Os recorrentes erros para baixo dos analistas ao projetar o Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil nos últimos anos e certa euforia e surpresa com o desempenho da atividade no primeiro semestre de 2023 – que avançou sem alimentar a inflação e apesar dos juros altos – fizeram parte dos economistas vocalizar com mais força que o PIB potencial do país teria subido. O contínuo declínio dos investimentos e dúvidas sobre a sustentabilidade da aparente reação da produtividade, no entanto, têm deixado outro grupo mais confiante para afirmar que o PIB potencial do Brasil pouco se moveu.
O PIB potencial é aquele que seria alcançado usando de forma plena todos os fatores de produção do país, como mão de obra e capital. Se a atividade cresce acima do seu potencial instalado – com fábricas funcionando em mais turnos e mais pessoas empregadas do que a taxa de equilíbrio sugeriria, por exemplo -, é gerada pressão inflacionária. Por isso, o PIB potencial é uma medida importante para se pensar os rumos da política monetária do país.
O PIB potencial é uma variável não observável: cada economista calcula de um jeito. Mas especialistas ouvidos pelo Valor concordam que o PIB potencial do Brasil roda entre 1,5% e 1,8%. “Até 2019, o mercado já estimava um PIB ao redor de 1,5%. Alguns mais pessimistas falavam em 1%”, diz Rodolfo Margato, economista da XP.
O Ministério do Planejamento e Orçamento sugeriu, recentemente, que o PIB potencial do Brasil pode ter saído de um patamar de 1% de anos atrás para 2% a 2,5%.
O último questionário pré-Copom – lançado pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central aos economistas antes das suas reuniões – que incluiu pergunta sobre estimativas de PIB potencial foi em junho, quando houve moderada elevação de 1,5% para 1,6% no curto prazo, de 1,6% para 1,8% em dois anos e de 1,8 para 1,9% em cinco anos, observa Marcela
O último questionário pré-Copom – lançado pelo Comitê de Política Monetária do Banco Central aos economistas antes das suas reuniões – que incluiu pergunta sobre estimativas de PIB potencial foi em junho, quando houve moderada elevação de 1,5% para 1,6% no curto prazo, de 1,6% para 1,8% em dois anos e de 1,8 para 1,9% em cinco anos, observa Marcela Rocha, economista-chefe da Principal Claritas.
Estimativas para o PIB em períodos mais longos também podem ser entendidas como uma aproximação às projeções do mercado para o PIB potencial, segundo Rocha. Para o PIB de 2026 e o de 2027, a mediana do Focus, pesquisa do BC com agentes financeiros, está em 2%. “Em abril, por exemplo, estava em 1,8%. Isso mostra alguns economistas revisando o PIB potencial”, diz Rocha
O BC não divulgou nos últimos tempos sua estimativa para PIB potencial, mas, a partir de outras métricas da autoridade monetária, como o hiato do produto (medida para a ociosidade), Margato estima que o Copom trabalhe com PIB potencial mais perto de 2%.
Membros do comitê demonstram visões diferentes sobre o tema. Gabriel Galípolo, diretor de Política Monetária, já afirmou haver “indício de que o PIB potencial do país talvez possa ser maior”. Diogo Guillen, diretor de Política Econômica, classificou como “prematuro” o argumento, mas disse apoiar a visão de que reformas econômicas dos últimos anos impactaram o crescimento estrutural.
Pensando no fator trabalho, Silvia Matos, economista do Instituto Brasileiro de Economia (FGV Ibre) e coordenadora do Boletim Macro, diz que, para o PIB potencial chegar próximo de 2%, teria de haver esforço bem maior no sentido de qualificação profissional.
Do lado do capital, a sequência de quatro trimestres de queda da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF), medida para os investimentos no PIB, causa “desconforto” para a tese de PIB potencial maior, diz Rocha.
“Nunca trabalhei com aumento em relação à minha estimativa, mas eu colocava isso como um benefício da dúvida. Faz um tempo que trabalhamos com 1,8%, e tentamos ver se encontrávamos um número superior, mas não encontramos”, argumenta a economista.
A desencorajadora desaceleração dos investimentos “gera uma dependência maior da produtividade como vetor para chancelar um PIB potencial mais alto”, diz.
Em 2023, de fato, a produtividade brasileira tem surpreendido. Medida de eficiência com que os fatores capital e trabalho se transformam em produção, a produtividade total dos fatores (PTF) por hora efetivamente trabalhada cresceu nos três primeiros trimestres do ano, em relação ao mesmo período de 2022, segundo dados são do Observatório da ProdutiRegis Bonelli, do FGV Ibre.
