A vitória do economista ultraliberal Javier Milei para a presidência da Argentina é marcada pelas promessas dele de dolarizar a economia, acabar com o Banco Central, privatizar a principal petroleira estatal e privatizar veículos de comunicação públicos. Além disso, Milei havia chamado o Mercosul de “união aduaneira defeituosa”, dito que não pretendia se aproximar de Lula e que não faz pacto com comunistas, ao ser perguntado sobre a relação com a China.
Em entrevista ao podcast O Asssunto, o ex-embaixador do Brasil na Argentina Marcos Azambuja, analisa como podem ficar as relações entre os dois países em meio às declarações polêmicas do novo mandatário argentino. Ele também aborda a relação argentina com outros países, como os EUA e a China.
“O fato de você ter declarações muito enfáticas contra seus principais sócios comerciais é muito perigoso”, diz Azambuja.
“O conteúdo das promessas de campanha de Milei geram incerteza e inquietação não só lá, mas em outros países. Ele tem a capacidade de ser dramaticamente afirmativo, onde a sabedoria pareceria sugerir um tom muito mais cauteloso, uma espera para ver a realidade”, declara.
Relações com o Brasil
Apesar de constatar os riscos das declarações do futuro presidente, o ex-embaixador na Argentina, que também serviu na França e hoje é conselheiro emérito do Cebri, o Centro Brasileiro de Relações Internacionais, aponta que a relação entre Brasil e Argentina remontam a mais de 200 anos, e que é preciso que prevaleça a moderação.
“Nem o Basil nem a Argentina foram inventados ontem […]. Entre nós há uma longa vizinhança, uma profunda camaradagem, de vez em quando desacertos. Mas nós temos uma tradição de diálogo. Portanto, o que quero preservar e o que me preocupa, é que há um jogo de declarações onde eu preferiria que houvesse um exercício de negociações”, diz.
Azambuja considerou “prudente” e “adequada” a atitude do presidente Lula de não ter telefonado a Milei após o resultado da eleição, e ter feito apenas uma postagem sem citar o nome do futuro presidente. “Ele [Lula] não podia ir além quando ele é objeto de críticas do Milei muito veementes.”
Para Azambuja, também é necessário que o Brasil haja com moderação na relação com a Argentina para que a relação entre os países não se agrave.
Relação com EUA e China
Na relação com os Estados Unidos, Marcos Azambuja chama a atenção para o fato de que Milei deve ir aos Estados Unidos antes de sua posse para se encontrar com o ex-presidente Donald Trump, derrotado nas últimas eleições, e não com o atual mandatário, Joe Biden.
“Isso é uma coisa inédita na história [o presidente eleito de um país ir visitar o candidato à presidência derrotado em outro]. Antigamente, você se lembra, era Washington que influenciava […] as eleições na América Latina. Agora está havendo uma reversão: um presidente sul-americano que vai influenciar, se você quiser, o jogo eleitoral americano”, afirma.
“Eu tenho a impressão que você ter um presidente que, ao assumir, tem uma relação muito difícil com seus dois principais parceiros, que somos nós [Brasil] e a China, é complicado”, diz Azambuja. “O fato de você ter declarações muito enfáticas contra seus principais sócios comerciais é muito perigoso.”
“A ideia de que você ponha no mesmo saco todos os socialismos, como se todos eles fossem pré-comunistas ou comunistas, é uma coisa temerária, com os escandinavos, com outros. Você escolheu uma viagem pro exterior, e apenas Washington e Israel [foram escolhidas]. [Isso] não parece sábio, não parece prudente”, diz.