Veículo: Valor Econômico - Online
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Data: 13/11/2023

Editoria: Sem categoria
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Mercado brasileiro tem maior ‘seca’ de IPOs em 25 anos.

Na maior seca de ofertas iniciais de ações (IPOs, na sigla em inglês) em 25 anos na bolsa brasileira, o mercado de capitais está batendo dois anos sem uma nova empresa listada. A entressafra poderá se entender ao menos até o primeiro trimestre do próximo ano, se depender do humor dos investidores, em um ambiente de juros globais elevados e conflitos geopolíticos externos.

Nesse período, houve vários motivos locais e externos para o congelamento de ofertas. Agora, as incertezas são pautadas pelo movimento dos juros americanos e, no Brasil, por qual será a queda contratada para a taxa Selic até o fim de 2024, afirmam gestores e bancos de investimentos ouvidos pelo Valor. Com a volatilidade adicional trazida pela a guerra entre Israel e o grupo terrorista Hamas, muitas conversas esfriaram, devendo ser retomadas apenas no ano que vem.

A questão é quando, em 2024, isso poderá acontecer. Para que uma oferta saia ainda no primeiro trimestre, no entanto, o protocolo de documentos precisa ser entregue à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) até meados de dezembro, o que já faz com que bancos de investimento comecem a postergar a estimativa de retomada para abril.

Dado o aumento de incertezas, a bolsa brasileira enfrentará um deserto prestes de completar dois anos, o que não acontecia ao menos desde o biênio de 1997 e 1998, conforme levantamento feito pelo Valor na base de dados da CVM. Mesmo em 2015, momento de grande instabilidade local, a bolsa teve um debute (o da Par Corretora, atual Wiz).

“A bolsa está refletindo movimentos recentes. Estamos em um período de pior nível de alta dos juros dos Estados Unidos. Estamos acompanhando movimento do Fed [Federal Reserve, o banco central americano], que manteve em novembro a taxa de juros entre 5,25% e 5,5%. As incertezas atrapalham mais o mercado de ações que o de renda fixa”, afirma Felipe Thut, chefe do banco de investimento do Bradesco BBI. “O nível atual da taxa de juros tem impacto no fluxo de renda fixa para a variável, além do apetite dos estrangeiros”, diz. O Bradesco vê potencial de IPOs para o primeiro trimestre.

Pelo segundo ano consecutivo, as ofertas subsequentes de ações (“follow-on”) serão a tônica do setor. Thut acredita que essas operações devem movimentar cerca de R$ 10 bilhões até o fim do ano. O executivo do BBI observa que a bolsa está barata e os indicadores econômicos continuam surpreendendo os investidores.

Por outro lado, segundo Thut, o mercado está atento ao conflito geopolítco, com a guerra entre Israel e o Hamas. “Há uma preocupação se a guerra poderá escalar e qual será o impacto disso no preço do petróleo”, afirma.

Para os corresponsáveis pelo banco de investimento do Goldman Sachs no Brasil, Cristina Strada e Ricardo Bellissi, a conjuntura externa traz maior volatilidade para o mercado de capitais no país. “Há uma expectativa de juros ainda alto nos EUA e a curva mais longa [taxa de juros em diversos vencimentos] para os Treasuries”, pontua Strada, lembrando que a questão geopolítica é também um componente maior de incertezas.

A executiva lembra, contudo, que a expectativa para uma recessão americana diminuiu. “As estimativas em um passado recente indicavam 60% de chance de recessão. Agora quando se vê um PIB de quase 5% e as taxas de desemprego caindo, há uma expectativa de menos de 30%.”

Embora o mercado brasileiro esteja num movimento mais assertivo, com taxas de juros em queda, Bellissi afirma que bolsa está mais em sintonia com a dinâmica do cenário externo. “E para a decisão de fazer IPO, há vários componentes que não levam em conta somente a companhia em si. Há as empresas comparáveis e tem de ter um mercado receptivo para isso”, reforça.

