O Brasil já viveu o boom dos hipermercados, dos atacarejos, das lojas de conveniência e agora vê um novo fenômeno, o das lojas de super proximidade, dentro de condomínios ou prédios corporativos. Elas se baseiam no “mercado honesto”, ou seja, não há atendentes e o cliente pega e paga pelos produtos.
O conceito de mercado honesto foi consolidado pela Amazon, que criou a Amazon.Go, mercado inteligente que usa tecnologia para realizar as vendas sem intervenção humana, e entrou em operação comercial em 2018.
Há lojas similares a minimercados, em locais mais protegidos, com câmeras, e dispositivos antifraudes, como identificação do cliente pelo CPF. Mas as menores ficam em locais como o saguão de empresas ou academias de ginásticas, que contam no máximo com a câmera de vigilância do prédio.
O índice de clientes que “esquecem” de pagar pelos produtos no país fica entre 2,7% e 3,5%, dentro do que acontece em outros países, o que não traz prejuízo às operações. Mas quando esse índice sobe, num condomínio, por exemplo, a empresa pode pedir ajuda do síndico e das câmeras.
A comodidade nas compras, porém, tem custo:
— São (preços) entre 10% e 15% mais altos do que no mercado da esquina. É um prêmio que as pessoas acham que vale pagar — diz Jean Paul, da Gouvea Consulting.
A jornalista Helena Benfica, de 24 anos, de Belo Horizonte, costuma pegar lanches da tarde nas gôndolas de honest market da cidade.
— Ajuda muito quando a fome aperta, mas é preciso saber que os valores são mais altos — afirma.
Grandes redes e startups
Grandes redes de varejo alimentício estão aderindo ao modelo. O Hirota, rede de mercados de São Paulo, tem 120 lojas na capital paulista, em grandes condomínios residenciais, e abriu doze Hirota Office, em empresas como Bradesco, Magalu, Itaú e Santander. A meta é chegar em 2025 com 500 pontos em condomínios residenciais.
— Nossas lojas são em condomínios com mais de 300 apartamentos e vão muito bem, tendo o melhor resultado da companhia — diz Helio Freddi Filho, diretor de expansão do Hirota.
O Carrefour tem 29 mercados autônomos em São Paulo, a maioria em condomínios. Pelo aplicativo, o consumidor tem acesso à loja, escaneia os produtos, consulta preços, fecha o carrinho digital. Suas lojas variam de 15 metros a 50 metros quadrados e este modelo só é operado no Brasil pela rede francesa, diz João Gravada, diretor de proximidade do grupo:
— Essas lojas fazem parte da estratégia do Carrefour de estar disponível onde o consumidor precisar.
As empresas do setor são, na maioria dos casos, startups. Algumas até oferecem franquias de suas lojas, como a Market4u, de Curitiba, com 2,1 mil lojas em 22 estados, sendo 190 próprias e o restante franquias. O investimento inicial fica em R$ 130 mil, com direito à montagem de cinco pontos. O faturamento estimado de cada loja é de cerca de R$ 100 mil.
A empresa faturou R$ 100 milhões ano passado, e já inaugurou um centro de distribuição em Osasco, em São Paulo, para atender 480 pontos de vendas na capital e no ABC paulista. O Market4u mapeou 50 mil condomínios com potencial para mercado autônomo e só um em cada cinco já tem o equipamento.
— Nossa meta, até 2028, é ter 50 mil lojas — diz Eduardo Córdova, CEO do Market4u.
A empresa usa tecnologia como travamento e destravamento das lojas pelo aplicativo e câmeras inteligentes que mostram quantos itens foram retirados e quantos foram pagos.
Com 64 lojas na Grande São Paulo, a Imagine Store quer chegar a 85 no fim do ano, seja em condomínios residenciais ou empresas como Grupo Fleury, BodyTech e Banco BTG Pactual, onde já atua com produtos de alimentação e bebidas, incluindo itens saudáveis. Há planos de se expandir para estados como Rio, Minas Gerais, Bahia, Paraná e Santa Catarina no próximo ano e chegar a 300 lojas em 2024, com franquias.
Daniele Romero, CEO da empresa, conta que o mobiliário é específico para cada ponto. A Imagine montou loja exclusiva de água mineral na Bienal de São Paulo. E criou comunicação visual, com telas de led, onde as marcas podem apresentar produtos aos consumidores. O pagamento pode ser feito por Pix, cartões de débito ou crédito.
— Desenhamos a loja com design específico para cada espaço. A indústria vende direto ao consumidor e nós fazemos a curadoria dos produtos — conta Romero, que durante 15 anos atuou com logística.
Em Pernambuco, a Mercado Honesto tem 45 lojas em operação no Recife e começa a se instalar em Olinda, com mais de 350 rótulos de produtos. A empresa já tem um centro de distribuição e emprega 12 pessoas, entre pessoal de reposição das lojas e limpeza. Sao 68 fornecedores.
— No começo, usamos até refrigeradores usados — conta o arquiteto Rodrigo Cruz, um dos quatros ócios da empresa.
A Smart Brake tem 650 lojas próprias, em São Paulo, em hotéis, empresas e condomínios. Não oferece franquias. Foi uma das pioneiras do Mercado Honesto no país, em 2018, e já recebeu aportes de mais de R$ 40 milhões de investidores.
Ricardo Colas, CEO e fundador, conta que oferece 900 itens, entre vinho e carnes até desodorante. O mix de produtos varia em cada lugar. Seu índice de não pagamento é de 5%, mas ele diz que com dispositivos de inteligência artificial, e câmeras já consegue detectar atitudes suspeitas.
— Hoje, nas novas construções, assim como é obrigatório um espaço de academia, também já está sendo deixado um espaço para o mercado autônomo no prédio — constata.