Para especialistas, é possível que o PIB potencial tenha tido, neste ano, algum aumento associado a esses ganhos de produtividade, mas, como o PIB potencial é uma variável estrutural de longo prazo, há dúvidas a respeito da continuidade dessa melhora. As altas da PTF estão desacelerando ao longo de 2023 e, em relação aos três meses imediatamente anteriores, houve quedas no segundo e no terceiro trimestre. Além disso, a PTF por hora efetiva ainda está 3,9% abaixo do nível pré-covid.
“O PIB potencial é uma variável que se movimenta de forma lenta no tempo. Para estimar, olhamos taxas de investimento e poupança em horizontes de dez, 15 anos”, diz Daniel Xavier Francisco, economista-chefe do banco ABC Brasil. Ele calcula um PIB potencial de 1,5% para o Brasil atualmente.
“Nossa produtividade, na média dos últimos anos, é muito ruim. É muito limão para pouca limonada”, afirma Matos. O alento, pondera Rocha, é que 2023 mostrou recuperação. “Mas é muito cedo para falar que está em tendência de aceleração e pode voltar a um crescimento superior a 1%”, diz.
O investimento brasileiro, diz Matos, tem espaço para aumentar. Na América Latina, a taxa costuma ficar acima de 20% do PIB, segundo ela. No terceiro trimestre de 2023, a taxa de investimento do Brasil estava em 16,6% do PIB.
Com o afrouxamento da política monetária, Rocha até projeta crescimento dos investimentos em 2024, de 2,5%, acima da previsão para o PIB como um todo. Ainda assim, a taxa de investimento ficaria em 17,6%, indicando um PIB potencial no mesmo 1,8%, segundo ela. O cenário central da Claritas para o PIB potencial de 1,8% considera crescimentos médios anuais de 0,6% da população, de 0,5% da produtividade e 18% de taxa de investimento.
No cenário-base do FGV Ibre, a taxa de investimento também fica perto de 18%. Isso, somada à produtividade crescendo 0,4% ao ano, deixa o PIB potencial abaixo, entre 1,5% e 1,8%, estima Matos. “E é um cenário-base otimista, pensando que houve uma barrigada do investimento”, afirma. A FBCF caiu 2,5% até o terceiro trimestre de 2023, ante igual período de 2022.
Em um cenário considerado por Matos mais pessimista, com a taxa de investimento em 17% do PIB, mais próxima da atual, e produtividade estagnada, o PIB potencial diminuiria para 1,3% a 1,4%.
Para chegar ao cenário otimista do governo, de um PIB potencial entre 2% e 2,5%, a taxa de investimento precisaria ficar entre 19% e 20%, além de haver maior eficiência na alocação de recursos, e a produtividade teria de crescer a um ritmo de 0,8% a 1%. “Só tivemos isso no início dos anos 2000”, diz.
Mesmo para manter seu cenário-base ao longo do tempo haverá desafios, alerta Matos. “Vai depender do ritmo de envelhecimento da população, que faz com que tenhamos menos gente trabalhando, da qualificação da mão de obra, além de uma alocação de recursos mais eficiente”, afirma. “Para chegarmos mais próximo de 2%, teríamos de fazer um esforço bem maior nessa direção.”
Pelo lado demográfico, as informações do último Censo não são animadoras, observa Rocha. De 2024 a 2030, o crescimento médio da população será de 0,6% ao ano, taxa bem inferior à dos últimos anos, quando a população crescia pouco mais de 1% ao ano. “Pelo lado demográfico, a tendência é de redução do PIB potencial”, afirma.
“Podemos questionar o que levará o investimento a melhorar estruturalmente no Brasil. Muita gente pode citar o ambiente de negócios, reformas sendo feitas. Mas ainda não consigo ver isso já trazendo benefícios para uma taxa superior nos próximos anos. O grande fator que pode alterar esse quadro é a reforma tributária”, diz a economista da Claritas.
Nas simulações de Margato, da XP, há “grande probabilidade” de o PIB potencial estar em algum intervalo entre 1,4% e 2,2%. A estimativa central é 1,8%, considerando uma taxa de investimento perto de 18,5%, o que seria mais condizente com uma política monetária neutra, segundo Margato, e uma produtividade crescendo 0,7% ao ano, na média de 1995 até agora, diz.
A reforma tributária, porém, poderia adicionar cerca de 0,5 ponto percentual ao PIB potencial anual do Brasil ao longo do tempo, estima Margato, levando a projeção central da XP para 2,3%. “Alguns regimes diferenciados podem diminuir esse potencial, mas é inequívoco que traz avanços no longo prazo”, afirma.