Fontes de mercado lembram que há dezenas de empresas na fila esperando uma reabertura de janela. No entanto, a avaliação é a de que a primeira oferta depois do deserto de dois anos virá provavelmente de uma companhia já consolidada, com bons resultados e capacidade de fazer uma operação de grande porte – que tende a ser mais atrativa, por exemplo, para investidores estrangeiros e institucionais. Essas empresas, por outro lado, não aceitam tanto desconto de preço e não têm pressa para realizar a oferta, observa um interlocutor. “As empresas que estão mais dispostas são aquelas que estão precisando do capital, e muitas vezes não são essas que os investidores querem investir”, diz.

Com o aumento da aversão ao risco, as chances de uma oferta já no início do ano já é vista como menos provável.

O responsável pela área de renda variável do Citi, Marcelo Millen, diz que uma das razões que têm travado o mercado de IPOs é a falta de convergência de “valuations” [valor atribuído ao negócio] entre a empresa e os investidores. “Existe interesse, os “follow-ons” mostram que há demanda por ofertas, mas para se ter uma transação precisa de um recuo da volatilidade, para o mercado ficar mais construtivo e o fluxo de capital voltar de forma mais firme para os fundos de ações”, afirma.

De acordo com Millen, há muitas empresas se preparando para uma abertura de capital, mas não, existe no momento, uma visão de que a janela estará aberta em janeiro. A maior probabilidade, diz, é que isso aconteça a partir de abril.

O chefe global do banco de investimento do Itaú BBA, Roderick Greenlees, afirma que hoje 80% do foco de atenção está no exterior e que será a dinâmica de juros nos Estados Unidos que definirá o momento da reabertura do mercado para os IPOs.

Dados recentes americanos, como os de desemprego, já trouxeram algum alívio aos mercados, com os olhares agora direcionados para o momento em que as taxas de juros podem começar a cair. “Tivemos algumas notícias importantes e se confirmar até o fim do ano, as condições melhoraram.”

O sócio da Ártica Assessoria Financeira, Érico Nikaido diz que a janela em 2023 está fechada e que, por isso, há projetos que precisam de capital sendo postergados. “Companhias preparadas, com qualidade e crescimento, há bastante na fila. Falta oportunidade.”

Muitas empresas tiraram proveito desse momento e abriram operações de “follow-on”. No ano até agora, foram 19 nomes que captaram R$ 32 bilhões. “Quem fez ‘follow-on’ tomou essa decisão porque precisava muito. Os preços das operações não estão bons”, diz Matheus Tarzia, gestor de ações da Neo Investimentos.

No entanto, 2023 não foi marcado apenas por operações de empresas endividadas. Houve também ofertas de companhias que aproveitaram um momento mais oportuno no meio do ano, exemplo de Orizon, Smartfit e Localiza, dentre outras.

Com a dinâmica de juros nos Estados Unidos, o fluxo de capital estrangeiro esperado para entrar no Brasil ainda não veio, o que afeta a colocação de novas ofertas. Henrique Aguiar, chefe da Nova Futura Private, lembra que em poucos momentos da história países triplo A (com boa avaliação de crédito), moeda forte e mercado de trabalho robusto tiveram juros a 5%, caso dos EUA hoje. “No Brasil, não tem dinheiro entrando na bolsa. O resultado é que as empresas estão suprindo sua necessidade de capital emitindo títulos, aguardando que o cenário melhore para planejar um IPO”, comenta. “A participação do investidor estrangeiro é chave e eles estão investindo em Treasuries [títulos do tesouro americano]”, completa Sá.

Os especialistas evitam cravar uma data para reativação do mercado em 2024. “O cenário pode mudar muito rapidamente”, diz Nikaido. Mas é consenso de que ele começará pelas empresas maiores, consolidadas, e de setores tradicionais, como energia e saneamento. “A primeira leva deve ser de nomes mais conhecidos, com fluxo de caixa mais estável e menos risco. O investidor está receoso”, prevê.

Sá, da Nova Futura, lembra ainda do segmento de saneamento, que vem atraindo atenções. A Aegea, por exemplo, causou furor no mercado em agosto, quando emitiu R$ 5,5 bilhões em debêntures, sendo que a demanda passou de R$ 9,5 bilhões. “Também podemos ver IPOs de óleo e gás. Histórias novas, acho difícil”, afirma o co-chefe de Investimentos da Arton. Às empresas menores, restará recorrer a private equity, captações via títulos ou joint ventures.