Os impactos socioambientais (aí incluídos os climáticos) das atividades que recebem nossos investimentos, no caso do investidor de varejo, ainda são pouco debatidos no Brasil, mas com tendência a crescer, conforme as pessoas passam a refletir sobre o tema.
Em outros mercados, há dados empíricos a respeito: um estudo do Institute for Sustainability Leadership, da Universidade de Cambridge, analisou as preferências de investidores de varejo nos EUA em relação a esses impactos e obteve conclusões interessantes: a) investidores gostariam de ter informações sobre impactos socioambientais de seus investimentos; b) em condições de rentabilidade equivalente, quase todos preferem investir em empreendimentos com melhor desempenho de sustentabilidade; c) se houver rentabilidade menor de um fundo com melhor classificação em termos de sustentabilidade, os investidores jovens (até 35 anos) estão dispostos a sacrificar rentabilidade até 3% ao ano, ao passo que os mais velhos estão dispostos a sacrificar até 2% ao ano; d) existe clara preferência por evitar causar danos (evitar fundos com desempenho socioambiental negativo), em comparação com investir em fundos com desempenho mais alto; e) temas ambientais e sociais recebem o mesmo peso nas preferências e o nível de escolaridade, renda e gênero não influenciam estatisticamente.
Já um estudo da “2 degrees initiative” sobre demandas de investidores de varejo nessa matéria e as alternativas oferecidas pelo mercado em seis países europeus concluiu que, apesar das exigências de regulações da União Europeia sobre o tema, ainda há claro descompasso entre apetite dos investidores de varejo em relação às características de sustentabilidade de produtos financeiros e oferta de produtos adequados, notadamente no que se refere a produtos com impacto positivo (oferta 260 vezes menor que a demanda). E concluiu que os consultores financeiros em geral não estão qualificados para dar recomendações nessa matéria.
Em setembro de 2023, estudo da SIS com recomendações para fortalecimento da integração de fatores ASG na regulação de mercado de capitais brasileira abordou o tema (pg. 48), indicando provável necessidade de haver esse alinhamento também no Brasil. O estudo foi apresentado à CVM, que acaba de dar um primeiro passo, ao publicar um Ofício Circular dirigido a consultores e distribuidores de produtos financeiros, pelo qual esclarece que eles devem mapear e conhecer o perfil de seus clientes sob a perspectiva de seu apetite e interesse por investimentos com objetivos sustentáveis.
O ofício afirma que “os intermediários e consultores de valores mobiliários devem se certificar, sob o regime de melhores esforços e no limite de suas atribuições, se um dado título ou valor mobiliário por meio deles recomendado é efetivamente aderente a um objetivo ASG, de maneira a evitar que eventuais práticas de greenwashing prejudiquem os clientes por eles atendidos, ao induzi-los a investir em alternativas que não observem os objetivos de investimento por eles buscados”.
A iniciativa é uma sinalização muito positiva, que deve ser complementada por uma definição do que se entende por impactos socioambientais e climáticos positivos (atualmente, a Resolução CVM 175, artigo 49, faz somente exigências de transparência). O ideal seria que também houvesse indicação clara de que a busca de identificação dos impactos em matéria ASG deve abranger os riscos e impactos negativos decorrentes dos empreendimentos receptores de investimentos, na linha do que foi apontado pelo estudo da Universidade de Cambridge.
Nesse sentido, a Resolução CVM 193/2023 também foi um passo relevante, já que, para os riscos climáticos, exige que empresas passem a adotar os padrões de Sustentabilidade S1 e S2 do IFRS, ainda que somente em 2027. Será fundamental que os fundos de investimentos efetivamente venham a usar a informação que as empresas publiquem para atender à nova norma, da mesma forma que os consultores e distribuidores (essa exigência ainda não existe no mercado de capitais, diferente do que ocorre para crédito e seguros, em que normas do BC e da Susep exigem a avaliação de riscos climáticos e socioambientais).
A Resolução 193/2023 propiciará a divulgação atendendo em parte (apenas para fins climáticos) a três recomendações essenciais que constaram do mesmo estudo da SIS: a divulgação de localização das operações das empresas, sempre que relevante, a divulgação de informações sobre riscos na cadeia de valor, e a consideração de indicadores específicos de cada setor econômico (nossas recomendações abrangem outros riscos socioambientais). Essas novas exigências estão alinhadas a tendências regulatórias globais, como a CSRD, da União Europeia, e de autorregulação, como a TNFD.
Vale notar que pesquisas têm apurado correlação positiva entre integração de fatores ESG e rentabilidade:
- Metaestudo publicado por pesquisadores da Universidade de Hamburgo analisou mais de 2000 estudos empíricos e concluiu que 90% deles não identificaram qualquer correlação negativa e a grande maioria identificou correlação positiva, que é estável ao longo do tempo. Mercados emergentes também foram considerados no estudo;
- Metaestudo publicado por pesquisadores da Universidade de Nova Iorque em 2021 analisou mais de 1000 outros estudos sobre a correlação e concluiu haver consenso crescente de que a integração de fatores ESG nas estratégias de investimento normalmente resulta em “retornos superiores quando comparadas às estratégias de investimento convencionais, especialmente para investidores de longo prazo, e também fornecem proteção contra baixas durante crises econômicas ou sociais. Notavelmente, muito poucos estudos encontraram correlações negativas definitivas entre desempenho ASG e desempenho financeiro”.
Temos um “quebra-cabeças” sendo montado para que o setor financeiro, que está no coração da economia, esteja alinhado ao Desenvolvimento Sustentável. Investidores de varejo (os que investem diretamente, sem considerar os que adquirem planos de previdência), em seu conjunto, representam um percentual bastante relevante do mercado – R$ 5,37 trilhões em ativos em agosto de 2023, segundo a Anbima, contra R$ 2,5 trilhões de entidades de previdência complementar (abertas e fechadas) em junho de 2023. E provavelmente existe uma imensa demanda por mais informações e ferramentas para levar em consideração os impactos socioambientais de seus investimentos. A SIS seguirá contribuindo nessa jornada.