LCA Consultores com sete países das Américas — Foto: Freepik
Os dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) por faixa etária apontam ainda que os jovens são os que estão mais distantes de recuperarem o nível de engajamento no mercado de trabalho de antes da pandemia, enquanto esse patamar acaba de ser alcançado no caso daqueles acima dos 40 anos (nos grupos de 40 a 59 anos e acima dos 60 anos).
Estudiosos do mercado de trabalho têm dedicado especial atenção ao tema nos últimos anos para tentar entender o fenômeno, que reflete o contexto da pandemia: muitos foram expulsos do mercado de trabalho na pandemia, mas parte deles não retornou ainda. O movimento foi observado também em outros locais, como Estados Unidos e União Europeia, embora no caso europeu já tenha ficado para trás.
Entre as razões apontadas para explicar esse engajamento menor no mercado de trabalho, estão o envelhecimento da população, aposentadorias precoces, mais tempo de dedicação dos jovens aos estudos, intensificação das barreiras de entrada e permanência desse jovem no mercado de trabalho, mudanças no comportamento, automação e a mais controversa: um desincentivo à participação no mercado trazido aumento de valores e do desenho dos programas de transferência de renda.
Há economistas que defendem a ideia de que o aumento do valor do Bolsa Família e do número de famílias atendidas colaborou para segurar essa taxa de participação, enquanto outros dizem que este não é o fator principal e até discordam da hipótese, além de citar as críticas a esses programas sociais em um ambiente de ajuste fiscal.
“O nível da taxa de participação no Brasil está bem abaixo do pré-pandemia e, desses países das Américas, é o que está mais distante daquele patamar. Há algumas questões mais gerais, mas no caso do Brasil a questão do envelhecimento e dos cadastros irregulares do Bolsa Família ajudam a explicar essa diferença”, afirma o economista da LCA Consultores Bruno Imaizumi, responsável pelo levantamento.
O formato do Auxílio Brasil — versão do Bolsa Família lançada pelo governo Bolsonaro em 2022 — incentivou que famílias se dividissem na hora do cadastro, já que o valor de R$ 600 era o mesmo independentemente do número de pessoas de cada família.
Pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre), Fernando Veloso também acredita na hipótese desse efeito do Bolsa Família no mercado de trabalho. Além do desempenho que destoa de outros países, o economista cita o fato de que a taxa de participação vinha numa trajetória de recuperação até 2022, quando voltou a cair, ao mesmo tempo em que houve aumento do valor do programa e expansão do contingente de famílias beneficiadas.
“Não dá para afirmar categoricamente [que o Bolsa Família foi um desincentivo à participação no mercado de trabalho], mas foi um movimento bem atípico. A segunda queda da taxa de participação, a partir de meados de 2022, coincide com o aumento dos programas de transferência de renda, que aqui no Brasil se deram numa escala e num caráter permanente como não se viu em outros locais”, diz.
Na sua avaliação, até mesmo o aumento recente da taxa de participação nos últimos trimestres de 2023 pode ter relação com o pente-fino iniciado no ano passado no cadastro do Bolsa Família, para ajustar o cadastro das famílias unipessoais.
Para o economista-chefe do Banco Fator, José Francisco de Lima Gonçalves, é possível que haja um efeito das transferências de renda como uma espécie de “desincentivo” para determinados trabalhadores, mas que há uma mistura de influências e o destaque dado a esse aspecto está ligado às críticas a programas sociais, especialmente no momento de defesa do ajuste fiscal.
A cautela é compartilhada pela professora de Economia da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Liana Carleial, que classifica como “baixíssimos” os valores das transferências: “Qualquer um que vá ao supermercado sabe que R$ 600, numa perspectiva de 30 dias, é muito pouco”. O fato de essa taxa de participação ser menor entre os mais pobres e menos escolarizados, segundo ela, reflete uma expectativa de encontrar um trabalho melhor ou estudar para se qualificar.
“Acho que existe um efeito das transferências de renda, mas há mais coisa. Tem um efeito de mudança de perspectiva em relação à vida, uma leitura talvez de que seja possível viver com menos, uma certa desilusão da juventude, e junto a questão da mudança tecnológica, expulsando gente do mercado sem qualificação”, afirma ele, professor aposentado da Universidade de São Paulo (USP).