Veículo: Valor Econômico - Online
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Data: 02/01/2024

Editoria: Sem categoria
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IA chega com promessa de levar atendimento do ‘private’ ao varejo

Passou o tempo do cafezinho na agência, da mensagem protocolar no dia do aniversário e da oferta indesejada de um título de capitalização. O novo atendimento bancário, feito por robôs de inteligência artificial (IA), chega com a promessa de ajudar o cliente a evitar dores de cabeça potenciais e ainda a ganhar dinheiro. É a era do chamado atendimento hiperpersonalizado, customizado de acordo com necessidades particulares de cada indivíduo, ao qual apenas a seleta clientela do “private banking” tinha acesso com gerentes humanos hiperqualificados.

Nos grandes bancos, os robôs e os algoritmos estão saindo dos laboratórios para interagir com clientes em serviços que vão desde alertas sobre multas após o vencimento de uma fatura e bloqueio de transações suspeitas até propor a troca de um seguro ineficiente, a portabilidade de um financiamento ou investimento para outro similar com condições melhores.

Além do atendimento ao cliente, a tecnologia na fase generativa, que produz conteúdos originais, está sendo programada para realizar com alta precisão serviços internos de “backoffice” custosos, com redução de até 90% do tempo gasto em “horas-homem”. São atividades como leitura de documentos de empresas, acompanhamento de processos judiciais e uso de infraestrutura, caso da logística para levar dinheiro até os caixas eletrônicos.

A maioria das aplicações são o que os bancos chamam de serviços de “copiloto” por serem acompanhados por humanos que conferem eventuais “alucinações” – termo para respostas inadequadas originadas pela nova tecnologia. Daí os bancos afirmarem que o uso da tecnologia não vai eliminar postos de trabalho, mas automatizar longas jornadas de trabalhos repetitivos e extenuantes. Os limites para adoção são o uso consentido de dados, alguns deles sensíveis e protegidos por sigilo, dentro da legislação e regulação existentes.

Um dos pioneiros da tecnologia no atendimento foi o Bradesco, que introduziu o uso em larga escala de sua assistente virtual BIA (Bradesco Inteligência Artificial) ainda em 2016. Na fase generativa, a BIA se valeu do histórico de 2 bilhões de interações reais com os clientes para fazer a tal “hiperpersonalização” do atendimento. O banco elencou 67 casos de uso de IA e só em 2023 já investiu mais de R$ 50 milhões, com uma equipe que chega a quase 250 pessoas.

Nos processos internos, a IA lê a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central, ajudando o trabalho da equipe de pesquisa, e auxilia na sumarização de dados de uma série de documentos. Com uma acurácia de 95%, lê petições e reduz o tempo que um profissional gasta analisando esses textos em 80%. Na central de atendimento de cartões, consegue auxiliar os atendentes na análise de perguntas bastante específicas, reduzindo o tempo de resposta em quase 60%.

“O cliente perguntar o saldo e a assistente virtual informar onde é possível consultar essa informação no aplicativo não agrega valor. Agora, conseguir entender a pergunta e ter uma integração com o “core” bancário, mostrar saldo, últimos lançamento, é outra coisa. Os serviços de IA generativa, como um grande modelo de linguagem, vão se tornar uma commodity, mas combinar isso com dados e fornecer soluções únicas, isso é um diferencial competitivo”, diz Rafael Cavalcanti, superintendente-executivo de inteligência de dados do Bradesco.

No Itaú Unibanco, a tecnologia é desenvolvida em duas frentes: eficiência em processos internos e melhoria da segurança e experiência do cliente nos produtos e serviços. O banco mapeou 200 iniciativas de IA generativa envolvendo diferentes áreas de negócio para desenvolvimento e produção. A equipe tem cerca de 350 desenvolvedores que já faziam modelagem de IA e passaram a trabalhar também com a tecnologia generativa.

