Veículo: Valor Econômico - Online
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Data: 28/11/2023

Editoria: Sem categoria
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Análise/FT: Apostas do mercado para 2024 são mais um ‘déjà vu’

A temporada das previsões para o ano seguinte se aproxima mais uma vez, e o clima de “déjà vu” é forte. A esta altura no ano passado, investidores e analistas estavam ocupados em contar ao mundo suas principais convicções sobre 2023. A mais importante: os EUA caminhavam para uma recessão e o declínio histórico dos preços de bônus do governo tinha acabado.

Hoje, você ficará chocado ao ouvir que a mensagem-chave para 2024 é a seguinte (sim, é verdade, nós estávamos errados da última vez, mas ouça-nos): os EUA caminham para a recessão e o declínio histórico dos preços de bônus do governo acabou.

A principal mudança no refrão é que, em geral, a expectativa é que essa vaga recessão seja mais para moderada — uma desaceleração em vez do chamado “pouso forçado”, o circo de horrores que se esperava de maneira generalizada no início deste ano. Mas a maioria concorda que o ano que vem será o momento em que as taxas de juro mais elevadas começarão finalmente a morder e isso aumentará a atração dos ativos seguros, como a dívida do governo. Eles querem mesmo dizer isso desta vez.

Acertar essa aposta é crucial não apenas para o mercado de bônus, mas para os preços de todos os outros ativos que usam os preços desses títulos como âncora. Analistas e investidores são rápidos em reconhecer que essa tarefa crucial os tirou do rumo este ano.

“No ano passado, considerávamos um cenário em que os bônus estavam de volta”, disse Vincent Mortier, diretor de investimentos da Amundi, maior gestora de ativos da Europa, em evento na semana passada sobre perspectivas. “Estávamos um pouco adiantados.”

Justo no momento em que os investidores esperavam uma queda nas taxas de retorno dos bônus, o mercado deu-lhes uma surra. As taxas de retorno dos bônus de referência de dez anos do governo dos EUA subiram de seu menor nível este ano, de cerca de 3,3% em abril, para 5% no fim de outubro — o ponto mais alto desde antes da crise financeira.

Em termos gerais, o consenso acertou na sua aposta sobre a inflação. O ritmo dos aumentos de preços na maioria das principais economias diminuiu expressivamente. Mas as peculiaridades do mercado de crédito imobiliário dos EUA, em particular, significam que os proprietários de imóveis residenciais estão protegidos por vários anos da fúria do aumento de custos de empréstimos.

O mundo das empresas americanas também ainda não sente o impacto. De maneira decisiva, a generosidade fiscal do governo de Joe Biden manteve a economia em funcionamento. O consenso subestimou quanto tempo levaria para que o aperto monetário começasse a doer.

Mortier disse que, com taxas de retorno de 5%, esses bônus de longo prazo do Tesouro eram simplesmente bons demais para deixar passar; a Amundi foi uma das muitas empresas que caçavam ofertas e compraram àquele nível. Em termos de um prazo um pouco mais longo, acrescentou, “hoje estamos mais convencidos do que nunca de que os bônus de alta qualidade estão de volta como parte de uma carteira”. Ele avalia que um salto nos preços significará que a taxa de retorno dos bônus de dez anos dos EUA cairá a 3,7% até o fim de 2024, ainda que em uma trajetória volátil em potencial.

Da mesma forma, o UBS Wealth Management tem estimulado seus clientes a pensarem em “se fixar” nas taxas de retorno relativamente elevadas em oferta hoje, na expectativa de uma desaceleração no ano que vem — além da possibilidade de cortes nas taxas no fim de 2024, que antes a gestora considerava possíveis mais ou menos por este momento. Leslie Falconio, chefe de estratégia de renda fixa tributável, afirma que o crescimento mais lento vai superar o possível impacto de enfraquecimento dos bônus se uma oferta de nova dívida maior do que a habitual chegar ao mercado.

De qualquer forma, várias questões-chave restringem os ânimos. Uma delas é a humildade — poucos esquecerão como foi fácil fazer a aposta errada este ano, o que significa que agora “as pessoas desistiram de ter opiniões fortes”, como disse Wolf von Rotberg, estrategista de ações do J. Safra Sarasin.

Além disso, os investidores ficam desarmados pela volatilidade. Mesmo aqueles que estão habituados aos altos e baixos tempestuosos dos mercados de taxas ao longo dos últimos anos ficam espantados com a escala das últimas mudanças — uma viagem de ida e volta desde as taxas de retorno de 4% em setembro até aquele pico de cerca de 5% e, então, um grande recuo de novo em seis semanas é estimulante, para falar de uma maneira delicada.

“Os movimentos nos bônus são tão poderosos, a volatilidade é tão alta… É simplesmente quase impossível investir”, disse Greg Peters, codiretor de investimentos da PGIM Fixed Income. “É difícil conseguir investidores verdadeiros no mercado quando a volatilidade é tão alta, portanto ficamos com compradores marginais muito sensíveis, como fundos hedge e outros, o que cria mais volatilidade.”

Peters afirmou que, além disso, a rápida reviravolta dos retornos foi suficiente para afastar muitos possíveis compradores de longo prazo, porque ela sugeriu que, não pela primeira vez, o mercado se precipitara. Em vez de simplesmente embutir nos preços uma pausa nas elevações das taxas nos EUA, ele já refletia a chance de cortes de taxas potencialmente agressivos.

“O mercado já extraiu muito valor de 2024”, adverte Peters, ao alertar contra qualquer expectativa de cortes rápidos nas taxas. “Temos esta cartilha desatualizada que os investidores estão usando, com a qual acreditam que em qualquer retração da economia os bancos centrais chegarão correndo [com cortes nas taxas].”

O peso das expectativas é extraordinariamente grande. A pesquisa regular do Bank of America mostra que os investidores fazem a terceira maior aposta positiva sobre bônus das duas últimas décadas. Além disso, um número recorde de 61% dos gestores de fundos disseram ao banco que esperavam taxas de retorno mais baixas em 2024. Se esse tipo de peso de consenso não nos fizer parar para pensar, nada fará. Este ano ainda tem muito tempo para eliminar um pouco da complacência do mercado, e é perigoso presumir que o mercado de tendência altista de “erros” acabou.