No backoffice, o banco utiliza IA para análise de documentos de empresas, decisões judiciais, além de fazer a transcrição de 100% de todas as conversas telefônicas com clientes. Também usa metodologia quantitativa para detectar variações atípicas de performance nas carteiras de investimento, ferramenta considerada relevante para o cliente que não é especializado no tema.

Segundo Thiago Charnet, diretor de tecnologia do Itaú, a IA do banco consegue ler cerca de 70 mil documentos judiciais e fazer a transição em texto de 7,8 milhões de ligações telefônicas por mês.

“Isso nos ajuda a entender coisas em escala”, afirma. “A IA generativa mostrou que dá para se fazer muita coisa, mas daí a se colocar num ambiente corporativo, que permita fazer isso em escala, é outra coisa. Tem dado que é público e tem dado que não é. Todo esse cuidado a gente tem tomado”, diz.

No Nubank, a inteligência artificial é usada para reduzir níveis de inadimplência e ampliar o público no modelo de concessão de crédito. Além de histórico de transações, os algoritmos levam em consideração milhares de dados, incluindo de natureza comportamental e de hábitos de consumo para entender o perfil do cliente.

“Continuamente fazemos testes para desafiar as nossas regras de concessão de crédito, o que nos permite aprender movimentos de mercado rapidamente e nos adequar de acordo com as necessidades e demandas de ponta a ponta: dos nossos clientes aos nossos atendimentos”, diz Victor Oliver, diretor de tecnologia do Nubank.

O neobanco também utiliza IA para construir ferramentas de controle e uso de dinheiro, além de avisar os clientes em caso de inadimplência. “Com o open finance, essas possibilidades serão ampliadas. Queremos continuar a levar a qualidade de serviços que historicamente só poucos têm acesso.”

Bradesco agora quer estimular o uso da assistente virtual para transações como o Pix. Em dezembro, o canal pelo WhatsApp deve ter batido 100 mil operações de Pix. A inteligência artificial também alerta sobre possíveis fraudes no cartão de crédito, evitando mais de R$ 100 milhões em golpes, e no último Teleton ajudou até os clientes a fazerem doações.

“Temos 21 milhões de pessoas que usam a BIA, sendo 2 milhões mais de uma vez por semana. Elas apontam que a assistente resolve 80% das questões. Estamos sempre pensando em aplicações que sejam disruptivas e que realmente tenham um valor tangível”, diz.

Para o executivo do Bradesco, o objetivo do uso da IA generativa não é reduzir o número de funcionários, mas auxiliar com ferramentas inteligentes os trabalhadores humanos. Mesmo na área de desenvolvimento, ajuda os profissionais em serviços mais “braçais”, reduzindo o tempo em 50%.

“A IA generativa não é um avião autônomo que vai pousar sozinho em Congonhas. É um conjunto de instrumentos para ajudar o funcionário da operação. Ela potencializa as ações do ser humano”, diz, apontando que em alguns casos o banco trabalha na recapacitação dos funcionários afetados pela IA.

O executivo compara a tecnologia generativa a um elemento radioativo, que pode ser usado tanto para o bem, como geração de energia e exames médicos, como para o mal, como a bomba atômica. Ainda assim, afirma que a nova tecnologia é disruptiva e vai ressignificar as dinâmicas de trabalho. “Por isso, ela não pode ser dissociada da IA responsável. É preciso entender seu funcionamento, dar transparência, e explicar as decisões para os usuários. Mesmo na cibersegurança, os ataques estão ficando mais sofisticados e é possível aplicar a IA generativa para detectar essas atividades.”

Para Charnet, do Itaú, a tecnologia tem demonstrado grandes sinais de evolução, mas está apenas no começo e com potencial de uso em muitas áreas. “Um cuidado que a gente toma é entender como o cliente quer ser atendido. Não queremos empurrar algo que não seja o que ele quer. Temos tomado esse cuidado em nossas análises de cases para expor a tecnologia aos clientes. Se é algo simples, claro que o cliente vai querer. Só que muitas vezes a gente quer conversar com uma pessoa, ir a uma agência e temos essa possibilidade.”